EDUARDO LUCIANO
A POESIA E A SUA AUSÊNCIA
Ontem
foi dia mundial da poesia. É tão estranho ter um dia para celebrar a poesia,
como é estranho ter um dia para celebrar a paternidade ou a maternidade.
Tal como a
paternidade ou a maternidade, a poesia é algo que deve fazer parte do nosso
dia-a-dia, como respirar, comer ou beber, por mais que insistam os pragmáticos
de serviço que afirmam que essa coisa de olhar o mundo para lá da realidade
directamente perceptível é actividade menor, diletante e sem utilidade.
Pés na terra é o
que nos dizem, endurecendo o olhar ou colocando um ar de quem paira acima de
inutilidades que só servem para inquietar e desorientar o ser humano que deve
estar concentrado em sobreviver o melhor que conseguir.
Percebe-se que num
mundo onde paira a desconfiança e onde cada ser humano olha o seu semelhante
como capaz das piores atrocidades, onde um abraço terá necessariamente como
objectivo sufocar o outro, onde todos os gestos e acções terão como fim uma
qualquer maldade concretizada ou a concretizar, que a poesia seja vista como
algo sem sentido e que só uma pequena minoria encontre nela espaço de
humanização da nossa vida diária.
Talvez, pensando
melhor, tudo que fazemos é poesia. Escrita, dita, desenhada ou apenas pensada
na solidão de um qualquer grupo. Se a entendermos assim percebemos melhor que
não precisamos de rimar, seja de que forma for, para sermos poetas.
Basta-nos querer
ir além da sobrevivência, querer ir além da produção diária de bílis para
chegar ao poeta que talvez exista em cada um. O tal poeta original de que
falava Ary:
“Original é o
poeta
que chega ao
despudor
de escrever todos
os dias
como se fizesse
amor.
Esse que despe a
poesia
como se fosse
mulher
e nela emprenha a
alegria
de ser um homem
qualquer.”
Estava a pensar no
poeta que há em cada um de nós quando me lembrei de uma conversa recente da
minha filha mais velha. Parece que alguém lhe terá dito que deveria pensar em
fazer voluntariado, porque era bom para o curriculum, como quem diz… quando
procurares emprego levas contigo a prova de que és capaz de trabalhar sem
retribuição.
Cruzei isto com a
possibilidade de todos termos um poeta dentro de nós e concluí que nem todos
podemos ser bons nesta coisa da poesia. Há quem apague o poeta em nome da
sobrevivência. Em nome da subserviência.
Mas a poesia
também é luta dura e implacável em nome de uma igualdade que é a forma de todos
podermos ser capazes de sonhar para além do curto horizonte que nos revelam.
Disse-o Nazim
Hikmet,
“E enquanto na
terra houver um único país ou um único homem escravo
E enquanto no céu
restar nem que seja uma única nuvem atómica
É preciso que os
nossos poemas dêem tudo por tudo, corpo e alma para a grande liberdade”
Já agora não se
esqueçam do Évora Jazz Fest, este fim-de-semana. É poesia improvisada e quantas
vezes sem palavras.
Até para a semana
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