quinta-feira, 4 de maio de 2017

VASCULHAR O PASSADO

     Uma vez por mês Augusto Mesquita            recorda-nos pessoas, monumentos,    tradições usos e costumes de outros                                       tempos

                             Minas de Ferro de Montemor-o-Novo
Cento e sessenta anos antes do início da telenovela “O Sábio” (actualmente, o maior embaixador da Terra de S. João de Deus, que está a fomentar a vinda até nós de muitos turistas, desejosos de verem com os próprios olhos, a beleza da nossa Terra mostrada  neste trabalho de ficção), desvendar a existência de uma mina de cobre na Herdade da Comenda próxima de S. Geraldo, já Montemor-o-Novo tinha sido notícia pela existência no nosso concelho, de minas de ferro.
De acordo com o livro “Minas de Ferro de Montemor-o-Novo” editado em 1949 pelos Serviços de Fomento Mineiro, do qual felizmente possuo um exemplar, existiam 10 minas de ferro no nosso concelho. A faixa mineralizada com cerca de 12 quilómetros, estendia-se desde a Herdade da Nogueirinha, a sudeste, até à Herdade da Gamela, a noroeste, compreendendo as seguintes concessões: Herdade da Nogueirinha, Herdade da Defesa, Herdade da Serrinha, Vale de Arca, Casas Novas, Carvalhal, Herdade do Castelo, Serra dos Monges N.º 1, Serra dos Monges N.º 2 e Ferrarias – Herdade da Gamela.
Pelo facto da inclusão do historial das dez minas de ferro, ser demasiado extenso, optei apenas pela mais antiga, a Mina dos Monges.
A Mina dos Monges foi a primeira no país, concedida só para ferro. Manifestada em 6 de Março de 1857 por D. Alexandre Botelho e em 12 de Agosto de 1863 por José Street de Arriaga e Cunha, mas nenhum destes registos deu origem a concessão.
Em 27 de Maio de 1864, foi de novo registada, para ferro e outros metais, por Hugo O’ Donnele que a transmitiu pouco depois, em 2 de Junho de 1864, para Cartaxo Street &  Cª. Depois de uma concessão provisória autorizada através da portaria de 4 de Agosto de 1865, o novo concessionário recebeu a concessão definitiva em 22 de Abril de 1867, a qual foi registada na Repartição de Minas com o número trinta e um.
Antes porém, já o concessionário tinha pedido autorização para a primeira exploração de 400 toneladas de minério com destino a Inglaterra. No documento em que o pedido é feito, diz-se ser o mesmo constituído por dois lotes de 200 toneladas cada e de qualidade diferente, que se destinam  a ensaios em grande escala, a fim de estabelecerem o preço de venda e consequentemente julgarem do futuro aproveitamento do jazigo.
Em 19 de Agosto de 1865, é pedida nova licença para exportar 1.000 toneladas de minério com o fim de sobre ele fazerem os necessários ensaios; é deferido o pedido em 23 de Agosto do mesmo ano.
Os fundidores ingleses e franceses classificaram o minério da Mina dos Monges de qualidade superior.
O Engenheiro Rudolf Monat, num relatório datado de 24 de Fevereiro de 1868, diz terem os trabalhos até essa data marchado vagarosamente em virtude da dificuldade de encontrar comprador para o minério por preço conveniente, e ainda, por obstáculos apresentados à construção de um ramal de caminho de ferro para a mina.
Segundo parecer do Engenheiro João Ferreira Braga, inserto num relatório da época, a lavra até 1872 foi intermitente, não só por falta do ramal que estabelecesse a ligação com o Caminho de Ferro do Sul e Sueste, mas também pelo elevado preço das tarifas, más condições de baldeação no cais do Barreiro e baixa cotação no mercado estrangeiro a que se destinava, apesar de ser de excelente qualidade – um dos mais ricos do mundo na opinião do Engenheiro Bartissol.
O Engenheiro José Augusto César das Neves Cabral, no seu trabalho “Estatística Mineira” datado de 1882, diz o seguinte: “A alta do preço do ferro de 1870 a 1873 nos mercados estrangeiros, determinou naturalmente o movimento que então se manifestou na procura das minas de ferro em Portugal”.
Deve ter sido esta alta nos preços que originou o mais importante período de lavra na Mina dos Monges, registado de 1869 a 1879.
Estimulada a empresa com a grande procura que tiveram os minérios de ferro por volta de 1872, destinados a abastecer os estabelecimentos siderúrgicos ingleses que lutavam nessa época, com uma grande falta daqueles minérios para poderem ocorrer às grandes encomendas, e auxiliada ainda a empresa com a redução das tarifas do caminho de ferro, por portaria de 7 de Fevereiro de 1872, que estabelecia como primeira condição desta concessão, não transportar anualmente menos de 25.000 toneladas de minério de ferro, tratou imediatamente de proceder à construção do ramal, com a extensão de 4,2 Km que partindo da Mina dos Monges ia entroncar com a linha do Sul e Sueste ao quilómetro 81.
Em 4 de Agosto de 1873, os concessionários pedem autorização para transferir a propriedade da mina para a firma “The Monges Iron Company, Limited”. O pedido foi autorizado em 10 de Outubro desse ano, através de despacho ministerial. Com a finalidade de fundir os minérios da Mina dos Monges, os novos concessionários, pediram em 10 de Dezembro de 1875, autorização para a montagem de Altos Fornos no Alentejo. Não se chegaram a montar em virtude da carência de carvão nacional, dos direitos sobre o carvão inglês,  do seu preço ser elevado, e ainda, devido às altas tarifas do caminho de ferro.
O Engenheiro José Augusto César das Neves Cabral, no seu trabalho “Estatística Mineira” realizado em 1882, faz referência à ideia dos concessionários estabelecerem no país uma fundição para tratamento dos minérios pobres.
Desde 1869 até 1879, data em que paralisaram os trabalhos devido à baixa de preços ocasionada pela laboração das minas de Bilbau, esteve a mina em lavra activa, tendo exportado para os mercados ingleses 132.354,35 toneladas de minério de ferro, no valor, ao tempo, de 253.323$390, segundo o Catálogo Descritivo da Secção de Minas de 1889.
Desta paralisação resultou não só o abandono completo dos trabalhos mas também o levantamento da via do caminho de ferro mineiro.
Em 10 de Fevereiro de 1899 foi esta mina arrendada a “Street & C.ª” que deu início a nova fase de exploração, tendo exportado nesse mesmo ano, 2.288 toneladas de minério de ferro e no ano seguinte 13.642 toneladas do mesmo minério.
Em 11 e 22 de Maio de 1900 pede o concessionário autorização para transmitir a mina à firma “Wright, Butler & Company, Limited”, obtendo o alvará de transmissão em 14 de Dezembro do mesmo ano.
Retomou o novo concessionário a exploração, tendo em 1901 exportado 18.119 toneladas de minério de ferro; em 1902 voltou a exportar 16.150 toneladas e, em 1903, mais 15.000 toneladas.
A concessionária pede para transmitir a mina para “Baldwins Limited”, sendo-lhe dado o alvará de transmissão em 28 de Outubro de 1903. O novo concessionário continua com a exploração havendo exportado em 1904, 4.630 toneladas, e finalmente, em 1905, fez esta mina a última exportação enviando 3.200 toneladas.
A produção de minas de ferro em Portugal, esteve completamente paralisada no período de 1906  a 1909.
Foi da Mina dos Monges donde se extraiu maior tonelagem, pois cabem-lhe aproximadamente 60% da produção total deste grupo de minas.
A produção total desta mina desde 1865 até à realização do estudo, de que temos conhecimento por dados oficiais, foi de 206.783 toneladas.
O minério foi exportado para o estrangeiro quase na sua totalidade, à excepção de algum minério que, anteriormente a 1872, foi fundido num forno, construído para esse fim na Marinha Grande. Esta iniciativa deve ter sido mal orientada, técnica e administrativamente, pelo que abortou.
A mina esteve na posse da Baldwins até 27 de Agosto de 1913, data em que foi declarada abandonada.
Com o objectivo de reconhecer o valor das massas existentes, e na esperança de encontrar outras, efectuou o Serviço de Fomento Mineiro trabalhos de prospecção e de pesquisa na década de 40 do século passado. Os estudos realizados, levaram à desoladora conclusão de que as massas importantes deste jazigo, foram extraídas, restando apenas, pequenas tonelagens dispersas, com minério de qualidade inferior ao extraído.
A conclusão dos serviços mineiros, dá razão a Zeca Afonso: eles levaram tudo e não deixaram nada!
Augusto Mesquita
 Abril/2017

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