sexta-feira, 21 de julho de 2017

CRONICAS DE CINEMA -Por Egas Branco

     Uma homenagem do Al Tejo a Domingos Maria Peças
            Ciclo do Cinema Japonês
Egas Branco Revê grandes obras da cinematografia nipónica. 
                                  SANSHÔ DAYÚ (O Intendente Sansho).

Mais uma obra-prima absoluta de Kenji Mizoguchi, o grande cineasta japonês e do seu argumentista, Yoshikata Yoda. 
Embora a historia se passe no Japão medieval, foi realizada em 1954, fazendo pensar nos campos de concentração do nazi-fascismo, na Alemanha, e países ocupados, e no Japão. O intendente Sanshô, pela sua crueldade parece baseado nas sinistras figuras que dirigiram esses campos sem a mais pequena réstea de humanidade. Acabam no entanto por escapar com vida devido à ausência de ódio revanchista das suas vítimas. 
Comovente e admirável tem, como quase sempre nas obras do grande realizador nipónico, principalmente quando teve como colaborador Yoshikata Yoda, o povo sofredor e explorado como personagem principal.
Mostra o sofrimento de um povo sujeito à escravatura nas propriedades privadas das grandes casas senhoriais do Japão imperial. 
 Sobre esta obra escreveu João Bénard da Costa, o antigo director da Cinemateca Portuguesa, e não obstante a sua condição de intelectual católico, embora nalguns aspectos progressista, talvez o mais belo texto que lhe conheço. 
Se puderem tentem ver (ou rever) esta obra extraordinária, também no aspecto puramente de linguagem, que Benard diz que nunca conseguiu ver, apesar de a ter visto muitas vezes, sem chorar. É de facto difícil porque comovente.
ACTUAL
                                                 TREBLINKA, de Sérgio Tréfaut
 Ninguém deveria deixar de ver esta obra agora estreada em sala (Finalmente!!! Mas porquê só agora e em tempo de férias?!), já multipremiada, em Portugal (no Festival Indie 2016) e no estrangeiro.
Um documento importante sobre o nazifascismo, os seus campos de extermínio e o assassinato de milhões de pessoas, através dos relatos de alguns dos seus poucos sobreviventes.
Um dos testemunhos é de Marceline Loridan-Ivens, cineasta e escritora, companheira de Joris Ivens, famoso cineasta, antifascista e acompanhante empenhado de algumas das revoluções socialistas do Século XX. Curiosamente é lhe atribuída nesta obra uma frase que é a mais polémica do filme uma vez que, fora do contexto e admitindo que terá sido bem traduzida, poderá prestar-se a grandes equívocos: refere a ideologia e a religião, como se fossem males.
Ao contrário, penso, o homem como o animal mais inteligente que conhecemos tem no entanto na Ideologia o melhor (ou o pior) de si, porque as ideologias podem ser a favor do Homem ou contra ele. Mas sem elas, as que defendem o progresso e a justiça, o Homem não teria futuro.
Para nós, portugueses, que sobrevivemos à longa noite fascista, de Salazar e seus acólitos e com a Igreja Católica como apoiante, este filme tem um particular significado. É que essa gente que oprimiu o nosso País durante quase meio século, foi apoiante deste nazismo, fonte dos terríveis e quase inimagináveis horrores que a obra descreve pelo relato de alguns que lhes sobreviveram. 
Neste início do Século XXI é inquietante todavia verificar que as ideologias fascistas e nazis renasceram dos escombros e já surgem no poder no leste europeu, nomeadamente na Ucrânia! E até na própria França crescem, ainda que camufladas, principalmente nas frentes fascistas da marine le pen. E a extrema-direita chegou ao poder nos EUA (trump)... 
Os que amam a Paz e o Progresso para os Povos não podem dormir descansados. A luta vai ter que continuar. E o papel da Ideologia assume, como sempre, particular importância.
A nossa grande actriz Isabel Ruth, dá corpo e rosto às sobreviventes do holocausto nazi em que pereceram milhões de pessoas, sistemáticamente eliminadas, por ódio racial (os judeus, principalmente), por perseguição política (os comunistas, em primeiro lugar)! 
 Nos tempos que correm é para nós muito doloroso ver como alguns dos descendentes das muitas vítimas de ontem (as de ascendência judaica, como muitos de nós)  se tornam em algozes hoje (do mártir povo palestiniano, vítima da ocupação do seu país e de um novo genocídio cometido por sucessivos governos israelitas). E quanto se levantam vozes a protestar e a propor uma solução de Paz para a Palestina, são brutalmente eliminadas, como o Presidente Isaac Rabin, assassinado por um militante sionista de extrema direita, quando decorriam encontros para a Paz, entre representantes dos dois povos.
Algumas das obras que é indispensável conhecer, como as que falam do apoio do fascista salazar ao nazi hitler e seus apoiantes, com envio em matéria primas e géneros, roubadas ao povo português e de como foi o governo fascista português recompensado pelos nazis, com a entrega de parte do ouro retirado às vítimas assassinadas nos fornos crematórios nazis. TREBLINKA era um deles, na Polónia ocupada.

Só uma pequeníssima nota do muito que haveria a dizer sobre mais uma obra notável do realizador haitiano, RAOUL PECK (Port-au-Prince, 1953), um homem de cultura, autor de "LUMUMBA" e de "O JOVEM KARL MARX", este último filme da sessão de gala no Festival de Berlim e que víramos com muito interesse há dias e do facto demos notícia aos amigos. 
Esta nova obra, "I AM NOT YOUR NEGRO" baseia-se nas notas deixadas pelo escritor e activista dos direitos cívicos nos EUA, JAMES BALDWIN (1924-1987), que pretendia escrever uma obra sobre a luta anti-racista no seu país, homenageando simultâneamente três grandes dirigentes negros assassinados, Medgar Evers, Malcom X e Martin Luther King, que foram seus amigos e companheiros de luta. 
Repositório tremendo do que tem sido a luta pelos direitos cívicos nos EUA e continua muito actual, dado o retrocesso civilizacional naquele país e no mundo capitalista, responsável pelo crescimento da extrema-direita, do racismo e da xenofobia, como também na actual união europeia. 
Medgar Evers, foi o primeiro a ser assassinado, como sempre por um activista de direita, membro da Ku Klux Klan, Byron De Le Beckwith, que no entanto escapou à justiça durante 30 anos, só vindo a ser julgado e condenado pelo crime em 1994 (!!!). 
Impressionante o relatório do FBI sobre James Baldwin, essa tenebrosa instituição então dirigida pelo famoso, pelas piores razões, Edgar G. Hoover. 
Na actualidade dos textos e discursos de Baldwin (alguns na voz de Samuel L.Jackson) refira-se a sua afirmação de que tudo está nas mãos do povo norte-americano. Sabemos o que isso significa de necessidade de luta organizada e de esclarecimento de uma população que o é muito pouco. 
Curiosidade pelo surgimento nas imagens de actores famosos, apoiantes das causas cívicas, entre os quais, um dos que traiu ideais e companheiros, Charlton Heston, aliás mau actor, que viria a mudar de barricada e a tornar-se presidente da NRA (National Riffle Association), activista contra o aborto, apoiante de Reagan e dos Bush. 
Haveria muito a acrescentar sobre esta magnífica obra de Raoul Peck, mas não havendo aqui e agora nem tempo nem espaço fica a fortíssima sugestão aos amigos  para não a perderem. 
Vi no Cinema Ideal, ao Camões, em Lisboa. 
Às imagens que juntei adicionei a do jornalista Mumia Abu Jamal, que embora não seja citado na obra, é uma das vítimas da perseguição racista nos EUA, continuando preso.

Egas Branco




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