EDUARDO LUCIANO
AS MEMÓRIAS DE UM HOMEM DEMASIADO COMUM
Cavaco deu à luz uma espécie acerto de contas com todos os que
consigo se cruzaram no exercício das suas funções.
Pensávamos
que após o primeiro volume daquele exercício de mesquinhez e ausência de saber
estar, não seria possível ir mais além. Cavaco, do alto sua aura de
imprevisível, conseguiu surpreender ao descer no uso depreciativo da palavra em
relação a pessoas que, por obrigação, com ele privaram em reuniões de trabalho.
Não
está em causa o direito de escrever memórias ou de contar histórias que possam
ter como efeito demonstrações da existência de vida para além do pensamento
monocórdico ou da estrutura mental de quem nunca arriscará escrever sem ser em
papel pautado ou quadriculado, mas podemos reflectir como foi possível os
portugueses elegeram tal figura para presidente da república e ter exercido,
por via de maiorias parlamentares conseguidas em eleições legislativas, o cargo
de primeiro-ministro durante dez anos.
Claro
que há pouco para reflectir. Olhando para o que é bolsado nas redes sociais
assente em palavras-chave como “vergonha” ou “indignação”, para forma como se
faz política atacando as pessoas em detrimento de opções políticas, usando a
insinuação como arma e a substituição de factos por convicções, como munição
para atingir o bom nome, a dignidade e o direito à imagem de adversários e, por
vezes, até de correligionários, conseguimos perceber como pode um homem que
escreve o que Cavaco escreveu, ter exercido o poder durante 20 anos.
Cavaco
representa o lugar-comum, o falso rigor da normalidade securitária, o moralismo
transversal a todos os sectores da sociedade, a inveja, o complexo de
inferioridade escondido debaixo da capa da arrogância. É o retrato vivo da
descrição que José Gil faz na sua obra “Portugal, Hoje, O medo de existir”.
Tantas
vezes tratado como uma anedota, o ex-presidente da República deveria ser
utilizado como base de estudo para nos percebermos melhor, para entendermos
melhor porque é que o nosso “homem comum” se vê representado naquela figura.
Quarenta
e oito anos de ditadura deixam um rasto no comportamento social que não é
possível apagar com quarenta e quatro de liberdade e não nos podemos esquecer
que desses 44, vinte foram com Cavaco Silva no exercício do poder.
Se
o livrinho que agora viu a luz tem algum mérito é de nos por a pensar em
queixumes, ressentimento e invejas, tal como o capítulo do livro que atrás
citei e que tem exactamente estas mesmas palavras.
Até
para a semana

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