quarta-feira, 10 de maio de 2017

RECORDAÇÕES DO HELDER - II

O MEU AMIGO zÉ lARO – parte II
                                          A vida do nosso protagonista
Não, não me esqueci do meu amigo Zé Laro, e se demorei esta descrição foi como uma inserção ambiental, que constatámos, que sentimos e vivemos, que não devemos esquecer e muito menos renegar, também vivida pelo protagonista e o seu amigo e meu parente Joaquim Pírico.
Ainda conheci a mãe do Zé, a tia Laura que se amigou, hoje diz-se viveu em comunhão de facto, com o tio Milhano, da aldeia do Rosário, homem delicado e respeitador, que apanhava cardos, espargos, cogumelos, arrabaças mansas, agriões e até poejos, que umas vezes vendia, outras oferecia em molhinhos muito bem-feitos, e sempre atados com junça.
Tinha o cuidado de não deixar murchar os géneros para chegarem fresquinhos ao cliente. Selecionava as pessoas a quem pensava dar e o dia em deveria fazer a oferta, na mira da contrapartida ser superior em valor ao preço de venda dos seus molhinhos.
E penso que resultava.
Na casa de meus pais, aos sábados dia de matança, lá aparecia o tio Milhano, com a sua mercadoria. O meu pai, a quem ele chamava de parente, adorava grãos com cardos de azeite e vinagre, com conserva de atum ou sardinha. Era uma das pessoas selecionadas pelo seu parente, que aos sábados lá aparecia.
 Depois de uma breve conversa gesticuladora e incisiva nos produtos por ele apanhados e sabiamente arranjados, lá vinha a ordem;
- Hélder trás uns ossos de porco e corta um bocado de fralda do toucinho -. Claro, o Hélder obedecia.
Devo dizer que obedecia de bom grado, porque, e ainda no meu despertar para a vida, a maneira descritiva e o apresentar de qualquer assunto, com suavidade no falar, e brandos gestos, como o Senhor Milhano o fazia, não via noutra pessoa.      
Devo, aqui, confessar, caro leitor, que "rapinei", algumas fraldas de toucinho, toucinho com entremeada de fêvera, que cortava aos quadradinhos, sem cortar o coro e que depois de algum tempo de alho e sal, assadas nas brasas........., diga leitor o que pensa,......... que eu vou escrever o que pensei e que outrora saboreei..... Era cá um petisco.....,
                                     Uma mesa "pé de galo".
Os meus pais tinham uma mesa deste tipo, em madeira.

 Com um tampo em circunferência, suportado ao meio, por um único apoio terminado num cilindro, onde estavam inseridos três pés, que suportavam toda a restante estrutura.
A mãe do nosso protagonista tinha fama de bruxa, "médium" ou possessa, e dizia-se que encarnava várias pessoas.
Nessa altura existia uma grande equipa de camaradagem, que o Al Tejo já referenciou, nalgumas crónicas. Permitam-me relembrar algumas dessas pessoas, que fizeram parte do episódio que vou relatar.
O Isidro, o mestre Manuel sapateiro, o Peças e o Zè Tatá, pediram a Mesa pé de galo ao meu pai e com a dona Laura preparam uma seção de espiritismo.
Eu e o meu amigo João Lobo, a quem passei palavra, resolvemos, muito a medo, lá espreitar.
- Estas coisas de espiritismo, - dizia-me o João - E se o espirito sai dela e entra em nós -. Devíamos fazer uma bonita figura -, repliquei.
Certo é que, num relance de foiteza nos abeirámos da porta. O silêncio às tantas da noite é terrível. Faz-nos ver o que não ouvimos, e ouvir o que não vemos. Retirámo-nos pé ante pé e já a alguma distância da porta onde decorria a seção, partimos a fugir a sete pés.
 O resultado da cena.
O senhor Zé Tatá era uma excelente pessoa, daquelas que não veem maldade em ninguém e daquele grupo era o que acreditava na dona Laura. Convidou-me um para irmos à Herdade dos Barros para pesquisarmos algo que a dona Laura dizia - a tantos metros da estrada, antes da ponte velha, da ponte romana, debaixo de uma azinheira ramalhuda estão dois cascalhos brancos e salientes, se lá cavarem encontrarão um caixa com moedas -.  Realmente as pedras estavam lá, mas pensam que eu com catorze ou quinze anos ia lá cavar?
O Isidro era tolerante e tanto escutava o Zé Tatá como os outros companheiros. - Estava-se nas tintas - Os outros dois companheiros, quando entravam em qualquer cena, fosse ela séria ou menos séria, estavam sempre na brincadeira e regra geral, com o copito a mais. Aquela cena não foi exceção.
No outro dia, e eu de noite só vi fantasmas, levantei-me cedo e perguntei o resultado ao meu tio.
- Não percebi nada, A Laura revirava a vista e parecia grunhir.
- E a mesa tremeu -, perguntei-lhe com alguma avidez.
- Tremeu, porque o Manuel sapateiro a abanava.
 - E o que disse a dona Laura - insisti.
O meu tio já um pouco agastado com tanta curiosidade, estendeu-me um papel e respondeu.
- O que está aqui escrito, lê -, e eu li.
- Lara parva, Lara parva. Era o que estava escrito no papel.
- Ó tio e se este papel vai ter às mãos da senhora.
 - Quero lá saber, ela não sabe ler -. Respondeu-me o meu tio Peças com uma calma impressionante.
Mas a cena do espiritismo não acabou neste papel, houve ainda um terceiro ato.
A minha mãe, madrinha de casamento do Zé Tatá e do meu tio Peças, conhecedora de cenas idênticas, não queria emprestar a mesa, porque tinha a certeza que aquele ato se transformava em brincadeira ou numa paródia, que ela já classificava de mau gosto. Só com muita insistência e um olhar esbugalhado do meu pai é que a famosa mesa de pé de galo saiu de casa.
Quanto o meu pai soube do resultado da sessão, chamou o meu tio e disse-lhe;
- Olha Joaquim és tu que vais entregar a Mesa à tua madrinha e aconselho-te a convidares o Manuel sapateiro. Eu já cá tenho a minha dose.

Prossegue amanhã

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