O ORÇAMENTO, OS NÚMEROS E AS OVELHAS
Julgo que já aqui fiz uma piada, ou tentei fazer, em que joguei
com a expressão “se no princípio era o Verbo agora… é a Verba”. Quer a palavra,
quer o dinheiro – os números, aquilo com que se compram os melões – podem
também ter vários sentidos e, por isso, vários significados e interpretações.
Vem esta conversa a propósito do orçamento para 2019, que está em final de
discussão entre os Partidos na Assembleia da República e o Governo.
Os
orçamentos, mesmo sendo instrumentos técnicos onde importa fazer muitas contas
e muitos exercícios entre o deve e o haver, são acima de tudo documentos
políticos. Recordo com alguma emoção, mesmo depois de todas as conversações,
depois de todas as assinaturas entre os Partidos que designamos da Esquerda e
que formaram a “Geringonça”, quais cerimónias de casamentos complicados como os
dos reis e das rainhas em que haveria muito património a defender mas também
muitas questiúnculas entre membros das respectivas famílias; lembro como foi
emocionante a aprovação do primeiro orçamento desta legislatura. Foi nesse
momento que percebemos que era possível Partidos normalmente habituados a viver
à conta do capital de queixa, comprometerem-se numa certa medida com a gestão
que, tentando dirimir o motivo da queixa, tantas vezes obriga a fazer oitos com
pernas de noves.
Os
orçamentos são, afinal, como as salsichas. Uma vez que os provamos e aprovamos,
mais vale nem saber de que são feitos. A suposta precisão dos números, que são
ainda assim a matéria prima de um orçamento, transforma-se em retórica e num
difícil exercício de conciliar a lógica com a dialética. Às vezes é mesmo muito
difícil perceber como se ajeitarão números, sempre curtos, sempre poucos,
sempre regateados, e afirmar que só se pode fazer com eles uma parte daquilo
que outros exigem, e o fazem tanto para além do resultado possível da soma das
partes exigidas. Parece não haver aritmética possível no exercício de um
orçamento.
Planear,
mesmo com todas as interrogações que um qualquer futuro em qualquer parte do
Universo signifique, implica encontrar alguma estabilidade que a matemática
tantas vezes parece querer dar aos sentimentos e vontades de geometria tão
variável. No final da história, bem vistas as coisas, tudo parece encaixar-se:
não numa certeza de números que se esgota, mas numa necessidade de quem aprova
um plano se poder entender. Puxa daqui, puxa dali, num documento que parece
estar orquestrado pelos números, está, aparentemente também e regressando à
Verba e ao Verbo, orquestrado pelas palavras que reflectem ideologias. Como se
nos mandassem a todos contar ovelhas para saber quantas são, esquecendo que
esse é um exercício que serve só para nos embalar.
Até
para a semana.
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