CLÁUDIA SOUSA
PEREIRA
CORRESPONDER
Será que a expressão “politicamente correcto” é assim tão
polissémica, ou polivalente, num mesmo contexto espácio-temporal? Será que um
mesmo grupo de cidadãos, ainda que com ideologias diferentes mas com funções e
responsabilidades semelhantes pode utilizar, sem ser para iludir, a expressão
“politicamente correcto”, num jogo de regras flutuantes em que parece que o
“politicamente incorrecto” é o novo “politicamente correcto”? Ou, concretizando
até ao limite do que quase me parece anedótico e, portanto, merece retrato
caricatural, e para esclarecer o recente exemplo que também me trouxe a esta
crónica de hoje: será que quem vive preocupado com animais e com pessoas (que
até são de quem dependem os primeiros que são domésticos) pode considerar que
assim como existe um SNS deve haver um SNV (V de veterinário), assumindo-se
implicitamente que já está tudo resolvido no primeiro para ser óbvio, ou até só
uma boa ideia, criar-se o segundo? Mas de uma forma geral: poderá um cidadão
comum minimamente atento levar a sério quem recusa o “politicamente correcto”
e, simultaneamente, assumir funções políticas, e portanto de gestão da “coisa
pública” e opções que afectam um colectivo, seja em que nível for?
O
que será que faz com que um advérbio (politicamente) mude de sentido – de
positivo para negativo – se o adjectivo (correcto) se mantém e parece estar no
lado do certo (vs errado) e dar origem a uma expressão que, na sua forma
composta, qualifica comportamentos pouco fiáveis? E será que a fórmula oposta –
“politicamente incorrecto” – pode dar uma pista de conduta eticamente
aceitável, ou tem que se disfarçar com o truque eufemístico e passar a “não
politicamente correcto” para aliviar a consciência? Ou estarão as palavras tão
gastas, como dizem os Poetas, que até quem vive maioritariamente de fazer
passar ideias e ensinamentos através, precisamente, das palavras cede talvez à
preguiça de ter de explicar “o que quer dizer com aquilo”, ou talvez ao receio de
não estar a falar senão para alguns e perder seguidores? E será que com isto
estaremos a assistir à assunção de que ter e defender uma ideologia já não
interessa nada a ninguém? Nem aos que trabalham a expor ideias próprias e a
sustentá-las argumentando?
Será
que “politicamente correcto” ainda carrega o peso histórico da sua origem, não
tão remota assim, em que estes termos foram usados por socialistas contra
comunistas, para se separarem dos dogmáticos que defendiam todas as posições
partidárias independentemente de sua substância moral? Se assim ainda é, não
será altura – quando até estamos, nós por cá, tão pioneiros politicamente – de
fazer escola na discussão e defesa de ideias morais igualitárias, no sentido de
caminharmos não para unanimismos atreitos a totalitarismos, mas para a razoável
igualdade de oportunidades que essa declaração de intenções com que, em
princípio, todos os Políticos se propõem em Democracia para serem isso mesmo:
decisores e gestores do que é de todos?
Se
a Democracia é o sistema político que não se rende a certezas, à “Verdade”, ou
não haveria eleições nem a possibilidade de alternância governativa, não seria
recomendável dar atenção ao que adjectivamos como “politicamente correcto” para
que pudessem os eleitores ser ajudados no acto eleitoral a optar
conscientemente? Assim como o advérbio que ajuda a modificar o verbo…? Ficam as
perguntas.
Até
para a semana.
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