Tributo aos 60 anos do Rancho Folclórico Fazendeiros de Montemor
A dança é uma das expressões
artísticas mais antigas. Na pré-história dançava-se pela vida e pela
sobrevivência. Diferentes fontes arqueológicas em pinturas, gravuras e
esculturas, apresentam imagens de músicos, instrumentos e dançarinos em acção.
A dança teve forte influência nas
sociedades ao longo dos tempos. Como via de socialização e disseminação de
cultura, proporcionou ao mundo o conhecimento sobre a diversidade cultural dos
diferentes povos, especialmente através das danças folclóricas. Estas, são uma
forma de dança social que se desenvolveu como parte dos costumes e tradições de
um povo, e foram transmitidas de geração em geração.
A UNESCO declara que o folclore é
sinónimo de cultura popular e representa a identidade social de uma comunidade
através de suas criações culturais, colectivas ou individuais, e é também uma
parte essencial da cultura de cada nação.
Foi em Ponte de Lima que pela
primeira vez surgiu em Portugal um rancho folclórico devidamente organizado e
trajado. Com efeito, o jornal humorístico “O Sorvete” que se publicava no
Porto, dava a conhecer na sua edição n.º 123 de 4 de Setembro de 1892 a
deslocação àquela cidade do “Grupo de Lavradeiras de Ponte de Lima.
Em Montemor-o-Novo, até meados do século passado, era hábito, durante a apanha da azeitona, das ceifas, e da tirada da cortiça, os trabalhadores organizarem os tradicionais bailaricos. Estes, eram quase sempre abrilhantados pela harmónica bocal, mais conhecida por “gaita de beiços”, e também pelo harmónio e pela concertina. Nas adiafas oferecidas pelos patrões no final dos trabalhos, também não faltava o baile.
Em Montemor-o-Novo, até meados do século passado, era hábito, durante a apanha da azeitona, das ceifas, e da tirada da cortiça, os trabalhadores organizarem os tradicionais bailaricos. Estes, eram quase sempre abrilhantados pela harmónica bocal, mais conhecida por “gaita de beiços”, e também pelo harmónio e pela concertina. Nas adiafas oferecidas pelos patrões no final dos trabalhos, também não faltava o baile.
Pelo Carnaval, eram cinco dias de
folia e não podia faltar a “bailação”, principalmente nos salões do Valmeque e
dos Henriques. Nestes bailes carnavalescos, em que o pessoal das “Fazendas de
Montemor” participava, em vez da valsa, do tango e do bolero, eram dançadas e
cantadas modas antigas, passadas verbalmente de pais para filhos, como por
exemplo os”três tempos”, os “dois pulinhos”, a “polca”, e a “desgarrada
alentejana”, entre outras.
O folclorista Feliciano Rabaça do
Carmo depois de obter autorização para
utilizar o Salão do Monte dos Henriques, convocou vários dançarinos das
fazendas para uma reunião, que tinha como objectivo criar um rancho folclórico.
Luís e Joaquim Carvoeiro e a irmã Angelina, Matateu e as irmãs Leonilde e Maria
Perpétua, Domingos Cinzas e a irmã Umbelina, e Idalina da Pontinha marcaram
presença naquele plenário no qual foi decidido fundar um rancho folclórico.
Após a deliberação, passou-se de imediato ao trabalho. Na presença do
acordeonista José Antas, Feliciano Rabaça pediu aos presentes que executassem
as danças e cantares oriundas das fazendas. Depois de terem registado os sons e
as letras das modas executadas, Feliciano Rabaça marcou o primeiro ensaio para
o Monte dos Henriques.
Sessenta e seis anos depois do
aparecimento do Grupo de Lavradeiras de Ponte de Lima, a Vila Notável passou a
contar com o seu representante na área da dança e da música folclórica
portuguesa, ao qual foi dado o nome de “Rancho Folclórico Fazendeiros de
Montemor-o-Novo” A palavra "rancho" identifica grupos de
trabalhadores que desempenhavam tarefas agrícolas por conta dos proprietários
das terras, e “fazendeiros”, porque a maioria dos componentes do rancho
folclórico residiam nas “fazendas”
(pequenas propriedades rurais agrícolas, geralmente compostas por um monte e um
terreno destinado à prática da agricultura).
O Rancho Folclórico “Fazendeiros
de Montemor-o-Novo” foi fundado no ano de 1958. A sua organização e primeiros
ensaios efectuaram-se no Salão de Festas do Monte dos Henriques, gentilmente
cedido para o efeito pelo seu proprietário Senhor Manuel Leal, mais conhecido
por Manuel dos Henriques. Ali funcionou a primeira sede do novo agrupamento
folclórico, idealizado e cuidadosamente organizado por dois montemorenses
resolvidos a não olhar a sacrifícios para mostrarem a conterrâneos e aos
estranhos a beleza, movimento e vida das autênticas danças tradicionais do
nosso povo - os senhores Feliciano Rabaça do Carmo e José Antas. Este, foi
durante anos o exímio acordeonista do Rancho; aquele, foi durante vários anos o
seu incansável e competentíssimo ensaiador.
Seria extenso e difícil recordar
aqui o seu percurso, desde os primeiros ensaios no Monte dos Henriques à luz do
petróleo, com seis pares apenas, o acordeonista e o ensaiador, até aos
delirantes aplausos que lhe tributaram vinte cinco mil pessoas no Palácio de
Cristal, do Porto ou à sua triunfante exibição na RTP. Lembremos somente alguns
factos que estão gravados a letras de ouro no seu historial.
A primeira apresentação em público
foi no 68.º aniversário do Círculo Montemorense “Pedrista”, em Janeiro de 1959.
Ainda não havia fardas propriamente ditas, remediando-se cada elemento como
podia. O êxito obtido foi todavia completo. A sua actuação agradou imenso aos
associados e convidados da Pedrista. A simpática fadista Hermínia Silva que
participou no espectáculo, convidou os “Fazendeiros” a actuarem no seu
Restaurante Pôr do Sol em Benavente. Fruto do mérito, e também da empatia
criada, os “Fazendeiros” eram presença assídua em Benavente, já com o cantador
António José Cinco-Réis integrado no Rancho.
Em 1959 o rancho passa a ensaiar
na Sociedade Pedrista, e esse facto levou Feliciano Rabaça a
criar o Rancho Infantil “Ceifeiras e Ganhões”.
Fazendeiros na RTP
Fora de portas, a primeira
apresentação fez-se no Ginásio do Liceu de Évora. Já havia parte das fardas
(calçado e chapéus); o restante vestuário continuava a ser propriedade dos
elementos do rancho. A exibição na Cidade-Museu agradou imenso. O êxito foi
subindo sempre, à medida que se sucediam as actuações. Em 1960, entre outras,
salientou-se a apresentação no Casino da Nazaré, com resultado que fez
sensação. Em 1961 foi pela primeira vez exibir-se na RTP, onde voltou em 1963.
Pelo facto da televisão no nosso país (inaugurada em 7 de Março de 1957)
existir apenas para um número muito reduzido de portugueses, motivado pelo
elevado custo dos televisores, o empresário Jaime Nogueira, instalou no Largo
da República um televisor, permitindo desta forma aos seus conterrâneos,
assistirem à actuação dos “Fazendeiros de Montemor”. No Largo do Almansor
encontrava-se muita gente anónima amante do folclore.
A extraordinária actuação na RTP
levou os responsáveis pela Feira Popular de Lisboa a convidarem os
“Fazendeiros” para se exibirem naquele concorrido local, onde no dia 14 de
Setembro de 1963 obtiveram mais um enorme êxito.
Nesse ano de 1963, por divergências
com a Direcção da Pedrista, o rancho passa a ensaiar na Associação Operária.
Os “meninos da vila” ingressaram
nos “Fazendeiros”. Pelo facto de alguns elementos fundadores do rancho terem
emigrado, Feliciano Rabaça foi forçado a reforçar-se com elementos do Rancho
Infantil e com outros jovens da Vila Notável: José Tivo, Fernando Emilio,
Victor Guita, Primitivo Salgueiro “Boga”, Manuela Salgueiro, Chica Coveira,
Natividade Rito “Vidá”, Adelaide Teixeira do Ó e a Gena, fazem parte do extenso
rol de montemorenses que passaram pelos “Fazendeiros” na primeira fase.
Durante dois anos os “Fazendeiros”
representaram o Alentejo em festivais de folclore, efectuados no Pavilhão dos
Desportos em Lisboa.
Em 1965 o rancho deslocou-se
novamente à capital a fim de disputar a eliminatória referente ao IV Festival
de Folclore Nacional. O público, que enchia por completo o Pavilhão dos
Desportos, pôde ver e aplaudir os vinte e três agrupamentos etnográficos que
representavam as províncias da Estremadura, Ribatejo, Alto Alentejo, Baixo
Alentejo e Algarve.
Feita a chamada, eles lá foram com
um sorriso de confiança, e empunhando o
estandarte que levava gravado o nome da nossa Terra. Dançaram em primeiro lugar
a “polca das mudanças”, seguindo-se-lhe “os três tempos”, “rodado dos quatro” e
por último cantaram a “desgarrada alentejana”. Terminada a exibição, o público,
de pé, ovacionou durante largo tempo o embaixador de Montemor-o-Novo e do
Folclore do Alto Alentejo. Na classificação referente à nossa província, os “Fazendeiros” obtiveram o primeiro lugar.
Feliciano Rabaça foi levado aos
ombros
A actuação ocorrida em 16 de Agosto de 1965 em
São Salvador da Aramenha (Marvão), foi de tal forma brilhante e do agrado do
público, que este ao ouvir o último número da sua exibição - “olha ó chico, ó
chico”, ocorreu direito ao estrado onde o rancho se exibia, e levaram aos
ombros o ensaiador dos “Fazendeiros” pelas ruas da freguesia, indo a população
em marcha juntamente com o rancho, cantando “olha ó chico, ó chico”
Medalha de Honra
para os Fazendeiros
Mas, o auge das glórias foi
conquistado na Feira Popular do Porto, no Palácio de Cristal, onde preencheu
exclusivamente o “Dia de Évora”. Delirantemente aclamado por vinte cinco mil
pessoas (algumas das quais invadiram o palco para os abraçar), recebeu do
Governador Civil portuense a Medalha de Honra da Feira Popular do Porto e um
brilhante Diploma. O sucesso foi tal, que todos – autoridades e multidão
popular – pediram insistentemente nova apresentação no dia seguinte, o que veio
a acontecer.
O Rancho Folclórico “Fazendeiros
de Montemor-o-Novo” editou 5 discos de vinil (3 na Editora Valentim de Carvalho
e 2 na já extinta Editora Alvorada do Porto).
Segundo me foi relatado, por
impossibilidade de renovação dos fatos e calçado, em data que desconheço, o
Rancho Folclórico “Fazendeiros de Montemor” suspendeu a sua actividade.
Uma pergunta deixo no ar: no tempo
em que os subsídios eram uma miragem, como foi possível alcançarem sem qualquer
apoio, este brilhante palmarés?
Em Março de 1991 Feliciano Rabaça
do Carmo deixou-nos. A edilidade montemorense não esqueceu o notável trabalho
por ele realizado em prol da nossa Terra, e deliberou homenagear este vulto da
cultura montemorense, atribuindo o seu nome a uma rua da cidade.
A segunda fase
Em 1993 Lino Malhão movido pelo seu amor ao
folclore, com determinação e vontade em não deixar morrer as tradições e
manifestações populares montemorenses, lança o desafio à juventude da terra, e
em conjunto, deram corpo ao ressurgimento dos “Fazendeiros de Montemor” com o
apoio do Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo que cedeu uma dependência do
Convento de São Domingos.
Com o objectivo de relatar o
renascimento dos “Fazendeiros”, enviei em 22 de Setembro último um e-mail aos
responsáveis do rancho, solicitando-lhes que me esclarecessem algumas dúvidas.
Mas, incompreensivelmente, continuo à espera da resposta.
Agradeço à Dona Adelaide Rabaça o empréstimo de jornais, tanto de
âmbito nacional, regional e local, que relatam actuações dos “Fazendeiros”, que
o seu marido carinhosamente arquivou, e que serviram de base à elaboração deste
artigo.
Augusto Mesquita
Novembro/2018
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