quinta-feira, 29 de junho de 2017

VASCULHAR O PASSADO - Augusto Mesquita

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos.

                         Convento de São Domingos
O Convento de São Domingos foi fundado em 1559 por Brites de Negreiros e seu marido Manuel Fragoso – gente de fortuna da vila - por influência de frei Luís de Granada, Provincial da Ordem Dominicana em Portugal.
            Englobado na Ordem dos Pregadores de S. Domingos de Gusmão, teve a sua origem numa capelinha gótica existente no canto meridional do Rossio da Porta do Sol, dedicada a “Santo António” que vinha, em fundamentos, de fins do séc. XIII.
            No início do mês de Novembro de 1565 realizou-se uma reunião na Câmara Municipal na qual foi lida a carta da rainha-regente D. Catarina de Áustria, que aprovava o projecto do convento. A Câmara, presidida pelo juiz-de-fora Dr. Jorge Bulhão, cedeu para ampliação da comunidade, um bocado do arrabalde anexo, e ordenou o cancelamento de uma rua projectada para o mesmo Rossio.
            A primeira pedra do edifício conventual foi lançada em 17 de Novembro de 1565 na presença do Alcaide-Mor D. Fernão Martins Mascarenhas, de frei Luís de Granada, dos fundadores Manuel Fragoso e Brites de Negreiros, da clerezia e de muito povo. As obras do convento prolongaram-se até 1619, data em que a abadia ficou habitável, passando a albergar a partir de então uma pequena comunidade de 13 religiosos de hábito.
            Segundo frei Luís de Sousa (que possui na cidade uma praceta com o seu nome), na Crónica de S. Domingos – os frades dominicanos não queriam que este convento tivesse a invocação de Santo António (que fora frade da sua ordem) e houve votação, que decidiu a favor dos domínicos, passando o novo convento a designar-se Convento de São Domingos.
            Sendo provincial na altura da inauguração, o padre mestre, frei Diogo Ferreira, e tendo o convento suficientes rendimentos, foi elevado a priorado.
            Numa descrição sumária podemos referir que a planta do convento é em L e possui claustros nos dois pisos, concluídos já no período filipino, em torno dos quais se agrupam as diversas dependências conventuais, como por exemplo a sala do capítulo, a cozinha, o refeitório e o dormitório com capela de meditação anexa.
            Existiram no convento várias confrarias aprovadas eclesiasticamente – monásticas e leigas – todas já existentes no ano de 1630, a saber: “Senhora do Rosário”, “Senhor Jesus”, “Santo António”, “Santo Amaro”, “S. Bento” e “S. Gonçalo”.
            Até ao dia 30 de Maio de 1834 (data da extinção das ordens religiosas), o convento teve uma existência pacífica e normal. Infelizmente, esta data assinala o início da decadência deste edifício religioso, assim como de muitos outros existentes no país. Encerrado imediatamente pela Fazenda Nacional, nunca mais teve aplicação sacramentada e foi adquirido pouco depois, em hasta pública, por Valentim José Salvação. Em 1874 já pertencia ao lavrador montemorense António Joaquim Marques dos Santos.
            A 20 de Junho de 1834, o Dr. João Carlos Nogueira, Juiz de Fora, acompanhado pelo escrivão Simão Joaquim Xavier Valente, procederam à inventariação dos bens do Convento de São Domingos. Inclui a descrição dos vasos sagrados e paramentos, igreja e sacristia, objectos do refeitório, cozinha, despensa, mobiliário e livraria, entre outros. A inventariação integra também a descrição do edifício do convento, igreja, sacristia e cerca.
            Para os interessados na consulta deste documento, refiro a cota actual: Ministério das Finanças, Convento de São Domingos de Montemor-o-Novo, cx 2238.
            O declínio do edifício foi acontecendo lentamente face à utilização que lhe foi dada, assim como da igreja. Esta, foi alugada para armazém de combustíveis, e a cerca do convento, para lixeira municipal! Segundo o jornal “Folha do Sul”, no dia 23 de Maio de 1933 manifestou-se um incêndio na estrumeira municipal situada no Convento de São Domingos, pelo que foi necessário solicitar a presença dos bombeiros. No dia 5 de Agosto do mesmo ano, o referido jornal noticiava que na 2.ª feira anterior, voltara a repetir-se o caso. E quantas vezes mais?
            Para que os meus conterrâneos mais novos tenham conhecimento do estado de degradação a que este convento chegou, recorri a Mestre Túlio Espanca, reconhecido historiador de arte, e ao seu Inventário Artístico de Portugal editado em 1975. Desta publicação, retirei as seguintes passagens:
            Profanada ruína de grande pitoresco e de barroca silhueta, com os seus membros desventrados, sem coberturas, de arcarias fendidas e ultrapassadas por copas ondulantes de arbustos quase centenários, que surgiram nas rasgadas gargantas das empenas – esse aglomerado estranho de casario de cor musgosa e patinada, infunde espanto, tristeza e comoção!
            A entrada principal, de grande singeleza arquitectural, mostra os estigmas de abandono.
            No terreiro da Portaria existe uma tabela esgrafitada, que diz “Botica” - 1721. No tímpano da Portaria conserva-se um interessante retábulo de azulejos de esmalte branco e decoração azul da época joanina e de factura oficial dos Bernardes, de Lisboa, com a representação de Nossa Senhora do Rosário.
            O claustro, obra de arquitectura regional do estilo de transição clássico-barroco, dispõe-se em dois andares de cinco tramos. As arcadas térreas, de ornatos palmares, são de volta perfeita, e as altas de arcos abatidos, ultrapassados, subsistindo, em vastas superfícies, as molduras e o paramento de esgrafitos flóricos. Destas foram arrancadas, na totalidade, os meios colunelos de pedra, da ordem toscana, que refechavam todas as jambas.
            As mais importantes dependências do convento ficavam na face meridional: a Sala do Capítulo e a Sacristia, esta com ligação directa para os anexos abobadados e nervurados da capela-mor da igreja.
            A Sala Capitular, benzida pelo arcebispo D. João de Melo em 1565, tem proporções majestosas e era do padroado do padre Dr. Brás de Figueiredo e Lemos, que nela teve jazigo numa vasta cripta, assim como seus irmãos e progenitores. É obra de delicada concepção artística e foi notavelmente enriquecida, nos meados do sec. XVII, por alfaias de prata, paramentos religiosos e composições pictóricas, murais e azulejaria portuguesa polícroma. Dessa pretérita grandeza subsiste, apenas, uma ruína poética que enternece e revolta, simultaneamente! Mas, graças ao notável trabalho realizado pela Morbase, os interessados podem observar através da reconstrução virtual, como foi em tempos idos a Sala do Capítulo. Recomendo a visualização de mais este exímio trabalho da referida plataforma online, que nos conduz até ao séc. XVI.
            O refeitório sito na quadra leste do edifício, foi mutiladíssimo e despojado dos principais materiais lavrados; ombreiras e vergas da portada e janelas. Muito vasto e alegre, compunha-se de duas dependências interligadas, distribuídas em planta rectangular. Subsistem, no corredor propriamente dito, pregadas nas paredes, as primitivas bases dos bancos da comunidade, feitos de granito, assim como o lavabo, caixa e escada da tribuna do leitor, bastante maltratados. No prospecto angular oeste, vêem-se ainda, restos do armário de parede, de três prateleiras e seis vãos forrados de azulejos policromos, seiscentistas, com decoração floral dos dois tipos usados no corpo da igreja.
            A escadaria principal de comunicação com o piso do claustro encontra-se, também, em franca ruína.
            No dormitório, com janelas de sacada e de peito, arrancaram na maioria dos casos, as grades de ferro, as padieiras e as jambas graníticas. Sem coberturas, no seu pavimento, roto em vários sítios, nascem livremente arbustos e plantas daninhas, que ferem os membros interiores da construção.
            Cento e vinte sete anos depois de D. Pedro IV ter assinado o decreto de extinção das ordens religiosas, que originou a decadência do convento, no dia 5 de Dezembro de 1961, através do Decreto n.º 44 075, o Antigo Convento de S. Domingos (ruínas), foi classificado como Imóvel de Interesse Público.
            Por escritura lavrada a 25 de Maio de 1972, António Romeiras Marques dos Santos vendeu por 200 contos, o imóvel ao Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo para instalação da sua sede, um museu, uma biblioteca, um auditório, uma galeria de exposições de arte e Gabinete de Planeamento Regional. Para o efeito, e após diligências afanosas do Presidente e Secretário na nóvel instituição cultural, engenheiro João Garcia Nunes Mexia e Padre Alberto Dias Barbosa, conseguiu-se o importante subsídio global de 3.200 contos, concedidos no regime de comparticipações do Estado, da Fundação Gulbenkian e ainda da Câmara Municipal e de entidades particulares de Montemor-o-Novo, verba fundamental destinada à compra do imóvel e primeiras obras de recuperação, as quais tiveram início no dia 11 de Dezembro de 1972. Foram autores do projecto de adpatção o Arquitectos Raul Santa Clara (que também elaborou o projecto do Abrigo dos Velhos Trabalhadores),  e o Engenheiro Carlos Branco Morais. A empreitada foi entregue à firma lisbonense Lourenço Simões & Reis, Ld.ª.
            Graças ao trabalho desenvolvido pela Direcção do GAM, estas (ruínas), que em outros tempos envergonhavam a Vila Notável, transformaram-se num soberbo edifício que vale a pena visitar.

            Ao terminar este texto, lanço para o ar uma pergunta pertinente: não houve ainda tempo suficiente para as entidades oficiais competentes retirarem a palavra (ruínas), do diploma legal que classificou o imóvel?

Augusto Mesquita
Junho / 17

           

 


















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