a
Barbearia do Barradas
Cenário
Espelho, duas cadeiras de
barbearia, um banco e cadeiras para os fregueses, e uma pequena mesa com
revistas.
Entra o Barradas bem
penteado, com marrafa ao lado e poupinha. Vê-se ao espelho e passando a mão
pelo cabelo e diz, em voz alta e meio zangado:
- Sempre eu a abrir a porta, aquele "Juiz" nunca chega
primeiro.
Quando é que ele chegará a mestre….. e eu a aguentar isto tudo -
referindo-se ao aprendiz.
E continuou : -
Que
saudades tenho do Demétrio..... ás
vezes tinha lá as suas"
porras" por causa dos "bichos maus", dos " bichos maus?", com os irmãos, mas tirando isso era uma joia de moço. E estava-se a
fazer cá um mestre.
Ao ouvir um ruído e de
costas para a porta, diz:
- Amanhã és tu o primeiro a abrir a porta, tens que...
- Tenho o quê?
Diz o Dr. Xavier
entrando.
O Barradas ao reconhecer a voz do Dr.
- Desculpe senhor Doutor, pensava que era o Narciso, mas logo de manhã e
em sábado?
diz admirado o barbeiro.
- Ás nove e meia dou uma aula de ginástica, estou com pressa, não posso
deixar aquela malta sozinha.
Responde
o Dr. friccionando a cara e amolgando o nariz (não tinha o osso) como era seu
hábito.
Senta-se na cadeira,
enquanto o Barradas veste a bata, aquece a agua e com o pincel começa a fazer
espuma de sabão.
-
Água bem quentinha e sabão especial, o senhor Doutor merece.
O doutor Xavier olha duas
ou três vezes para o Barradas e diz:
- Isso demora tanto tempo… já
chega de sabão.
Responde o barbeiro.
- Não chega, não chega que o
senhor merece uma segunda e boa ensaboadela.
O Dr. faz uma careta e
encolhe-se na cadeira.
-
Irra, que nunca mais acaba?
O Barradas continua
falando e remoinhando a água com sabão na taça.
-
Senhor doutor já leu a Bola (jornal) de
hoje? O Germano aquele jogador do Atlético, que esteve tuberculoso no Caramulo,
nem quer ouvir falar no Sport. Diz que não pode com os lagartos.
Doutor Xavier, paciente.
- Ó Barradas deixa-te de lérias e faz-me a barba.
O barbeiro coloca a
toalha em redor do pescoço do cliente sempre lamuriando.
- Aquele
gajo nunca mais tem emenda,.... se não fosse filho do meu amigo Sinfrónio
....pessoa que eu tenho consideração ….. consideração... , tenho bebido uns copitos
com ele … já tinha ido para o olho da rua....acredite doutor.
E,
quando se prepara para friccionar com o pincel a cara do Dr. entra, de rompante
e cantarolando, o aprendiz Narciso.
- A formiga diz que tem sapatinhos de veludo, a formiga diz que tem
sapatinhos de veludo, é mentira da formi…
O mestre Barradas: -
-
E mentira, é mentira ,,, o que tu te estás a tornar é num grande calão. Essa é que é a verdade.
O aprendiz: -
Mas
não deve ser dita, que me desmoraliza.
O aprendiz ao notar que é
o doutor Xavier que está na cadeira
- Bom dia mestre, bom dia senhor Doutor então como vai a rapaziada lá do
Colégio?
Doutor Xavier agastado.
-
Têm mais juízo do que tu,.... outro a entreter-me, Ó valha-me Deus.
O barbeiro ao olhar para o Narciso deixa entornar
espuma sabão, que cai nas calças do Dr.
- Ó Barradas não basta a pressa que tenho, e ainda tenho que ouvir a
minha Maria Helena, por isto.
O aprendiz pega
na toalha e começa a limpar as calças do Doutor, dizendo.
-
Nem uma nódoa cá fica, nem uma nódoa
O doutor dá um salto da
cadeira diz:
- Tira daqui as mãos, olha este!!
O Narciso dá um salto
para trás e o Barradas acaba por entornar mais espuma. Ouvem-se três pancadas na porta, e uma voz suave diz:
- Dá-me licença senhor barbeiro.
-
Entre. -
diz
o Barradas ainda alterado.
O Chão Frio vem cortar o cabelo e pisando a
espuma cai e diz olhando para o molhado do chão.
- Chiça, penico. E logo eu que
só tenho ossos.
Diz, baixinho, o aprendiz
de modo a não ser percebido pelo mestre.
- Logo me havia de calhar este, e em fim de semana
O Barradas ouve mas não
percebe e pergunta, em voz alta diz:
- O que é que disseste?
O aprendiz.
- Mestre fique descansado que eu entendo-me com o cabelo do Sr. Chão Frio.
Tem a tesoura e o pente
na mão fazendo, todo arteiro, estalar a tesoura.
O Chão Frio encolhe-se na
cadeira e diz:
- Este ou é maluco ou está bêbedo.
O Narciso
-
Vamos a isto que é uma "aceifa".
O Barradas começa
ensaboar a cara ao Dr. Xavier e dando um fio na navalha, vai dizendo
olhando para o Dr.
- O senhor doutor sai daqui com a barba tão bem aparadinha,,,,,,, até a
dona Maria Helena lhe dá um beijinho.
Doutor
-
Deve dar, deve, que ela tem andado bem disposta. Desde que para lá foi aquele
Bráulio e o Gregório a fazerem equipa com o Salgado e o Quinze, Parece que anda
lá o diabo.... Até eu tenho que andar na linha.
O Barradas
-
Mas qual Salgado? o Carlos ou o Hélder?
Doutor Xavier a perder a
paciência.
- O Carlos, que o Hélder, por causa de uma rapariga, só desfolhou vinte
flores de malmequer.
E já meio alterado.
Ó
Barradas não me distrais...... faz-me a barba.
O aprendiz vê-se e
deseja-se para cortar o cabelo ao Chão Frio.
-
Parece estopa, parece estopa,...... até
a tesoura está a perder o fio.
E irritado não se
contendo pergunta ao cliente.
-
É pá ….. há quanto tempo não lavas a
cabeça.
Chão Frio
-
Desde a Festa de Setembro.
Narciso
- Chiça, ...., desde a Festa de Setembro? e já
estamos em Dezembro.
E de irritado que estava,
descuida-se e dá um golpe na orelha do cliente.
-
Desculpe, amigo.
O Chão Frio solta um
grito
- Desculpe,
uma porra que me cortaste a orelha.
O Dr. dá novo salto da
cadeira e vai estancar o sangue da orelha esquerda do Chão Frio.
- Só me faltava esta, só me faltava esta, e não é sexta-feira treze.
O aprendiz Narciso.
- Mas é sábado e tem ali o Quinze.
Num alvoroço entra o
Gregório, o Quinze e o Bráulio e perguntam a uma só voz.
-
Senhor doutor não temos ginástica?
-
Temos, temos que hoje ninguém mais põe
as mãos na minha cara.
O Dr. sai de cena mesmo
ensaboado.
Corre o pano e acaba o
ato.~
Hélder Salgado
Almada,21-05-2017
3 comentários:
Obs.
Lê-se, gosta-se, engraça-se, abre-se um sorriso, recorda-se, repara-se,
agradece-se o envolvimento e a referência. Esperemos agora pelo teatro.
Penso também que há mais alunos que mereciam aqui uma alta menção.Lembro
o teu primo Azedo. E aquele nosso amigo de Bencatel, forte,alto e bem
nutrido (não me estou a lembrar do nome... ou era mesmo o Pardal) com
quem o Dr. Xavier ensaiou, uma vez em plena sala, uns passes e uns murros
de boxe . Com a assistência obviamente a torcer, em delírio, pelo mais
novo e pelo menos tecnicista.
Lembram-se disso? Lembram-se dessas cenas? Lembram-se das irreverências,
anunciadas, praticadas, nunca perdidas e que, ainda hoje, parecem vivas?
Saudações Democráticas
ANB
OBS.
Vou só completar o que disse há instantes, lembrando que o Narciso, de
alto e boa inteligência que era subiu a Intendente na Polícia, fazendo
tudo pelo seu próprio pulso. Com grande competência e muito estudo ( um
tempo houve em que o Narciso o fazia à luz das ruas da Baixa lisboeta ).
Ora aqui têm, mais um excelente alandroalense que nunca esqueceu a sua
terra. Nem deixou de lá voltar, por Setembro, para recordar sempre
sorrindo, "a navalha e a tesoura" que lhe começaram a vida no Barradas.
Se leres isto, Narciso, vai um forte Abraço para ti desde aqueles
almoços na Messe de Oeiras.Com (a tua) viatura da PSP à porta.
Cumprimentos
Antonio Neves Berbem
Boa ficção do Hélder. Com uma encenação apurada isto dava um belíssimo quadro de revista à alentejana.
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