CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
SEXO E CIDADE E IDADE
Ora então vamos lá falar de
sexo e do politicamente correcto ou não. Tudo a propósito da onda de denúncias,
mais ou menos retroactivas, sobre o assédio sexual no mundo do cinema, mais
especificamente naquele mundo cujo epicentro é Hollywood. Visitar o lugar em
plena luz do dia é já perceber metade da história do que marca o compasso do
“luzes, câmara, acção!”, já que o “glamour” que se vende na tela e no ecrã se
esconde, naquela avenida central de Hollywood, numas estrelas douradas no chão
ritmadamente incrustadas num cenário bastante decadente e onde o sexo é o
motivo mais recorrente.
Falo do sexo desempoeirado do
século XXI, o que não esconde as orientações nem finge que, no domínio do
íntimo, a fantasia e a imaginação podem não ter limites. O que é do privado
pode ou não ficar no privado e torná-lo público, não sendo obrigatório,
acarreta riscos reveladores de desconfortos vários, para usar apenas um
eufemismo, e gerar reacções legítimas em quem se sinta ofendido. A idade da
Humanidade trouxe-nos a esta realidade em que, no lugar frequentado por todos
convivem e até vivem uma da outra, a assunção em expor os seus instintos e
gostos sexuais com a pregação da moral que se dedica à preservação de bons
costumes, mais ou menos anacrónicos.
O que também começou a mudar
foi perceberem os que pactuavam, mais ou menos contrariados, com a falocracia,
num sentido muito mais próximo do étimo dessa palavra que se alarga para
designar sociedades machistas, que os limites da normalidade são questionáveis.
De repente, parece que todos acordaram poetas revolucionários e olharam o mundo
onde se moviam rotineiramente com um olhar inaugural. Nada contra, obviamente.
Todos temos o direito de precisar de um tempo em que apuramos que o que fazemos
contrariados não acontece porque também o permitimos. Descobrir isto mesmo pode
ser doloroso e até dificultar a denúncia. A sociedade progressista também nos
permite isto, uma espécie de arrependimento do pecado no leito da morte…
O progresso social
permitiu-nos, aliás, considerar correcto politicamente, porque afecta as regras
de funcionamento do que é a vida em sociedade, quer a assumir o que seriam
diferenças da vida íntima obrigadas a serem caladas no espaço público por
gerarem vítimas de intolerância, quer a denunciar o que querendo esconder-se no
lugar do íntimo o faz de forma não consentida. Ignorar esta realidade é até
impedir quem queira de facto aproveitar-se dessa, adaptada por mim, falocracia
de forma assumida e com as consequências várias que daí podem advir. O que
podemos tolerar como modo de viver a vida parará, em meu entender, nos limites
do politicamente correcto quando se atinge um grau mínimo de violência. Esta
pode ser física, psicológica ou social e é um acto absolutamente condenável e
em que numa sociedade onde a justiça funciona para além do animalesco “olho por
olho, dente por dente”, não pode passar incólume. Denuncie-se e proteja-se a
vítima. Que não se fique por uma auto-censura que nem todos têm estrutura, nem
o dever submisso, de usar.
E, a propósito, informo que
estou à espera do desfecho do caso do estranho acórdão que envolve dois homens
e uma mulher numa agressão com pau e pregos, à espera do funcionamento das
instituições, para fechar a minha opinião que, até agora, permanece na
indignação semi-privada, mas também na confiança dos que na sociedade civil
tomaram logo, e bem, entre mãos o assunto.
Até para a semana.
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