EDUARDO LUCIANO
UMA ESTRADA E UMA MINISTRA
Em Borba uma estrada ruiu. Não se tratou de um acidente, de uma
vingança da natureza ou de um castigo de uma qualquer divindade irada.
Em
Borba a estrada ruiu porque a ganância gosta da prática da roleta russa com a
arma apontada à cabeça alheia. Gosta de jogos de casino onde a casa ganha
sempre dando a ilusão aos jogadores que podem ser felizes.
Durante
dias as notícias centraram-se na discussão sobre a atribuição das
responsabilidades nas mortes dos que percorriam aquele fio de alcatrão que
parecia suspenso das nuvens, com a conclusão quase inevitável de que a culpa
era exclusivamente do Estado.
Abriram-se
programas com a frase “o Estado voltou a falhar” discorrendo os participantes
sobre os diversos níveis de responsabilidade, do governo à autarquia, das entidades
com responsabilidades inspectivas às forças policiais. Podendo estar a ser
injusto, não vi nem ouvi nenhuma intervenção que abrisse afirmando o óbvio: a
estrada ruiu porque alguém escavou até à sua inevitável queda.
Seria
tão interessante que a nota de abertura de um dos inúmeros debates sobre a
matéria fosse: ganância de donos de pedreiras provoca a derrocada de uma
estrada e a morte de duas pessoas. Seria, mas não aconteceu porque a lógica da
sociedade em que vivemos é outra. É aquela que diz que para obter rendimento
devemos ir até onde nos deixarem e se nos deixarem ir até à morte de pessoas a
culpa não é nossa mas de quem não nos impediu.
Não
estou a desculpabilizar os que falharam na missão dos que deviam inspeccionar,
vigiar, impor restrições até porque esses são normalmente os que defendem que o
Estado, que ocupam, deve reduzir-se ao mínimo e não se meter nessas coisas de
controlar a cantada livre iniciativa e o espírito empreendedor. Estou apenas a
estranhar que nessa distribuição de culpas a actividade do criminoso seja
desculpada porque o polícia estava a dormir.
A
ministra da Cultura afirmou que felizmente não lia jornais portugueses há
quatro dias, porque estava fora do país, e foi trucidada por tudo o que mexe.
Descontando os que perceberam que se tratava do exercício da ironia e apesar
disso atribuíram um significado diferente às palavras, os outros vieram pedir a
cabeça da senhora ora dizendo que era um ataque ao profissionalismo dos
jornalistas portugueses, ora afirmando que uma ministra não pode dizer coisas
daquelas ainda que as pense.
Estranho
mundo em que os que passam a vida a dizer que os políticos são uns manhosos e
nunca dizem o que pensam mas aquilo os eleitores querem ouvir, quando alguém no
exercício de um cargo político diz o que pensa façam chover pedras porque quem
está a exercer tal cargo não se pode dar ao luxo de dizer… o que pensa.
Concordem
ou discordem da mulher mas não a julguem pelo facto de dizer o que pensa.
Até
para a semana
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