OLHAR AS
PEQUENAS COISAS
A propósito do resultado eleitoral no Brasil, acentuou-se a
discussão sobre as razões dos avanços dos fascismos em diversos pontos deste
atormentado mundo.
Não
deixa de ser irónico que a maioria das análises, comentários, elucubrações e
palpites não se foquem no essencial e se entretenham a encontrar possíveis
explicações no que é assessório, conjuntural e lugar-comum.
Preocupa-me
a divulgação e aceitação generalizada de opiniões que desvalorizam os perigos e
ameaças, comparando as formas de representação dos fascismos do século vinte
com as actuais, para concluir que se trata de fenómenos diferentes, fugindo à
observação e constatação de que a base ideológica e social é a mesma.
Lá
porque um qualquer Bolsonoro não faz a saudação romana ou um qualquer político
português mantém na naftalina a farda da Legião ou da Mocidade, não significa
que o caminho e as suas consequências sejam diferentes.
Quando
se acha normal que sejam divulgadas conversas telefónicas privadas e que o
crime seja relevado em nome da curiosidade sobre o seu conteúdo, estamos no
caminho que leva à aceitação da supressão da liberdade.
Quando
entra na discussão o facto de uma deputada ter sido fotografada a,
supostamente, pintar as unhas durante a discussão do Orçamento de Estado e é
apresentado como exemplo de desinteresse passando a imagem de que ali nada se
faz e não passa de um coio de malandros, está-se a promover aquilo que leva ao
cozinhar do caldo de onde nascem os fascismos.
Aquilo
que deveria ser uma mera curiosidade e alvo de algum humor, é colocado na
discussão, como central no funcionamento da democracia, enquanto que qualquer
intervenção feita pela deputada sobre os temas em discussão é varrida para um
qualquer canto que não merecerá comentário, excepto se a senhora disser algo de
desinteressante e sonante.
Dizem
os moralistas que se a conversa telefónica não tivesse acontecido não teria
sido gravada e divulgada e que se a senhora não tivesse passado o pincel na
unha, o jornalista da Reuters não teria registado o momento. Claro que não, mas
ao alinharmos neste pensamento estaremos a legitimar uma sociedade de
vigilantes e de vigiados e, pior ainda, de justiceiros e lá se vai o princípio
da legalidade a que todos deveremos estar sujeitos, substituído pelo princípio
do “certo e errado” à medida de cada um ou, pior, de cada onda que se levante.
É
possível travar este caminho? Tem que ser, mas sem tibiezas nem justificações.
Não cedendo a tentações de alinhar na moda de pegar numa qualquer notícia,
verdadeira ou falsa, e gritar “vergonha” ou “indignação” para chamar a atenção
do vizinho ou para garantir que não destoamos do resto do rebanho.
Como
alguém afirma, o fascismo até se pode discutir e analisar mas essencialmente
combate-se.
Até
para a semana
Eduardo Luciano
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