“SOAM BRADOS E OLÉS DOS NABOS QUE
NÃO PAGAM NADA”
Quando a ministra Graça Fonseca disse no Parlamento que a redução
do IVA para a cultura não iria ser aplicada à tourada e justificou que a
tourada não era uma questão de gosto mas de civilização, acrescentou “todas as
políticas públicas têm na sua base valores civilizacionais. E as civilizações
evoluem”. Tinha toda a razão.
Não
podia, aliás, ter mais razão a ministra e foi precisamente por ter razão que as
suas afirmações geraram reacções violentas por parte de alguns defensores das
touradas e fazedores da opinião publicada.
Tivesse
ela sustentado a posição na quebra de recitas fiscais e não teria sido tão
atacada.
É que de facto estamos perante uma
questão de civilização e os defensores das touradas sabem que nos últimos 10
anos o número de espectáculos taurinos e de espectadores caiu para praticamente
metade e sabem que sem apoios de dinheiros públicos, quando tiverem que custear
as despesas do que chamam “festa brava”, a bravura dos empresários
tauromáquicos esmorece e os espectadores também.
É
que a sociedade tem evoluído na lei e na prática tem-se consagrado o respeito
pelo bem-estar animal e, por isso, hoje não achamos aceitável, por exemplo, ver
animais a morrer sufocados nos camiões de transporte de gado, animais a morrer
à fome ou alguém espancar um animal.
Lembro
que não há muitas décadas seria comum ver os garotos a judiar dos gatos
atirando pedras, prendendo latas aos rabos e até, alguns mais afoitos,
afugentando-os a chumbos de flaubert. Hoje ninguém ficaria impávido se o seu
filho ou neto fizesse semelhante coisa.
E é o facto de a sociedade ter
criado esta consciência de que os animais não são coisas, que são seres
sencientes e que têm que ser tratados com dignidade que tem levado a que por
toda a Europa e por cá também tenham sido adoptadas inúmeras regras de bem
estar animal, de proibição de maus tratos a animais e até de criminalização de
alguns comportamentos.
São estes os valores civilizacionais
que hoje prevalecem nas sociedades modernas e que, consequentemente, devem que
estar na base das políticas, portanto da política de incentivos fiscais – ainda
que expressos apenas na taxa de imposto aplicável à cultura e a espectáculos
que estejam incluídos nesse grupo.
Ora,
a tourada é o contrário de tudo isto. É um espectáculo, de grande violência
sobre os animais, em que os touros são confinados numa arena de onde não podem
sair, acossados, colocados em stress, para lhes serem espetados ferros que
abrem profundas feridas e causam sofrimento. Tudo para divertimento de uma
assistência e gaudio dos toureiros.
A
tourada é um divertimento bárbaro que faz apelo ao que de pior existe em cada
pessoa: o prazer pelo sofrimento de um ser vivo.
Estamos,
portanto, a falar de um espectáculo que colide com os valores éticos actuais
que estão reflectidos nas políticas públicas de bem estar animal e como tal não
deverá ser incentivado com redução de taxa de IVA ou com a atribuição de apoios
públicos.
Felizmente
o sentimento geral face à tourada tem mudado, como comprovam os recentes
resultados dos referendos feitos pelos estudantes das Universidades de Coimbra
e Évora à realização de garraiadas.
Em
ambos os casos os jovens rejeitaram esse espectáculo, mostrando – mesmo a quem
não quer ver – que o futuro não passa pela tourada.
O
que está sobre a mesa do orçamento não é sequer a proibição da tourada, é tão
só a não redução de IVA. No final, veremos se no Parlamento os deputados do
Partido Socialista e do Partido Comunista resistem às pressões dos lobbies
taurinos ou da velha ideia de que a tourada é cultura.
Até
para a semana!
MARIA HELENA FIGUEIREDO
Sem comentários:
Enviar um comentário