quinta-feira, 20 de abril de 2017

AS HISTÓRIAS DO LUÍS DE MATOS

                         Favas Catadas
Numa das minhas idas Terena, algumas vezes, no meu regresso a Évora, faço uma pequena paragem no Centro Cultural das Hortinhas para aí tirar um petisco, daqueles que a Felizarda sabe fazer muito bem. Tudo já antecipadamente combinado com o Manel Pisco, outras vezes com o Zé Miguel e outras ainda com o Manel Zé, ou até em grupo. Noutras ocasiões, penso fazer uma paragem mais pequena para comprar uma garrafita de água para a viagem. Quando isto acontece, é sempre uma guerra dos diabos, porque é difícil justificar aos presentes a minha pressa. Nessas ocasiões aproveita-se o tempo, para dois dedos de conversa com aqueles amigos, a que sempre se juntam outros, depois de um dia de trabalho. Foi numa dessas ocasiões, que me foi contada uma pequena história. 
Diz-me o Piteira e para quem não conhece, é um pequeno construtor civil que mora nos Orvalhos. Homem dos seus cinquenta anos, magro, alto de farfalhudo bigode e bom falador.
No tempo em que a lavoura era feita com parelhas de muares, o ti Parente e o ti Domingos Crespo, também da Aldeia de Orvalhos eram carreiros à dum lavrador qualquer, que não me soube identificar, mas de certeza que era ali perto da aldeia.
Contou-me que o ti Domingos Crespo quando ia dar a ração às bestas, tratava de catar uma porção de favas, o que fazia com que andasse sempre com os bolsos cheios para ir comendo. (Este termo “catar” só o ouvi na zona de Orvalhos e Santiago Maior e significa tirar). O ti Parente pensou em pregar uma partida ao ti Domingos, mas os outros companheiros, logo trataram de o avisar.
– Parenti, olha que eles têm lá um macho, que é bravo “pra valêri”, que espezinha as pessoas todas, o melhor é estares “queto”. Espezinha-te todo e morde-te, vás a “veri”.
– Mas ê “nan” tenho medo. Era o que mais havia de “faltari”. “Atan nan” vez quê tenho que fazêri alguma coisa?
Vai daí, o que é que vocês pensam que ele inventou?
Pegou em duas ferraduras e fazia barulho com elas, que mesmo parecia o macho a andar. Diziam os outros carreiros:
– Oh Domingos! Olha que vem aí o macho.
E o Ti Parente a meter medo ao Ti Domingos Crespo.
Quando este se apercebeu que era oTi Parente, logo pensou em pregar-lhe também uma partida.
O Ti Domingos Crespo abriu a “perciana” e meteu duas moscas vivas, que são duma raça “munto picanina”, que são brutas, daquelas que nunca largam os animais. Picam que se fartam. É que são mesmo brutas hã! Meteu-as dentro duma caixa de fósforos e colocou a caixa dentro da almofada do Ti Parente.
O Ti Parente assim que se deitava, as moscas faziam um grande zumbido junto aos ouvidos, o que fazia com que este não conseguisse dormir.
– “Ca” diabo se passa aqui?
Voltava novamente a pôr a cabeça na almofada, mas o zumbido continuava. Claro, cedo se apercebeu que era partida do companheiro Domingos. Ficou bruto, mas não deixou de ter a sua graça.
Luis de Matos​

Sem comentários: