terça-feira, 17 de abril de 2018

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM TEM ASSINATURA DE Cláudia Sousa Vieira

                                                         CRÓNICA VINTAGE AO90
Corria o ano de 1990 quando cheguei a Évora e comecei a leccionar também Língua Portuguesa a futuros Professores Primários, como então ainda se dizia. Recordo de, com os alunos, discutirmos as primeiras notícias sobre essa possibilidade de haver um acordo para uniformizar a ortografia entre os PALOP. As discussões, confesso que um pouco dirigidas, acabavam sempre com o argumento de que as diferenças entre os usos do Português iam muito para além da ortografia, pelo que o acordo não serviria, provavelmente, nem alguns interesses económicos. Passados 28 anos, cada vez me convenço mais que o assunto, um problema (e por isso com resolução) de alguns nos quais me incluo, é substancialmente da responsabilidade da comunidade académica. O elefante está no meio da sala da Academia e vou, por causa do seu tamanho, tratá-lo hoje (não me lembro se já terei feito alguma crónica sobre o tema, nestes oito anos que levo delas) cortado em duas fatias que poderão sempre ser discutidas depois, dissecadas em meios, ou quartos, ou pedaços ainda mais pequenos por quem o quiser fazer, e o souber, melhor do que eu. Julgo até que daria um estudo muito interessante percorrer as várias posições públicas de académicos e políticos ao longo destes anos. Cumpre-me apenas dizer que não gosto nem sei usar o AO90. Tentei e não consigo fazê-lo naturalmente, o que me leva sempre o dobro do tempo cada vez que tenho de escrever um documento oficial.
Primeira fatia: Tenho para mim que este é um assunto que ficou durante anos nas mãos de quem quis, no meio dos estudos linguísticos, ganhar a eternidade. Os que queriam ser eternos porque fizeram um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os que queriam ser eternos por terem combatido esse movimento revolucionário. Para quem não é de áreas nem tangenciais ao assunto e fica sentado à espera que os académicos e cientistas da Linguagem cheguem à melhor solução para o que podia ser um problema (seria mesmo?) a resposta chegou, como imposição, ao fim de duas décadas de possibilidades de alteração de legislação que veio, naturalmente, uniformizar uma prática. Terá havido muita gente descontente ao longo destas duas décadas em que o AO90 “marinou” antes de ir para o forno “assar” um dos maiores elementos de um sistema cultural e que é a Língua usada por mais do que uma Nação. A pergunta que se me impõe é saber onde estariam os que, agora, se unem em petições e lutas constantes, depois de o “assado” estar pronto e apresentado como prato único aos que, como eu, têm dificuldade em engoli-lo. Esperaram pela legislação (quase) definitiva para tentar fazer de cada inculto nesta nova forma de escrever em Português um fora da lei? Lamento, mas não me parece uma prática ela própria moralmente legítima. Legítimo, intelectualmente, teria sido enfrentar em tudo quanto era fórum e júri de provas académicas os que, mais graduados, defendiam o AO90 sem medo do “chumbo” ou da não promoção na carreira. Isso sim era de resistente e lutador. Mas a imagem deixada à sociedade em geral é a de que se foi deixando passar o assunto, como se este tivesse sido feito pela calada.
E passamos à segunda fatia. As mais recentes intervenções do PCP, que votou contra a lei no início e nunca mais mexeu uma palha sobre o assunto de forma eficiente e talvez até eficaz, são oportunistas. Não sendo nenhuma novidade para mim, vem mais uma vez pôr a nu o simulacro da importância que sobre a Língua Portuguesa e as Políticas culturais dizem ter e defender. O habitual monopólio da Cultura de que se acham únicos detentores, legitimada por certos have been da praça público-política, actuais comentadores de bancada. Parece que o que disto resultou terá sido devolver-se o problema à Academia que, já agora, talvez devesse de facto ter a coragem para o discutir em termos de Política e não com interesses corporativos e pessoais. Não sei quanto tempo durará a discussão, mas prevejo-a longa e que o resultado chegue quando eu já cá não estiver e fique na “minha história” como a que confiou no mundo das Ciências da Linguagem e morreu a desconfiar dessa confiança. Oxalá me engane, quer na solução quer, já agora, no tempo de vida que me resta.
Até para a semana.



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