terça-feira, 19 de dezembro de 2017

UM CONTO DE NATAL - Por Helder Salgado

Num longínquo e inatingível reino onde só a imaginação conseguia entrar, vivia um lenhador no sopé da serra de seu nome Sina.
Esta serra inseria-se numa cordilheira de serras cobertas de enormes abetos, que predominavam nos altos e nas frias encostas da cordilheira.
O seu cume, de Inverno, acumulava gelo em todas as montanhas, que na Primavera degelava e ia encher as depressões formadas pelas serras da cordilheira, formando regatos e ribeiros, que desaguavam em rios.
A casa do lenhador era toda ela construída de madeira não trabalhada, mas que para a sua exigência, era mais do que suficiente.
Por ali passavam apenas pastores nómadas, que pastoreavam o gado em transumância.  Um dia, há sempre um dia, que modifica a vida de uma pessoa, e, numa passagem de pastores, que pernoitaram junto da choupana do lenhador, este veio a conhecer uma donzela, que não se fez rogada, ao pedido do lenhador, e, depois de acordado o dote, ficou a viver com ele.
Rosto trigueiro e de olhos castanhos, penetrantes, cujo cabelo ruivo caia encaracolado nos seus ombros. Modesta mas airosamente vestida, não parecia uma rapariga nómada.
O lenhador, jovem bem musculado, de estatura média e de rosto moreno, logo se apercebeu da diferença de vida a dois.
Cedendo a todas as vontades da rapariga, modificou a casa para melhor.
Muito embora o dinheiro escasseasse, sobreviviam da pesca e da caça, e, dos frutos selvagens muito abundantes na região, não sofrendo acentuadas carências, necessitando, apenas, de merceara, roupa e calçado, que compravam na cantina da fabrica de transformação da madeira, a cinco quilómetros da choupana e onde existia a escola e uma Igreja.
Chegada a Primavera e o consequente degelo, o lenhador, vestido com fato de forte estamenha, sobe para as montanhas, para governo de vida, que sempre tivera. Levava provisões para quinze dias ou mais e, quando estas acabadas é que regressava a casa. O seu trabalho consistia em cortar abetos e coloca-los ou na corrente dos ribeiros ou no gelo ainda por derreter, cuja a água levava, na corrente, os toros até ao remanso do rio, onde eram recolhidos pelos empregados da fabrica. Os toros marcados com JS eram pertença do José da Sina, o lenhador.
Daquela união nascera um menino, que era o encanto dos pais.
O lenhador começou a preocupar-se com o filho, sobretudo quando chegasse a idade de ir para a escola, tão longe e de agreste caminho.
No primeiro dia de aulas e ao acompanharem o filho, logo notaram algo de estranho. O menino parecia conhecer o caminho. Nem carrapetos, nem silvas o estorvavam. Parecia até que se afastavam dele. As corujas e os mochos, assim como as aves de rapina, em silvos agudos pareciam tentar afastar os lobos ou os coiotes.
Chegados à escola, parecendo conhecer todos os seus colegas, cumprimento-os com um cativante e doce sorriso, ganhando a simpatia de todos, incluindo o professor. Os pais não mais o levaram à escola, senão no dia de Natal. Chegado esse dia pediu aos pais que o ajudassem a levar, para a escola, um cordão, por ele feito, de bagas de carvalho, alternando com as de carapeto e de eucalipto, depois de se cobrir com uma manta branca de estamenha. 
Os pais não estranharam o procedimento do filho, nem o interrogaram, habituados que estavam ao bom desempenho das tarefas em que o filho era interveniente.
Lá chegado pediu aos colegas que se dispusessem em circulo, e, pegassem no cordão. Recuou dois passos e com o Sol na retaguarda, assemelhava-se a uma aparição celestial, provocando uma expetante surpresa, nos presentes.
- Que a simplicidade deste cordão sele para todo o sempre a nossa união.
Acabado de proferir estas palavras, sem mais delongas ou demoras, afastou-se, deixando os colegas ainda mais surpresos e interrogativos.
Passados muitos anos e quando algum colega recordava este episódio, sempre comentava.
- Não se afastou andando, mas sim deslizando como Jesus Cristo deslizou no Monte Sinai. 
Hélder Salgado.
Almada, 19-12-2017.


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