quinta-feira, 6 de julho de 2017

CRONICAS DE CINEMA - Por Egas Branco

        Homenagem do Al Tejo a Domingos Maria Peças
Egas Branco revê grandes obras da cinematografia nipónica                         Ciclo do Cinema Japonês

A RUA DA VERGONHA (Alasen Chitai) (1956), de KENJI MOZOGUCHI
Um dos filmes mais duros do grande cineasta nipónico, contra o capitalismo, sistema que assentando na mais crua exploração do homem pelo homem, ocasiona que seres humanos acabem por vender até o próprio o corpo para sobreviver.
Os comerciantes do sexo, os proxenetas e afins, justificam-se dizendo que no fim de contas prestam assistência social, não interessa se daí tiram chorudos lucros, como Mizoguchi repete várias vezes. Mas não é isso na prática que fazem os que ajudam a manter a pobreza para depois dela tirarem proveitos, em negócios vários de assistência social?
Não sei se o negócio da prostituição continua legal no Japão, como o era no nosso País, durante o fascismo dos tempos do salazar e cerejeira (o tal que era cardeal patriarca) e que depois disso a política de direita já tentou reactivar no nosso País. 
Mizoguchi realizou esta obra-prima quando, no pós-guerra, o parlamento japonês, tornado mais democrático, e julgo que já depois de terminada ocupação norte-americana do país, quis aprovar a ilegalização da prostituição, o que provocou de imediato um coro de protestos, dos utilizadores das casas, muitos da alta burguesia, e dos seus proprietários.
"Rua da Vergonha" é um retrato admirável de várias mulheres que, quase todas, por impossibilidade de sobrevivência sua e da sua família, se tornam gueixas, escravas dos donos dos bordéis.
Entre as várias e impressionantes cenas do filme, lembrar a do filho criado com sangue, suor e lágrimas pela gueixa e que depois repudia a mãe, ou a do pai que utiliza bordéis mas depois, perante o caso conhecido da própria filha, que a sociedade condena mas utiliza, procura convence-la a abandonar o bordel ou, o mais trágico de todos, na cena final da obra, da iniciação de uma mulher ainda quase criança, utilizada para substituir alguém que morreu, por ter sido assassinada por um cliente transtornado.
"A Rua da Vergonha" é outra das grandes obras deste mestre da Sétima Arte. Tê-la realizado nos anos 50, num Japão imperial, na ascensão do capitalismo do pós-guerra, revela coragem.
Egas Branco

A IMPERATRIZ YANG KWEI FEI (Yokihi) (1955), o primeiro filme a cores do grande mestre japonês e logo no dizer da crítica, "essas fantásticas cores que fazem desta obra um dos mais belos filmes a cores da história do cinema" (Bénard da Costa).
Do cineasta disse Jean-Luc Godard que era "o melhor dos realizadores japoneses. Ou, simplesmente, um dos melhores realizadores do mundo."
A obra é, uma vez mais em Mizoguchi, uma história de amor impossível, em que o elo mais fraco é sempre a mulher. Passada na China feudal do século VIII ou IX, entre lutas entre senhores da guerra, em que o povo serve sempre para carne para canhão, descreve as lutas pelo poder na corte imperial, com corrupção e intrigas. 
Mizoguchi, culto e admirador confesso da história do grande vizinho, adapta uma história chinesa, com a colaboração uma vez mais do seu grande argumentista, Yota Yoshikata, um homem culto e progressista. 
A assistência, numerosa para uma sessão deste tipo, num início de tarde de um dia de semana, assistiu impressionada, comoveu-se e saíu em silêncio, rendida à arte de Mizoguchi.
Kwei Fei é sacrificada aos interesses em luta, ou sacrifica-se para salvar o amante. Mas não é esquecida por ele. O Amor em tempos conturbados.
Egas Branco


2 comentários:

Anónimo disse...

Na mesma linha de pensamento deste realizador, aparece ainda antes da 2ª Guerra Mundial, o filme "Os Contos dos Crisântemos Tardios", de 1939.
Louvo o autor do texto acerca da visão social deste cineasta japonês,

Cumprimentos

artemiso peças disse...

Excelente crônica sobre este filme.

Uma vez mais ESTÃO de PARABÉNS.
Obrigado ao AL-TEJO e ao Exmo. Sr. Dr. Egas Branco.
Artemiso Peças