CLÁUDIA SOUSA
PEREIRA
UMA NO CRAVO, OUTRA NA DITADURA
A expressão adaptada no pós 25 de Abril que foi título de
espectáculo de revista, “uma no cravo, outra na ditadura”, foi-me relembrada há
um par de semanas. Não a propósito do assunto desta crónica – o “tarantantam”
sobre um primeiro chumbo e consequentes forçadas negociações do Orçamento
Municipal de Évora – mas a assentar-lhe muito bem.
Como
é sabido, a expressão popular original – “dar uma no cravo e outra na
ferradura” – que usa o vocabulário de quem prepara cavalos, significa, na sua
expressão idiomática, o não comprometimento numa polémica que reclamaria, em
princípio, pender-se a opinião, e a acção, para um dos lados. A falha das duas,
isto é, tomar partido e agir consoante, para quem trabalha em circunstâncias
como as do ferreiro parece admissível, mas a hesitação em defender uma posição
contra outra não é tão benevolente na adaptação quer metafórica, quer
revolucionária. Pede-se a radicalização, de resto típica do ambiente das
revoluções. Da naturalidade própria de quem não faz sempre tudo com os resultados
ideais, apesar do máximo profissionalismo e competência, passa-se, na metáfora,
à exigência de uma difícil coerência que a actividade política requer, mas que
só bafeja políticos sérios e a sério, pois, como talvez não seja sabido por
muitos, em Política as circunstâncias alteram-se muito rapidamente e há que ter
fibra para lhes resistir de cabeça erguida.
Voltando
a Évora: quis-me parecer, das diferentes declarações que li em meios de
comunicação mais ou menos convencionais, de várias pessoas com responsabilidades
por exercerem cargos políticos, e por isso públicos, e algumas delas até
devedoras às forças políticas enquanto colectivo que as ajudaram a serem
eleitas; quis-me parecer que o “tarantantam” serviu, no que se vai tornando
normal no jogo político mais básico, para revelar a distância que separa essas
pessoas, políticos, da verdadeira Política. E sem grande preocupação, ou
habilidade, em sequer disfarçarem que seria disso mesmo, da Política, que se
devia tratar.
Mas
concentremo-nos nas declarações oficiais. A posição da CDU e do Presidente da
Câmara é quase só risível. É sabido e provado em actas de há vários anos, para
quem quisesse ter a paciência de as procurar e ler, sobre atitudes respeitando
a responsabilidade e as que podem reflectir irresponsabilidades nas discussões,
negociações e votações de vários Orçamentos Municipais. Da CDU poder-se-ia
dizer que já esqueceu a democracia que o cravo simboliza e parece lamentar
profundamente que a expressão “maioria absoluta” não seja mesmo sinónimo de
ditadura. Isto diz tudo sobre a possibilidade, sabe-se lá por que meios, de
alguma vez ser o Comité Central do PCP a comandar os destinos nacionais. Vade
retro!
Por
outro lado, achei, digamos, “fofinhas” as exigências do PSD do concelho nas
negociações para eventual aprovação do Orçamento. Agora a sério, já que o
adjectivo “fofinhas” foi mesmo simultaneamente provocador e carinhoso: há duas
condições que são, na minha opinião, bastante responsáveis e em defesa do
interesse dos Eborenses. Uma delas segue uma solução finalmente proposta pelo
Governo no devolver da dignidade a uma escola de Évora que tem sido
sucessivamente esquecida, e que a Câmara não contempla como prioridade; a
outra, também na área da Educação, que reconhece a importância e as potencialidades,
agora mais previsíveis com as restantes medidas para a descentralização de
competências para as autarquias, da gestão das Escolas e do seu pessoal não
docente. Uma oportunidade para a efectivação do que é a Política de
proximidade, tão confundida por tantos com os “jeitinhos” e “favorzinhos”. O
meu elogio deve certamente ter também que ver com as novas orientações que
aquele Partido parece estar, muito a custo, a tentar tomar. A ver vamos!
Quanto
às exigências que o PS propôs, presumo e desejo que com o total apoio dos
eleitos nos diferentes cargos autárquicos e com a experiência dos que sentiram
na pele as dificuldades da gestão do concelho “abrindo o peito às balas”
(apanhando até por vezes, demasiadas, com o hipocritamente chamado “fogo
amigo”), revelam o conhecimento do território local e a intenção de melhor
fazer na construção da cidadania eborense e pelo progresso dos cidadãos que
desejam também servir o melhor possível. Aliás, a rejeição pelo Presidente da
Câmara em aceitar uma das propostas, a de um Orçamento Participativo quase
simbólico, teve na minha opinião uma leitura plural. Desconfia, o Executivo, da
capacidade dos Eborenses para saberem o que escolher no uso a dar a dinheiros
públicos, um receio só desculpável se quisermos, nós os que acreditamos na
Política para as pessoas, desistir delas e acharmos que os resultados destes
processos têm de ser todos parecidos com os do último Orçamento Participativo
nacional. E esse só revela o quanto ainda há a fazer pela participação cidadã
na vida que lhes diz respeito. Mas essa recusa vem confirmar, só com mais um
exemplo, o fachadismo deste Executivo, neste caso quando, volta e meia, ainda
exibe o epíteto de Cidade Educadora. É que não só não o pretende ser, trabalho
interminável eu sei, como polui o conceito e respectiva aplicação com a sua
presença na Rede das Cidades Educadoras, ao lado de outras autarquias, de cores
políticas várias e, politiquices à parte, que levam o assunto a sério.
Depois,
venham falar-me de cravos…
Até
para a semana.
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