quarta-feira, 28 de junho de 2017

CRONICAS DE CINEMA - Por Egas Branco

     Homenagem do Al Tejo a Domingos Maria Peças                
 Egas Branco Revê grandes obras da    cinematografia nipónica.

           Ciclo do Cinema Japonês
CONTOS DA LUA VAGA (Ugetsu Monogatari) (1953)
De Mizoguchi disse Orson Welles, outro génio, que qualquer elogio que se lhe faça nunca será excessivo. É o que sentimos ao rever estas obras-primas da Sétima Arte.
Contos da Lua Vaga, o mais conhecido dos filmes de Mizoguchi, é de uma beleza insuperável, realista e mágico, num Japão do século XVI. Mas esta magia, é preciso que se diga, tem muito a ver com o sonho, com o desejo de melhores dias, algo muito humano que o mais terra a terra dos seres humanos não desdenha.
E nunca esquecer o argumentista de Mizoguchi, ao longo de grande parte da sua obra, Yoshikata Yoda, um homem progressista, a quem o mestre nipónico muito deve.



OS AMANTES CRUCIFICADOS (Chikamatsu Monogatari) (1954)
Um dos mais belos filmes do grande mestre nipónico, um dos maiores realizadores da Sétima Arte. 
Como o Amor é perseguido, condenado (mas só se os poderosos não estiverem envolvidos e, mesmo às vezes nesse caso, se não forem homens), nas sociedades onde os mais ricos e as religiões dominam. 
Num Japão feudal, que é olhado sem nenhuma complacência. Com imagens das mais belas que o cinema nos tem dado. 
Tenho pena que os textos publicados no catálogo do ciclo sobre Mizoguchi sejam algo parciais, ignorando a crítica social que existe na obra, e muito forte, mostrando a corrupção e os jogos de poder nessa época, no Japão ou em qualquer outra parte do mundo.

                A SENHORA OYU, de KENJI MIZOGUCHI
A SENHORA OYU (Yöu-Sama)
Aparentemente é apenas um muito belo e puro melodrama, se não repararmos nas implicações sociais, sociológicas, de um argumento, sempre brilhante, de Yoda Yoshikata (Japão, 1951).
Mais uma obra-prima deste realizador, do seu argumentista, não esquecendo os seus actores e actrizes, que são admiráveis, apesar das dificuldades em trabalhar com Kenji Mizoguchi, que pouco explicava do que queria, segundo Paulo Rocha, que também realizou obras no Japão, anos mais tarde (o belíssimo A Ilha dos Amores, sobre Wenceslau de Morais).
A propósito do epitáfio no túmulo do cineasta - "Aqui jaz o maior cineasta do mundo" - o antigo director da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa, apesar da sua filiação católica, escreveu:
"Quem não conhece os filmes analisados neste volume (catálogo da Cinemateca que lhe foi dedicado) - e que são pouco mais que um terço de tudo quanto fez - achará que o (autor do epitáfio) exagerou.
John Ford, Fritz Lang, Carl Th. Dreyer, Jean Renoir, entre os cineastas que, como Mizoguchi, começaram no cinema mudo e continuaram, sem solução de continuidade no sonoro, são os únicos que vejo de quem se pode dizer que foram tão grandes como Mizoguchi. De maiores, não sei de nenhum."
(mas, em minha opinião, provavelmente Bénard esqueceu-se, pelo menos, de Serguei Eisenstein, que é outro grande nome da arte cinematográfica universal)
Mas mais ou menos o mesmo, acerca da grandeza de Mizoguchi, foi dito por outros grandes cineastas, como Orson Welles ou Jean-Luc Godard.
Pessoalmente considero o famoso trio do cinema japonês e universal - Kurosawa, Ozu e Mizoguchi - como estando no relativamente reduzido número dos meus cineastas preferidos, quando penso em termos da globalidade das suas obras. Mas quando tenho que escolher as obras-primas que mais me impressionaram então Mizoguchi surge sempre entre os primeiros.
"A Senhora Oyu" é também outra história de amor impossível, de que Mizoguchi tantas vezes fala, embora por diferentes razões.
Nesta obra, que fala de uma sociedade em que os casamentos são acordados no seio das famílias mais poderosas, e não pelos amantes, é uma atracção súbita que conduz à paixão e sobreleva tudo o mais, que irá provocar o sacrifício do amor das duas irmãs. Trágico e belo, apesar de tudo!
E sempre com uma delicadeza de tratamento dos grandes sentimentos humanos que a nós, espectadores ocidentais do cinema hollywoodiano e seus seguidores, ainda nos surpreende, por estarmos habituados a um tratamento em geral demasiado primário e às vezes até grosseiro. 
E não é pela questão de mostrar ou não corpos nus ou cenas de amor físico, mas por questões muito mais profundas. A título de exemplo, muito longe do estilo de Mizoguchi estará "Lady Chatterley" (2007), baseado no romance de D.H.Lawrence (1928), realizado pela cineasta francesa Pascale Ferran, e no entanto, quer no aspecto estético quer no seu todo, é outra obra que consideramos admirável. Também porque, como em Mizoguchi, existe o mesmo respeito pelo Homem e pelos seus sentimentos. Mas sei que esta comparação será polémica! Paciência... É a Sétima Arte, como a vejo!
Egas Branco

       

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