Uma vez por mês
o Prof. Vitor Guita traz-nos à memória, recordações do passado.
No princípio de Julho, antes
de irmos de férias, estivemos no Santuário de Nossa Senhora da Visitação. A
Tuna da Universidade Senior tinha sido convidada para ajudar a animar a Festa,
que ali se realiza anualmente. Marcamos presença com s nossas vozes, os
cavaquinhos, o tambor, a pandeireta, o adufe, os ferrinhos e o acordeão.
Enquanto aguardávamos o
momento de actuar, fomos percorrendo com o nosso olhar aquele belíssimo lugar e
apercebemo-nos, quase sem dar por isso, de que estávamos a fazer uma viagem no
tempo e no espaço, na História, na memória…Uma viagem na moldura que nos moldou
e que, em vários aspectos, nos continua a moldar.
Convidamo-lo, estimado leitor
a fazer connosco uma “visita guiada”, que não pretende ser exaustiva e, muito
menos enfadonha. Será um percurso ligeiro, entrecortado com breves referências
históricas e artísticas alguma lendas e simples curiosidades.
Em Portugal, a Festa de Nossa
Senhora da Visitação, em 2 de Julho, foi ordenada por D. Manuel I, a partir de
1516. DE acordo com relatos de cronistas da época, em Montemor-o-Novo foram
tomadas decisões fundamentais pra a realização da viagem que iria descobrir o
caminho marítimo para a India. Os bons resultados da epopeia levaram à
construção de alguns notáveis monumentos, como foi o caso do Mosteiro dos
Jerónimos e da Torre de Belém.
Embora não se saiba a data
exacta, defendem vários autores que a construção, em Montemor, do Santuário de
Nossa Senhora da Visitação terá ocorrido pouco tempo depois, dentro do espírito
patriótico e de gratidão pela bem-sucedida viagem.
Antes de entrarmos na igreja,
detivemo-nos a comtemplar a decoração da portada trabalhada em granito, com
traços do estilo manuelino. Já no interior da nave, a abóbada enfeitada com
nervuras e florões reforça a idéia de que a construção do edifício terá
acontecido, muito provavelmente, no primeiro quartel do século XVI. Depois os
nossos olhos deslizaram pelas paredes laterais e maravilharam-se com os
belíssimos painéis de azulejo alusivos à Vida Mariana, que foram substituindo a
partir do início do século XVIII, as pinturas a fresco ali existentes.
E o presépio? O encantatório
presépio que existia logo à entrada próximo da arca de madeira onde se
recolhiam as ofertas de trigo? O magnífico trabalho, estilo Machado de Castro,
encontra-se agora numa das salas anexas à Igreja e foi obra do Montemorense
Joaquim José Faísca, nos finais do século XIX. Além das figuras obrigatórias,
existem centenas de figuras populares, que vão dos músicos foliões ás lavadeiras,
das mulheres das galinhas e dos ovos à matança do porco…um nunca mais acabar de
imaginação, de teatralidade!
O presépio dos nossos
encantos faz actualmente companhia a uma preciosa colecção de ex-votos
(promessas) que testemunham ao longo dos tempos, a devoção popular por Nossa
Senhora da Visitação. São molhares de fotografias, quadros e outros objectos, a
merecerem, muitos deles, um estudo de natureza artística, sociológica ou
linguística. Por ali ficamos a perceber diferentes maneiras de escrever e de
pensar, algumas das maleitas que atormentavam as pessoas, como as bexigas, o
catarral e outras doenças consideradas perigosas. Por ali. É possível entender
quais os períodos de maior ou menor devoção e demarcar diferentes épocas da
nossa História, como foi o período da Guerra Colonial. As enormes carcaças de
uma jiboia e de um crocodilo remetem-nos também para terras distantes, para
tempos mais recuados.
Há dias o nosso amigo
Gambóias, esteve com orgulho e visível satisfação, a mostrar-nos o trabalho de
carpintaria que idealizou e executou para expor o maior número possível de
ex-votos. São aos milhares. Alguns, por falta de espaço, estão ainda guardados
dentro das arcas.
Manuel Filipe Gambóias Crespo
tem sido, nos últimos cinquenta anos, o homem que se tem encarregado, com a
ajuda de familiares, da vigilância, limpeza e conservação do Santuário.
Jardineiro de profissão, assumiu aquela responsabilidade depois da morte do
antigo encarregado e sacristão. Nos últimos anos de vida do Sr. Padre Alberto,
ajudou a paramentar o sacerdote e a auxiliar no culto religioso.
“Mudam-se os tempos, mudam-se
as vontades” – dizia o poeta. Porém Manuel Gambóias assegurou-nos que continua
a deslocar-se ao Santuário grande quantidade de gente de todas as condições
sociais, que vem ali agradecer ou implorar a protecção da Mãe de Deus. Há mesmo
quem ainda se sacrifique a subir de joelhos a calçada irregular e a extensa
escadaria.
Mas, voltemos ao interior da
Igreja. Na transição da nave para o altar-mor, existe dois altares laterais, em
talha dourada e marmoreada, da época de D. José. Lá ao fundo, as atenções
centram-se na imagem de Nossa Senhora da Visitação, coberta de branco e
dourado.
Esta imagem, em roca, é de finais do século XVII e, segundo diz Túlio
Espanca no seu Inventário Artístico, veio substituir uma primeira imagem feita
de madeira estufada.
Saímos da Igreja, contornando
o edifício. Passamos junto às casas que, ao longo dos tempos, serviram de
habitação ou de poio aos peregrinos. Nas traseiras, não ficamos indiferentes às
brancas torres cilíndricas, a fazerem lembrar a igreja de S. Brás, em Évora.
Foi-se aproximando entretanto,
o fim da tarde. Espectáculo imperdível é o pôr-do-sol, visto do adro murado da
Nossa Senhora da Visitação. Lá ao fundo, avista.se a longínqua Arrábida: Mais à
esquerda, aqui bem perto, ergue-se o imponente castelo. Visto cá de cima,
parece estar quase intacto. Ninguém diria que atrás dos seus muros, se esconde
um número tão grande de ruínas.
Entre o Santuário e o castelo,
estende-se a cidade branca, como que a preencher um extenso vale e a tentar
extravasar, aqui e ali. Os seus limites. Ainda no adro, o nosso olhar
inclinou-se na direcção da Fonte Santa, junto à entrada que vai para o Ciborro.
Diz a lenda que um grupo de operários, que se preparava para iniciar a
construção do Santuário no sopé da colina, deu por falta das ferramentas
durante a noite. Surpreendidos, encontraram-nas na manhã seguinte, no cimo do
outeiro. A cena repetiu-se durante vários dias, o que levou à decisão de
escolherem o alto do monte para a construção da ermida.
Tanta vista e tanta lenda não
nos fizeram esquecer a belíssima frontaria exterior da ermida. Os tons de azul
e branco são imagem de marca do monumento. No centro, destaca-se um grande e
valioso painel de azulejos de 1730, que representa a visitação de Nossa Senhora
a Santa Isabel. O toque dos sinos parece ter tido, noutros tempos, funções que caíram
em desuso. Disse-me um velho amigo que as horas de enregar e de largar nas herdades vizinhas era, para ele
e muitos outros, regulada plo toque dos sinos ao nascer e por-do-sol..
Guardamos para o fim o
edifício relativamente recente, ao lado da ermida, que já foi salão de festas,
reuniões, café e que é ultimamente restaurante. O edifício, dos anos sessenta,
foi construído com diversas ajudas, nomeadamente com receitas de vários espectáculos
realizados em 1966.
Alguns amigos fizeram-nos
chegar programas e fotografias do espectáculo de variedades que foi um sucesso
e que se intitulava Juventude em Alvorada Musical.
Tratava-se de um grupo de
jovens cantores, muitos deles pertencentes ao Grupo Coral do Calvário,
acompanhados pelo maestro António Pinto de Sá, pelo guitarrista Abílio Delca e
pelo baterista António Fernando.
O espectáculo constava de
temas cantados em coro, declamação de poesias e interpretações de grandes êxitos
da música ligeira da época. Interpretaram-se canções de Adamo, Gianni Morandi,
Rafael, Roberto Carlos, Chico Buarque, The Animals, Conjunto João Paulo e
muitos outros.
O Cine teatro Curvo Semedo
esteve à cunha, e realizaram-se outros espectáculos em Évora, Arraiolos, Vila Viçosa…
Bem! Agora é que está mesmo a
hora de correr o pano e dar por acabada a nossa visita.
Até breve
Vitor Guita
In Montemorense –
Setembro 2017
Transcrição autorizada
pelo Autor
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