terça-feira, 23 de maio de 2017

RECORDAÇÕES DO HELDER

                                                          As touradas

O velho Godinho era um apreciador de touradas e só por doença faltava a alguma e eu confesso, que não me lembro dele doente.
Emprestava gado para as touradas, o que até hoje ainda me leva a interrogar, sendo as vacas de trabalho, como é que elas embraveciam nas touradas a ponto de marrarem.
Fruto da minha observação posso afirmar que havia animais que eram forçados a investir, para se defenderem das pedradas e picadas que levavam.
Começa nestas touradas populares a minha aversão a estes espectáculos, que se tornaria definitiva, aos meus vinte e quatro anos de idade, quando o António Garçoa, em Estremoz, então peão de prega do falecido cavaleiro Mestre Baptista e hoje director de corridas, me ofereceu um bilhete de segunda fila.
Estava sozinho, reflecti no sofrimento a que o animal estava a ser sujeito, numa luta desigual e cheia de manha, apenas para divertimento e nunca mais assisti a uma corrida de touros.
Já antes e ainda pela mão do meu avô Salgado, muito novinho, no redondel do “Arquiz o espectáculo taurino não me entusiasmava.
Recordo, mais tarde, um grupo de forcados ou melhor de rapazes com farda de forcados, a que pertencia o Joaquim Fitas e este caído na arena a esgueira-se de ser espezinhado pelo touro.
Assisti, com o meu pai, a algumas touradas em Vila Viçosa, onde me lembro da cavaleira Conchita Citron e ainda do matador Manolete e outras em Reguengos.
Já reparam no estado em que fica a barriga de qualquer cavalo após tourear?
O que de positivo me resta de todas as touradas que vi foi, no Redondo, em que actuou um toureiro que se dizia índio, el índio Apache, que toureava sem qualquer auxílio, ou instrumentos, vindo depois a saber, em conversa com o António Garçoa, que era nome artístico, que se chamava António Augusto e era cidadão português.
Rivais em ofertas
 O que quero evidenciar aqui era a rivalidade entre o velho Godinho, das Hortinhas e o Zé Seabra, do Alandroal. Observei este e por isso hoje aqui o recordo duas vezes.
Numa tourada em Bencatel, em que o touro era um animal de média corpulência, novo e ágil e parecia ainda não ter a manha, que os animais batidas nestas andanças vão adquirindo.
Alguns populares mais afoitos, batiam palmas e fugiam. O Seabra oferecia dinheiro, ponha mais uma nota, e outra e nada de pegarem o touro. O Zé Seabra perde a paciência e começa a chamar nomes aos aspirantes a pegadores, nomes de acordo com o acto praticado.
- És um cagarola, chega-te ao bicho, o que andas aí a fazer. - dizia em voz alta.
Um deles vem ao encontro do Seabra, empoleira-se na roda do carro de parelha, e tenta agarrar o braço do Zé, este empertiga-se, dando um passo atrás, mostra o peito e diz - Como é que tu queres que eu vá aí para baixo, não vês que não caibo nos cornos do boi.
Gargalhada geral.
Devo também confessar-vos que me recordo mais dos cenários do que com o acto das pegas.
Hélder Salgado
10Nov.2011



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