Homenagem do Al Tejo a
Domingos Maria Peças – (por Egas Branco)
Egas
Branco recorda-nos velhas obras-primas da sétima arte, utilizando um novo
conceito: "debruça-se sobre a obra literária que deu origem ao filme",
comentando em primeiro lugar o livro e posteriormente o filme.
THE
MALTESE FALCON (O FALCÃO DE MALTA)
Dashiell
Hammett e John Huston: fizeram obras-primas !
Acabei
de reler e ver (em casa). São ambos muito bons, o livro (1930) e o filme
(1941), embora seja sempre muito difícil passar para o cinema tudo o que está
num grande romance e provavelmente a censura, em especial nos USA, a dos ditos
bons costumes, deve te-lo proibido...
Com
Humphrey Bogart e Mary Astor.
A
seguir vai ser outra obra-prima do romance, The Big Sleep (À Beira do Abismo),
de Raymond Chandler e adaptada por Howard Hawks. Primeiro leio e depois vejo.
Depois vou passar a outros géneros.
Literatura - À BEIRA DO ABISMO (THE BIG SLEEP) (1939),
de Raymond Chandler
Cinema - idem, de Howard Hawks, argumento de William
Faulkner (1946)
O LIVRO
"À Beira do Abismo" (The Big Sleep), uma
obra-prima do género policial, e não só, editada em 1939.
Um enorme escritor, Raymond Chandler, um dos meus
preferidos, qualquer que seja o género que tenha utilizado. O seu herói, Philip
Marlowe, é um detective privado, duro, romântico e com uma ética à prova de
bala.
A acção do romance decorre no seio da grande
burguesia, que nasceu e cresceu com o petróleo e que se afunda num mundo de
luxo, inutilidade, desvario e corrupção, com as suas ligações ao mundo do crime.
O discurso do chefe do Departamento de Pessoas
Desaparecidas de L.A., o capitão Gregory, um polícia sem ilusões, reflecte
também a amargura do escritor perante a realidade de um país, os EUA, que cerca
de 80 anos depois pouco mudou:
"-
Sou um polícia, um simples e banal polícia. Razoavelmente honesto; tanto quanto
se pode ser num mundo onde a honestidade passou de moda. Foi precisamente por
isso que lhe pedi que passasse por cá hoje. Como polícia que sou, gostaria de
ver a lei vencer. Gostaria de ver patifes como Eddie Mars estragarem as unhas
na pedreira de Folson ao lado dos pequenos marginais que cresceram em bairros
miseráveis, apanhados mal puseram o pé em falso pela primeira vez e a quem
nunca mais se deu uma oportunidade. Era isso que eu gostaria de ver. Tanto eu
como você já vivemos o suficiente para saber que isso nunca vai acontecer. Pelo
menos não nesta cidade, nem nenhuma outra com metade do tamanho de Los Angeles
em qualquer ponto deste grande e belo país. Pura e simplesmente não o governamos
assim." (pág 181)
Marlowe movimenta-se entre várias mulheres que surgem
ao longo do romance, às vezes atraído pela beleza de algumas ou pelo que pensa
ver nelas.
A obra termina com uma frase inesquecível:
"No
caminho para casa parei num bar e bebi dois copos de whisky. Não me ajudaram em
nada. Só me fizeram pensar na Cabeleira de Prata, e nunca mais a vi."
Anos mais tarde outro grande autor (1), seduzido pela frase, continuou a
história num outro belíssimo romance, revisitação perfeita do espírito de
Chandler.
(1)- Robert B.Parker, em "A Morte Veste de Seda"
O FILME
Com adaptação de outro gigante da literatura, William
Faulkner e realização de Howard Hawks, foi terminado em 1946.
Longe da densidade, complexidade e referências
politicas e sociais da obra-prima de Chandler, o filme é no entanto uma
referência do chamado género policial, pela magnífica realização de um mestre
como Hawks e as brilhantes interpretações de Humphrey Bogart e Laureen Bacall,
companheiros na vida real que só a morte prematura de Bogart separou.
Parece evidente, para quem conheça o romance, não
sentir no filme a implacável mão da censura daquela época nos EUA. As cenas e
até as personagens da obra literária mais ligadas a uma crítica política ou
sexual foram simplesmente cortadas ou eliminadas. Não esqueçamos que estávamos
no pós-guerra, num dos períodos de política mais fascizante nos USA, com o
período maccarthista em ascensão e a criação do FBI de Edgar Hoover, com a
paranóia das suas perseguições às organizações dos trabalhadores (sindicatos),
ao partido comunista e aos intelectuais de esquerda. Obviamente isto tinha um
fundo claramente político pois reflectia o crescente poder do grande capital,
que pretendia rapidamente dominar a luta dos trabalhadores.
O grande interesse do filme reside por isso
praticamente na linguagem e na magnífica fotografia a preto e branco e nas
grandes interpretações dos principais protagonistas, de quem aliás a maioria
dos secundários não destoa. O argumento adaptado, embora com a mão do
grande Faulkner, está muito longe da densidade do romance de Chandler.
Nota do Autor: Estes textos são uma mera justificação
de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema,
muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são
maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no
facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos
amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando
as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
Apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca
uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com
competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a
pena, mas também não tenho tempo...
Egas Branco
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