Um filme de Jonathan Clark (pseudónimo de Gustavo Menendéz)
Fanfarrão, vaidoso, egocêntrico, eram alguns dos epítetos com
que os colegas de armas mimoseavam o general Custer. George Armstrong Custer
era um dos mais jovens generais do exército dos Estados Unidos da América lá
pelos anos setenta do século dezanove. Tinha sido distinguido com as maiores
honrarias militares devido ao seu comportamento valente, mas muitas vezes
inconstante e arriscado, na recentemente terminada Guerra da Secessão, cruel
guerra civil que tinha oposto os americanos do norte aos americanos do sul, e
que teve como pretexto a questão esclavagista. Custer era também conhecido
pelos fardamentos extravagantes, que escolhia para se pavonear pelos salões da
nova burguesia emergente desse conflito interno, que chegou a pôr em causa a
unidade do país como sociedade única. Era também um partidário radical na
questão que opunha os índios ao governo dos Estado Unidos. Estes, os índios, eram
cada vez mais empurrados para o Oeste. Funcionava assim: Assinava-se um tratado
entre os chefes nativos e os representantes do governo americano, mas
entretanto os colonos brancos instalavam-se nos territórios destinados aos
índios e lá se tornava necessário empurrar estes mais para lá. Esta era a regra
geral e, assim, o exército americano andava numa enorme dobadoura, tratando
continuamente de reinstalar os índios em novos territórios, cada vez mais
distantes dos seus territórios tradicionais. E entretanto eram assinados novos
tratados, sempre mais restritivos para os desgraçados que se viam
constantemente empurrados de um lado para o outro. Desta vez tinha sido
assinado o tratado de Forte Laramie, e destinava aos índios as terras hoje
conhecidas por Dakota do Sul e Montana, mas rapidamente se espalhou a notícia,
nos estados do leste, de que esses territórios eram ricos em ouro e prata. E
então por essas paragens houve mais uma corrida aos metais preciosos provocando
novos conflitos entre os garimpeiros brancos e os recém-reinstalados índios.
Aquilo era assim: quando os conflitos não se davam entre pesquisadores de ouro
e os índios, davam-se autênticas guerras entre os fazendeiros, recentemente
instalados e os mesmos índios.
O encarregado de resolver a questão foi o general Custer que ali
se apresentou à frente do regimento de Cavalaria 7, tropa de elite, com fama de
invencível, e ainda por cima comandada por um homem que vinha distinguido com
as maiores honrarias e condecorações. Vinha acompanhado de uma corte de
jornalistas de jornais do leste que pretendiam dar nem primeira mão as notícias
da forma como os nativos americanos deviam ser tratados por estarem a
inviabilizar o progresso e futuro que já se adivinhava para aquela grande
nação. Estavam a adivinhar mais uma grande razia entre os violentos e cruéis
peles-vermelhas. Foi desta maneira que a opinião pública da América foi
trabalhada para a grande contenda que se previa. Esqueceram-se que entre os
índios também havia grandes líderes e chefes guerreiros. Assim, os chefes da
tribo dos Sioux, Sitting Bull e Crazy Horse, tentaram convencer os brancos a
respeitar os acordos mais recentes, já que os anteriores tinham sido
desrespeitados, mas perante a posição irredutível que lhes foi comunicada,
convocaram os chefes das tribos Cheyennes e decidiram unir esforços com o fim
de, dessa vez, resistirem à intenção dos governantes americanos. A união destas
duas tribos não era habitual, por vezes até se guerreavam entre si, mas perante
a ameaça latente, conseguiram um acordo contra a tropa americana que se
aproximava. Desta forma, a marcha do regimento do general Custer, há muito que
vinha sendo monitorizada pelos batedores índios que iam informando os seus
chefes do andamento e da posição exacta dos brancos. O local escolhido pelos
índios para o combate foi junto às margens de um rio que acabou por dar o nome
à lenda que a seguir se criou: Little Bighorn. Os soldados do regimento do
general Custer foram todos mortos, não escapou um único da Cavalaria 7 para
contar o que tinha acontecido. Os jornalistas que acompanhavam a tropa também
não sobreviveram. No entanto, isso não impediu que se criasse uma lenda sobre a
forma como a batalha tinha decorrido, e nessa lenda aparece o general, com os
compridos cabelos loiros ao vento, de pistolas em punho, vestido com a sua
fardinha de comandante, em pele de gamo cadilhado, dando ordens a torto e a
direito, sendo o último a morrer. Esta foi a lenda criada para constar no leste
e foi a que ficou para a história, tendo sido contada e recontada, cada vez
mais embelezada, para grande glória do exército dos Estados Unidos da América.
(Em aparte, não resistimos a chamar a atenção para a cena do
filme “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola, de 1979, em que o excelente
actor Robert Duval interpreta o papel do coronel Kilgore, o louco
comandante de um destacamento de cavalaria, em serviço no Vietname, adepto
maníaco de surf, e que utiliza helicópteros em vez de cavalos, atacando ao som
da “Cavalgada das Valquírias”, lançando napalm sobre populações indefesas. Pois
diz-se nos meios do cinema que Coppola se inspirou na bazófia e no ar e feitio
fanfarrão do general Custer para criar esse personagem.)
Titulo Original: “A
Batalha de Little Bighorne
Título Português: (o filme não passou no circuito comercial em
Portugal)
Idioma: Inglês
Ano de Produção: 1950
Realização: Jonathan Clark
Argumento: Jonathan Clark e Karl Davis
Elenco: Billy Sears, Tully di Grassy,
Erick Wan, Jack Henabery, Eugene Goodman, entre outros.
Não houve um único soldado que escapasse. Também morreram todos
os oficiais. Enfim, todos morreram nesta batalha com os índios. Os jornalistas,
idem idem aspas aspas. Fotografias não houve, embora, para isso os jornalistas
levassem o equipamento. Não houve, portanto, nenhuma testemunha do lado do
exército norte-americano que pudesse atestar a veracidade dos factos. Os únicos
sobreviventes do confronto eram índios. E quando os funcionários do governo, os
artistas pintores (muitos quadros se pintaram sobre a batalha – nenhum favorável
aos vencedores) e quando os historiadores, quiseram mistificar a forma como
decorreu a batalha, transformando-a num acto heroico e de longa resistência ao
ataque dos índios, alguns destes, que eram mais destemidos e informados, entre
os quais os chefes tribais Sitting Bull e Gerónimo, um grande guerreiro Apache,
deram a conhecer aos jornais locais da época, que aquilo que todos diziam ser
um grande acontecimento de resistência e heroicidade, face à crueldade dos
índios, afinal não passou de uma derrota caótica e vergonhosa que pouco mais
durou que meia hora.
Tudo porque quem chefiava a tropa norte-americano, dava mais
importância ao engomado do colarinho do que às tacticas militares. Em resumo,
um pavão que acabou por ficar glorificado como se tivesse ganho a batalha
quando, afinal, a perdeu. Ainda assim, o que acabou por ficar na história foi a
versão dos brancos.
Supomos que este filme de Jonathan Clark, é apenas mais uma
tentativa de repor a verdade dos factos. Decerto inutilmente.
Boa realização, boas interpretações. Este filme teve a exibição
proibida nos Estados Unidos da América durante cerca de vinte anos. Por motivos
óbvios, como facilmente se adivinha.
Rufino Casablanca – Monte do Meio – 12/12/1996
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