Exposição do Mundo Português
A
opção pela construção em 1940 da Exposição do Mundo Português em Belém,
pretendia privilegiar a relação simbólica de Portugal com o Rio Tejo, e mais
especificamente com o local, de onde e desde o século XIV, partiam as
embarcações para explorar mares e terras desconhecidas, obrigou a expropriações
diversas.
Belém
era na altura, um arrabalde rural e fabril da capital. Um lugar de contrastes
vários, com hortas e olivais encostados a bairros operários, com casas de
cortumes e estamparias ao lado dos palácios reais. A Quinta da Praia, cujo nome
recordava o tempo em que o rio chegava ao limite Sul da propriedade, e que
representava uma das primeiras manifestações de apropriação de Belém pela
nobreza – já que, tendo sido edificada na primeira metade do século XVI, foi
uma das primeiras quintas para recreio naquela zona. A área a Nascente do
Mosteiro dos Jerónimos correspondia ao núcleo urbano de Belém, à sua génese e
ao seu centro, onde a história se havia materializado sob a forma de uma estrutura
urbana e de um conjunto edificado multissecular.
A
sua realização exigiu, para além da demolição de edifícios, a expropriação de
terrenos, o desalojamento de moradores (que ganhou de imediato o epíteto de
“Ciclone Centenário”), a alteração do curso da linha férrea, para no espaço de
11 meses, construir edifícios que, na sua maioria, eram de gesso, estuque,
madeira e papel. A estética modernista adotada para a zona provocou críticas
por parte de outros artistas que não seguiam a corrente proposta pelo Arquitecto
Cottinelli Telmo. Entre os críticos, destacou-se o Coronel Arnaldo Ressano
Garcia, caricaturista e Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes, que
originou o seu afastamento dos grandes eventos culturais do Estado.
A controversa
exposição acabaria por funcionar como a glorificação do regime.
A
Exposição do Mundo Português foi inaugurada em 23 de Junho de 1940, com pompa e
circunstância pelo Chefe do Estado, Marechal Óscar Carmona, acompanhado pelo
Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, pelo Ministro das Obras
Públicas Duarte Pacheco, e pelo Cardeal Patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira, além de outras
individualidades.
O
certo é que, enquanto em Junho os portugueses assistiam pacíficos à inauguração
da sua “cidade mítica”, nas chancelarias já se acendera o alarme – a guerra
alastrava-se por toda a Europa.
Situado
entre a margem direita do Rio Tejo e o Mosteiro dos Jerónimos, o evento ocupou
uma área de 560 mil metros quadrados e implicou a renovação urbana da zona
ocidental de Lisboa.
O local era particularmente favorável ao efeito teatral
desejado, criando-se desde logo uma Monumental Praça do Império (actual Jardim
da Praça do Império), ladeada a nascente e poente por dois grandes pavilhões
longitudinais perpendiculares ao mosteiro quinhentista: o Pavilhão de Honra e
de Lisboa projectado por Luís Cristino
da Silva, que se pode ver na foto acima gravada e, do outro lado, o Pavilhão
dos Portugueses no Mundo de Cotitinelli Telmo.
A
entrada principal localizava-se na Praça Afonso de Albuquerque, junto ao
Mosteiro dos Jerónimos; outras duas entradas, de ambos os lados da linha de
caminho de ferro, faziam-se por portas agenciadas entre quatro construções
quadrangulares tendo, nas faces principais, baixos relevos representando
guerreiros medievais com grandes escudos.
Além
dos pavilhões acima referidos, a exposição albergava as seguintes estruturas,
que passo a indicar por ordem alfabética:
Aldeias
Indígenas, Aldeias Metropolitanas (onde estavam representadas as onze
províncias), Casa Colonial, Casa de S. Tomé, Casa de Santo António, Emissora
Imperial, Esfera dos Descobrimentos, Espelho de Água, Fonte Luminosa, Jardim
dos Poetas, Missões Católicas, Monumento ao Esforço Colonial, Museu de Arte
Indígena, Padrão dos Descobrimentos, Parque de Diversões, Parque Infantil,
Pavilhão da Caça e Turismo, Pavilhão da Colonização, Pavilhão da Doçaria e
Panificação, Pavilhão da Formação e Conquista, Pavilhão da Fundação, Pavilhão
da Guiné, Pavilhão da Independência, Pavilhão da Olaria, Pavilhão da Tecelagem,
Pavilhão da Vida Popular, Pavilhão das Artes e Indústrias, Pavilhão das Ilhas,
Pavilhão das Matérias Primas, Pavilhão das Telecomunicações, Pavilhão de
Angola, Pavilhão de Arte Popular, Pavilhão de Moçambique, Pavilhão de Portugal,
Pavilhão do Brasil, Pavilhão do Café, Pavilhão do Chá, Pavilhão do Mar e da
Terra, Pavilhão dos Descobrimentos, Pavilhão dos Transportes, Porta da
Fundação, Porta da Restauração, Praça do Império, Passarela Monumental sobre a
linha férrea, Restaurante Colonial, Rua de Macau, Secção Colonial e Secção de
Etnografia Metropolitana.
O
Padrão dos Descobrimentos, desenhado por Cottinelli Telmo e com esculturas de
Leopoldo de Almeida, exaltava os
Descobrimentos, representando o Infante D. Henrique na dianteira de uma
caravela estilizada, apoiado por um grupo de pessoas notáveis da nossa história
marítima (entre os quais Camões, Zurara, Pedro Nunes, Gil Eanes, Vasco da Gama,
Pedro Álvares Cabral, Diogo Cão, Pêro da Covilhã, Afonso de Albuquerque, etc.).
A
ideia da Nau Portugal partiu de Leitão de Barros e mostrou ser uma assinalável
reconstituição do passado. Embora apelidada de nau, esta embarcação era na
realidade a réplica de um galeão da carreira da Índia. Foi construída nos
estaleiros do Mestre Manuel Mónica na Gafanha da Nazaré, e saiu pela primeira
vez com destino a Lisboa em Julho, tombando minutos após a partida; com grandes
esforços foi devolvida à posição vertical, acabando por chegar a Lisboa apenas
em Setembro.
Entre
as obras de maior relevo destaca-se o Pavilhão da Honra e de Lisboa, que
recebeu as melhores opiniões da crítica. Com 150 metros de comprimento por 19
de altura e uma imponente torre de 50 metros, este pavilhão traduziu o ideal
arquitectónico historicista e revitalista que o Estado Novo tentava impor, tal
como os outros regimes totalitários europeus então faziam. Do Pavilhão dos
Portugueses no Mundo, com um risco mais simples, destacava-se a possante
Estátua da Soberania, de Leopoldo de Almeida, imagem de uma severa mulher
couraçada, segurando a esfera armilar e apoiada num litor legendado com as
partes do Mundo, em caracteres góticos.
A
exposição estava dividida pelas secções de História, Etnografia e Mundo
Colonial.
A
organização do evento colocou à disposição dos interessados um teleférico que
ligava a zona junto à margem do Tejo ao alto do Jardim Tropical situado na
Ajuda. A foto deste teleférico, cuja imagem tem direitos reservados, pode ser
vista no baú do “Diário de Notícias”.
Nesta grandiosa realização
cosmopolita, realizada em menos de um ano, e que importou em 35 mil contos,
trabalharam, 15 engenheiros, 13 arquitectos, 43 pintores, no rol dos quais se
inclui Almada Negreiros, 1.000 estucadores, 5.000 operários e 129 serventes. Em
onze meses, pela mão dos artistas e pela pena dos historiadores, construiu-se
uma cidade histórica feita de estuque, madeira, gesso e papel. Foi o único
festejo realizado, numa Europa então em guerra.
Em paralelo
com a Exposição, fez-se um Congresso do Mundo Português, que contou com a
participação de centenas de historiadores.
O horário de visita ao certame, era das 09,00
horas às 24,00 horas, com excepção do parque das diversões que se prolongava
até às 02,30 horas.
No dia 30
de Novembro, foi inaugurada a estátua de Pedro Álvares Cabral na Estrela,
oferecida pelo governo brasileiro.
A exposição recebeu cerca de
três milhões de visitantes, constituindo a mais importante iniciativa cultural
do regime, e o preço do bilhete de acesso tinha o valor de 2$50.
Augusto
de Castro chamou à Exposição do Mundo Português “Cidade de Ilusões”, onde ficou
espalhada a imagem que o Estado Novo criou para Portugal heroico, humilde,
trabalhador e crente.
Além
do Restaurante Colonial que servia refeições típicas preparadas por cozinheiros
macaenses e africanos, existam diversos restaurantes e bares, onde se podia
apreciar a variada gastronomia metropolitana, e ainda, os chás e os cafés
portugueses.
Um
grande hotel existente na Quinta do Cadaval com capacidade para 550 pessoas era
muito frequentado pelos visitantes do certame. O custo por uma noite, pequeno
almoço, almoço e jantar, importava em 13$00.
O
espaço dispunha de serviços médicos e tinha a presença de bombeiros e de
polícias, que tinham postos em toda a zona da exposição. Existia também um
balcão de informações e os pavilhões da Emissora Nacional e dos CTT.
No
dia 2 de Dezembro de 1940 as luzes de mil cores deixaram de incidir sobre os
pavilhões, pois a maior parte das edificações tiveram vida curta, duraram o
tempo da Exposição, ao estilo dos cenários de Hollyood. A quase totalidade das
construções e monumentos erigidos para a exposição foram demolidos após o seu
encerramento.
Nos
dias de hoje, sobrevivem o edifício do Museu de Arte Popular (ex-Pavilhão da
Vida Popular), a Praça do Império com fonte e estatuária, e, de certa maneira,
o Padrão dos Descobrimentos que viria a ser reconstruido em betão no ano de
1960 no contexto das comemorações dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique.
Por
mera curiosidade, refiro que o Centro Cultural de Belém está erigido no local
onde existiu o Pavilhão dos Portugueses no Mundo.
A
mostra foi a réplica nacional às exposições internacionais de Paris, de 1937, e
de Nova Iorque, de 1939, nas quais Portugal participara.
Para
a época, foi uma grandiosa obra só comparável, com as devidas proporções, com a
Exposição Universal de Lisboa “Expo' 98”.
Convido
o prezado leitor a visitar o “site” da Exposição do Mundo Português, e apreciar
as fotos postas à disposição dos
interessados. Prometo que não se vai arrepender.
Novembro/2017
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