segunda-feira, 27 de novembro de 2017

VASCULHAR O PASSADO - Por Augusto Mesquita

                                                 Exposição do Mundo Português
 Depois do texto relacionado com a comemoração dos oito séculos da fundação da nacionalidade, na qual a Vila Notável participou, segue-se a Exposição do Mundo Português, que comemorou os três séculos da restauração da independência.
A opção pela construção em 1940 da Exposição do Mundo Português em Belém, pretendia privilegiar a relação simbólica de Portugal com o Rio Tejo, e mais especificamente com o local, de onde e desde o século XIV, partiam as embarcações para explorar mares e terras desconhecidas, obrigou a expropriações diversas.
 Belém era na altura, um arrabalde rural e fabril da capital. Um lugar de contrastes vários, com hortas e olivais encostados a bairros operários, com casas de cortumes e estamparias ao lado dos palácios reais. A Quinta da Praia, cujo nome recordava o tempo em que o rio chegava ao limite Sul da propriedade, e que representava uma das primeiras manifestações de apropriação de Belém pela nobreza – já que, tendo sido edificada na primeira metade do século XVI, foi uma das primeiras quintas para recreio naquela zona. A área a Nascente do Mosteiro dos Jerónimos correspondia ao núcleo urbano de Belém, à sua génese e ao seu centro, onde a história se havia materializado sob a forma de uma estrutura urbana e de um conjunto edificado multissecular.
A sua realização exigiu, para além da demolição de edifícios, a expropriação de terrenos, o desalojamento de moradores (que ganhou de imediato o epíteto de “Ciclone Centenário”), a alteração do curso da linha férrea, para no espaço de 11 meses, construir edifícios que, na sua maioria, eram de gesso, estuque, madeira e papel. A estética modernista adotada para a zona provocou críticas por parte de outros artistas que não seguiam a corrente proposta pelo Arquitecto Cottinelli Telmo. Entre os críticos, destacou-se o Coronel Arnaldo Ressano Garcia, caricaturista e Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes, que originou o seu afastamento dos grandes eventos culturais do Estado.
           A controversa exposição acabaria por funcionar como a glorificação do regime.
A Exposição do Mundo Português foi inaugurada em 23 de Junho de 1940, com pompa e circunstância pelo Chefe do Estado, Marechal Óscar Carmona, acompanhado pelo Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, pelo Ministro das Obras Públicas Duarte Pacheco, e pelo Cardeal Patriarca de Lisboa  D. Manuel Gonçalves Cerejeira, além de outras individualidades.
O certo é que, enquanto em Junho os portugueses assistiam pacíficos à inauguração da sua “cidade mítica”, nas chancelarias já se acendera o alarme – a guerra alastrava-se por toda a Europa.
Situado entre a margem direita do Rio Tejo e o Mosteiro dos Jerónimos, o evento ocupou uma área de 560 mil metros quadrados e implicou a renovação urbana da zona ocidental de Lisboa. 
O local era particularmente favorável ao efeito teatral desejado, criando-se desde logo uma Monumental Praça do Império (actual Jardim da Praça do Império), ladeada a nascente e poente por dois grandes pavilhões longitudinais perpendiculares ao mosteiro quinhentista: o Pavilhão de Honra e de Lisboa projectado por  Luís Cristino da Silva, que se pode ver na foto acima gravada e, do outro lado, o Pavilhão dos Portugueses no Mundo de Cotitinelli Telmo.
A entrada principal localizava-se na Praça Afonso de Albuquerque, junto ao Mosteiro dos Jerónimos; outras duas entradas, de ambos os lados da linha de caminho de ferro, faziam-se por portas agenciadas entre quatro construções quadrangulares tendo, nas faces principais, baixos relevos representando guerreiros medievais com grandes escudos.
Além dos pavilhões acima referidos, a exposição albergava as seguintes estruturas, que passo a indicar por ordem alfabética:
Aldeias Indígenas, Aldeias Metropolitanas (onde estavam representadas as onze províncias), Casa Colonial, Casa de S. Tomé, Casa de Santo António, Emissora Imperial, Esfera dos Descobrimentos, Espelho de Água, Fonte Luminosa, Jardim dos Poetas, Missões Católicas, Monumento ao Esforço Colonial, Museu de Arte Indígena, Padrão dos Descobrimentos, Parque de Diversões, Parque Infantil, Pavilhão da Caça e Turismo, Pavilhão da Colonização, Pavilhão da Doçaria e Panificação, Pavilhão da Formação e Conquista, Pavilhão da Fundação, Pavilhão da Guiné, Pavilhão da Independência, Pavilhão da Olaria, Pavilhão da Tecelagem, Pavilhão da Vida Popular, Pavilhão das Artes e Indústrias, Pavilhão das Ilhas, Pavilhão das Matérias Primas, Pavilhão das Telecomunicações, Pavilhão de Angola, Pavilhão de Arte Popular, Pavilhão de Moçambique, Pavilhão de Portugal, Pavilhão do Brasil, Pavilhão do Café, Pavilhão do Chá, Pavilhão do Mar e da Terra, Pavilhão dos Descobrimentos, Pavilhão dos Transportes, Porta da Fundação, Porta da Restauração, Praça do Império, Passarela Monumental sobre a linha férrea, Restaurante Colonial, Rua de Macau, Secção Colonial e Secção de Etnografia Metropolitana.


O Padrão dos Descobrimentos, desenhado por Cottinelli Telmo e com esculturas de Leopoldo de Almeida, exaltava  os Descobrimentos, representando o Infante D. Henrique na dianteira de uma caravela estilizada, apoiado por um grupo de pessoas notáveis da nossa história marítima (entre os quais Camões, Zurara, Pedro Nunes, Gil Eanes, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Diogo Cão, Pêro da Covilhã, Afonso de Albuquerque, etc.).
A ideia da Nau Portugal partiu de Leitão de Barros e mostrou ser uma assinalável reconstituição do passado. Embora apelidada de nau, esta embarcação era na realidade a réplica de um galeão da carreira da Índia. Foi construída nos estaleiros do Mestre Manuel Mónica na Gafanha da Nazaré, e saiu pela primeira vez com destino a Lisboa em Julho, tombando minutos após a partida; com grandes esforços foi devolvida à posição vertical, acabando por chegar a Lisboa apenas em Setembro.
Entre as obras de maior relevo destaca-se o Pavilhão da Honra e de Lisboa, que recebeu as melhores opiniões da crítica. Com 150 metros de comprimento por 19 de altura e uma imponente torre de 50 metros, este pavilhão traduziu o ideal arquitectónico historicista e revitalista que o Estado Novo tentava impor, tal como os outros regimes totalitários europeus então faziam. Do Pavilhão dos Portugueses no Mundo, com um risco mais simples, destacava-se a possante Estátua da Soberania, de Leopoldo de Almeida, imagem de uma severa mulher couraçada, segurando a esfera armilar e apoiada num litor legendado com as partes do Mundo, em caracteres góticos.
A exposição estava dividida pelas secções de História, Etnografia e Mundo Colonial.
A organização do evento colocou à disposição dos interessados um teleférico que ligava a zona junto à margem do Tejo ao alto do Jardim Tropical situado na Ajuda. A foto deste teleférico, cuja imagem tem direitos reservados, pode ser vista no baú do  “Diário de Notícias”.
Nesta grandiosa realização cosmopolita, realizada em menos de um ano, e que importou em 35 mil contos, trabalharam, 15 engenheiros, 13 arquitectos, 43 pintores, no rol dos quais se inclui Almada Negreiros, 1.000 estucadores, 5.000 operários e 129 serventes. Em onze meses, pela mão dos artistas e pela pena dos historiadores, construiu-se uma cidade histórica feita de estuque, madeira, gesso e papel. Foi o único festejo realizado, numa Europa então em guerra.
                                                             Três milhões de visitante
Em paralelo com a Exposição, fez-se um Congresso do Mundo Português, que contou com a participação de centenas de historiadores.
O horário de visita ao certame, era das 09,00 horas às 24,00 horas, com excepção do parque das diversões que se prolongava até às 02,30 horas.
 No dia 30 de Novembro, foi inaugurada a estátua de Pedro Álvares Cabral na Estrela, oferecida pelo governo brasileiro.
A exposição recebeu cerca de três milhões de visitantes, constituindo a mais importante iniciativa cultural do regime, e o preço do bilhete de acesso tinha o valor de 2$50.
Augusto de Castro chamou à Exposição do Mundo Português “Cidade de Ilusões”, onde ficou espalhada a imagem que o Estado Novo criou para Portugal heroico, humilde, trabalhador e crente.
Além do Restaurante Colonial que servia refeições típicas preparadas por cozinheiros macaenses e africanos, existam diversos restaurantes e bares, onde se podia apreciar a variada gastronomia metropolitana, e ainda, os chás e os cafés portugueses.
Um grande hotel existente na Quinta do Cadaval com capacidade para 550 pessoas era muito frequentado pelos visitantes do certame. O custo por uma noite, pequeno almoço, almoço e jantar, importava em 13$00.
O espaço dispunha de serviços médicos e tinha a presença de bombeiros e de polícias, que tinham postos em toda a zona da exposição. Existia também um balcão de informações e os pavilhões da Emissora Nacional  e dos CTT.
No dia 2 de Dezembro de 1940 as luzes de mil cores deixaram de incidir sobre os pavilhões, pois a maior parte das edificações tiveram vida curta, duraram o tempo da Exposição, ao estilo dos cenários de Hollyood. A quase totalidade das construções e monumentos erigidos para a exposição foram demolidos após o seu encerramento.
 Nos dias de hoje, sobrevivem o edifício do Museu de Arte Popular (ex-Pavilhão da Vida Popular), a Praça do Império com fonte e estatuária, e, de certa maneira, o Padrão dos Descobrimentos que viria a ser reconstruido em betão no ano de 1960 no contexto das comemorações dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique.
Por mera curiosidade, refiro que o Centro Cultural de Belém está erigido no local onde existiu o Pavilhão dos Portugueses no Mundo.
A mostra foi a réplica nacional às exposições internacionais de Paris, de 1937, e de Nova Iorque, de 1939, nas quais Portugal participara.
Para a época, foi uma grandiosa obra só comparável, com as devidas proporções, com a Exposição Universal de Lisboa “Expo' 98”.
Convido o prezado leitor a visitar o “site” da Exposição do Mundo Português, e apreciar as  fotos postas à disposição dos interessados. Prometo que não se vai arrepender.

Novembro/2017
 Augusto Mesquita




















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