quinta-feira, 28 de setembro de 2017

MEMÓRIAS CURTAS - Setembro 2017

Uma vez por mês o Prof. Vitor Guita traz-nos à memória,                                               recordações do passado.
No princípio de Julho, antes de irmos de férias, estivemos no Santuário de Nossa Senhora da Visitação. A Tuna da Universidade Senior tinha sido convidada para ajudar a animar a Festa, que ali se realiza anualmente. Marcamos presença com s nossas vozes, os cavaquinhos, o tambor, a pandeireta, o adufe, os ferrinhos e o acordeão.
Enquanto aguardávamos o momento de actuar, fomos percorrendo com o nosso olhar aquele belíssimo lugar e apercebemo-nos, quase sem dar por isso, de que estávamos a fazer uma viagem no tempo e no espaço, na História, na memória…Uma viagem na moldura que nos moldou e que, em vários aspectos, nos continua a moldar.
Convidamo-lo, estimado leitor a fazer connosco uma “visita guiada”, que não pretende ser exaustiva e, muito menos enfadonha. Será um percurso ligeiro, entrecortado com breves referências históricas e artísticas alguma lendas e simples curiosidades.
Em Portugal, a Festa de Nossa Senhora da Visitação, em 2 de Julho, foi ordenada por D. Manuel I, a partir de 1516. DE acordo com relatos de cronistas da época, em Montemor-o-Novo foram tomadas decisões fundamentais pra a realização da viagem que iria descobrir o caminho marítimo para a India. Os bons resultados da epopeia levaram à construção de alguns notáveis monumentos, como foi o caso do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém.
Embora não se saiba a data exacta, defendem vários autores que a construção, em Montemor, do Santuário de Nossa Senhora da Visitação terá ocorrido pouco tempo depois, dentro do espírito patriótico e de gratidão pela bem-sucedida viagem.
Antes de entrarmos na igreja, detivemo-nos a comtemplar a decoração da portada trabalhada em granito, com traços do estilo manuelino. Já no interior da nave, a abóbada enfeitada com nervuras e florões reforça a idéia de que a construção do edifício terá acontecido, muito provavelmente, no primeiro quartel do século XVI. Depois os nossos olhos deslizaram pelas paredes laterais e maravilharam-se com os belíssimos painéis de azulejo alusivos à Vida Mariana, que foram substituindo a partir do início do século XVIII, as pinturas a fresco ali existentes.


E o presépio? O encantatório presépio que existia logo à entrada próximo da arca de madeira onde se recolhiam as ofertas de trigo? O magnífico trabalho, estilo Machado de Castro, encontra-se agora numa das salas anexas à Igreja e foi obra do Montemorense Joaquim José Faísca, nos finais do século XIX. Além das figuras obrigatórias, existem centenas de figuras populares, que vão dos músicos foliões ás lavadeiras, das mulheres das galinhas e dos ovos à matança do porco…um nunca mais acabar de imaginação, de teatralidade!
O presépio dos nossos encantos faz actualmente companhia a uma preciosa colecção de ex-votos (promessas) que testemunham ao longo dos tempos, a devoção popular por Nossa Senhora da Visitação. São molhares de fotografias, quadros e outros objectos, a merecerem, muitos deles, um estudo de natureza artística, sociológica ou linguística. Por ali ficamos a perceber diferentes maneiras de escrever e de pensar, algumas das maleitas que atormentavam as pessoas, como as bexigas, o catarral e outras doenças consideradas perigosas. Por ali. É possível entender quais os períodos de maior ou menor devoção e demarcar diferentes épocas da nossa História, como foi o período da Guerra Colonial. As enormes carcaças de uma jiboia e de um crocodilo remetem-nos também para terras distantes, para tempos mais recuados.
Há dias o nosso amigo Gambóias, esteve com orgulho e visível satisfação, a mostrar-nos o trabalho de carpintaria que idealizou e executou para expor o maior número possível de ex-votos. São aos milhares. Alguns, por falta de espaço, estão ainda guardados dentro das arcas.
Manuel Filipe Gambóias Crespo tem sido, nos últimos cinquenta anos, o homem que se tem encarregado, com a ajuda de familiares, da vigilância, limpeza e conservação do Santuário. Jardineiro de profissão, assumiu aquela responsabilidade depois da morte do antigo encarregado e sacristão. Nos últimos anos de vida do Sr. Padre Alberto, ajudou a paramentar o sacerdote e a auxiliar no culto religioso.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” – dizia o poeta. Porém Manuel Gambóias assegurou-nos que continua a deslocar-se ao Santuário grande quantidade de gente de todas as condições sociais, que vem ali agradecer ou implorar a protecção da Mãe de Deus. Há mesmo quem ainda se sacrifique a subir de joelhos a calçada irregular e a extensa escadaria.
Mas, voltemos ao interior da Igreja. Na transição da nave para o altar-mor, existe dois altares laterais, em talha dourada e marmoreada, da época de D. José. Lá ao fundo, as atenções centram-se na imagem de Nossa Senhora da Visitação, coberta de branco e dourado. 
Esta imagem, em roca, é de finais do século XVII e, segundo diz Túlio Espanca no seu Inventário Artístico, veio substituir uma primeira imagem feita de madeira estufada.
Saímos da Igreja, contornando o edifício. Passamos junto às casas que, ao longo dos tempos, serviram de habitação ou de poio aos peregrinos. Nas traseiras, não ficamos indiferentes às brancas torres cilíndricas, a fazerem lembrar a igreja de S. Brás, em Évora.
Foi-se aproximando entretanto, o fim da tarde. Espectáculo imperdível é o pôr-do-sol, visto do adro murado da Nossa Senhora da Visitação. Lá ao fundo, avista.se a longínqua Arrábida: Mais à esquerda, aqui bem perto, ergue-se o imponente castelo. Visto cá de cima, parece estar quase intacto. Ninguém diria que atrás dos seus muros, se esconde um número tão grande de ruínas.
Entre o Santuário e o castelo, estende-se a cidade branca, como que a preencher um extenso vale e a tentar extravasar, aqui e ali. Os seus limites. Ainda no adro, o nosso olhar inclinou-se na direcção da Fonte Santa, junto à entrada que vai para o Ciborro. Diz a lenda que um grupo de operários, que se preparava para iniciar a construção do Santuário no sopé da colina, deu por falta das ferramentas durante a noite. Surpreendidos, encontraram-nas na manhã seguinte, no cimo do outeiro. A cena repetiu-se durante vários dias, o que levou à decisão de escolherem o alto do monte para a construção da ermida.
Tanta vista e tanta lenda não nos fizeram esquecer a belíssima frontaria exterior da ermida. Os tons de azul e branco são imagem de marca do monumento. No centro, destaca-se um grande e valioso painel de azulejos de 1730, que representa a visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel. O toque dos sinos parece ter tido, noutros tempos, funções que caíram em desuso. Disse-me um velho amigo que as horas de enregar e  de largar nas herdades vizinhas era, para ele e muitos outros, regulada plo toque dos sinos ao nascer e por-do-sol..

Guardamos para o fim o edifício relativamente recente, ao lado da ermida, que já foi salão de festas, reuniões, café e que é ultimamente restaurante. O edifício, dos anos sessenta, foi construído com diversas ajudas, nomeadamente com receitas de vários espectáculos realizados em 1966.
Alguns amigos fizeram-nos chegar programas e fotografias do espectáculo de variedades que foi um sucesso e que se intitulava Juventude em Alvorada Musical.
Tratava-se de um grupo de jovens cantores, muitos deles pertencentes ao Grupo Coral do Calvário, acompanhados pelo maestro António Pinto de Sá, pelo guitarrista Abílio Delca e pelo baterista António Fernando.
O espectáculo constava de temas cantados em coro, declamação de poesias e interpretações de grandes êxitos da música ligeira da época. Interpretaram-se canções de Adamo, Gianni Morandi, Rafael, Roberto Carlos, Chico Buarque, The Animals, Conjunto João Paulo e muitos outros.
O Cine teatro Curvo Semedo esteve à cunha, e realizaram-se outros espectáculos em Évora, Arraiolos, Vila Viçosa…
Bem! Agora é que está mesmo a hora de correr o pano e dar por acabada a nossa visita.
Até breve
Vitor Guita
In Montemorense – Setembro 2017
Transcrição autorizada pelo Autor

Sem comentários: