EXTREMOS
A Europa respirou de alívio na passada quarta-feira. O teste do
populismo ficou adiado até novas eleições, desta feita em França, daqui a dois
meses. Populismo arrisca-se aliás a ser a palavra do ano, tal não é a força com
que opinion makers e académicos dentro e fora do seu habitat têm discursado,
palestrado, debatido o assunto. Do primeiro trimestre do ano, há nesta
discussão em torno do ou dos populismos uma linha que me interessa
particularmente: a que coloca as leituras que são dadas em discursos aos
cidadãos, o Povo portanto, sobre uma certa utopia da igualdade.
Quando estamos atentos aos discursos – e é bem importante que o
façamos, pois é a partir deles que podemos pedir contas, no sentido de
averiguar se “bate a bota com a perdigota”, isto é, se o que se diz é o que se
faz – teremos todos muita dificuldade em duvidar das boas intenções dos que se
propõem governar. Entre o “tudo a toda a gente” e o rigor e excelência que
todos os cidadãos e todos os lugares merecem, é difícil, mas não impossível,
ler nas entrelinhas dos discursos. Isto resulta também, desde logo, na recusa,
pelo gozo ou pelo alarmismo, dos discursos assumidamente extremados.
Não querendo fazer a defesa do politicamente incorrecto que reage
ao vazio em que caiu a expressão contrária, e porque normalmente me tenho
esforçado por ceder à tentação de atitudes e opiniões menos moderadas – a não
ser que sejam reacções inevitáveis a provocações, conscientes ou não, e
normalmente em defesa própria o que, como tal, só fica mal a mim mesma – julgo
que esta atitude “morna” pode estar a levar os mais atentos a extremar posições
e a alinhar com quem, os que se habituaram a boiar na moderação artificial, ou
goza ou acusa de terrorismo em versão menos bélica, rotulando uns e outros de
populistas. Esta colagem do populismo ao extremismo obrigou-me a arrumar os
extremos de várias áreas, assumindo, pelo menos nestes que vou enumerar, os que
tolero e os que rejeito, sem no entanto me identificar nem com um, nem com
outro. Talvez a negociação, palavra que prezo e tento praticar, seja a maneira de
estar numa sociedade que acumula democracia com capitalismo,
incontornavelmente. Sem aldrabices nem burlas, bem entendido.
Assim: de entre aquele que trata um
animal com direitos de ser humano e o que o maltrata insistindo em ser seu
dono, prefiro o primeiro; de entre o que defende contra tudo e todos o
indivíduo, ou comunidade, cultural e socialmente desadaptado e o que exige a
sua expulsão imediata do território a que não se adapta, prefiro o primeiro; de
entre quem prega insistentemente a palavra de um qualquer profeta e o que
maldiz o profeta de que não bebe as palavras, prefiro o primeiro; de entre quem
só larga piropos, ainda que de gosto muitíssimo duvidoso, e o que quer proibir
o piropo, prefiro o primeiro; de entre quem ensina que não se pode ser “mole” e
deve saber defender-se da agressão com agressão, e o que ao menor sinal abre um
processo de averiguação por bullying, prefiro o segundo; de entre quem
intervenha persistentemente no lugar em que vive, sempre que se sente ou é
chamado a contribuir para tal, e quem ou tente passar despercebido ou insista
em esperar para ver e depois criticar, prefiro o primeiro; mas de entre o que
não se importa de alinhar com quem não se identifica, porque pode vir a extrair
daí alguns dividendos, ao que prefere ser acusado de não colaboração, para que
não se lhe encontrem semelhanças, prefiro o segundo.
E haverá seguramente muitos mais extremos. Que não se tocam. E por
isso, não, nem os aparentemente moderados são todos iguais, nem os
escancaradamente extremistas estão todos abrangidos pelo direito à opinião. É
que uma coisa é a formulação de opinião, outra a formação do carácter. Até para
a semana.
Cláudia
Sousa Pereira
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