terça-feira, 21 de março de 2017

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM É ESCRITA POR CLÁUDIA SOUSA EREIRA

                                        EXTREMOS
A Europa respirou de alívio na passada quarta-feira. O teste do populismo ficou adiado até novas eleições, desta feita em França, daqui a dois meses. Populismo arrisca-se aliás a ser a palavra do ano, tal não é a força com que opinion makers e académicos dentro e fora do seu habitat têm discursado, palestrado, debatido o assunto. Do primeiro trimestre do ano, há nesta discussão em torno do ou dos populismos uma linha que me interessa particularmente: a que coloca as leituras que são dadas em discursos aos cidadãos, o Povo portanto, sobre uma certa utopia da igualdade.
Quando estamos atentos aos discursos – e é bem importante que o façamos, pois é a partir deles que podemos pedir contas, no sentido de averiguar se “bate a bota com a perdigota”, isto é, se o que se diz é o que se faz – teremos todos muita dificuldade em duvidar das boas intenções dos que se propõem governar. Entre o “tudo a toda a gente” e o rigor e excelência que todos os cidadãos e todos os lugares merecem, é difícil, mas não impossível, ler nas entrelinhas dos discursos. Isto resulta também, desde logo, na recusa, pelo gozo ou pelo alarmismo, dos discursos assumidamente extremados.
Não querendo fazer a defesa do politicamente incorrecto que reage ao vazio em que caiu a expressão contrária, e porque normalmente me tenho esforçado por ceder à tentação de atitudes e opiniões menos moderadas – a não ser que sejam reacções inevitáveis a provocações, conscientes ou não, e normalmente em defesa própria o que, como tal, só fica mal a mim mesma – julgo que esta atitude “morna” pode estar a levar os mais atentos a extremar posições e a alinhar com quem, os que se habituaram a boiar na moderação artificial, ou goza ou acusa de terrorismo em versão menos bélica, rotulando uns e outros de populistas. Esta colagem do populismo ao extremismo obrigou-me a arrumar os extremos de várias áreas, assumindo, pelo menos nestes que vou enumerar, os que tolero e os que rejeito, sem no entanto me identificar nem com um, nem com outro. Talvez a negociação, palavra que prezo e tento praticar, seja a maneira de estar numa sociedade que acumula democracia com capitalismo, incontornavelmente. Sem aldrabices nem burlas, bem entendido.
Assim: de entre aquele que trata um animal com direitos de ser humano e o que o maltrata insistindo em ser seu dono, prefiro o primeiro; de entre o que defende contra tudo e todos o indivíduo, ou comunidade, cultural e socialmente desadaptado e o que exige a sua expulsão imediata do território a que não se adapta, prefiro o primeiro; de entre quem prega insistentemente a palavra de um qualquer profeta e o que maldiz o profeta de que não bebe as palavras, prefiro o primeiro; de entre quem só larga piropos, ainda que de gosto muitíssimo duvidoso, e o que quer proibir o piropo, prefiro o primeiro; de entre quem ensina que não se pode ser “mole” e deve saber defender-se da agressão com agressão, e o que ao menor sinal abre um processo de averiguação por bullying, prefiro o segundo; de entre quem intervenha persistentemente no lugar em que vive, sempre que se sente ou é chamado a contribuir para tal, e quem ou tente passar despercebido ou insista em esperar para ver e depois criticar, prefiro o primeiro; mas de entre o que não se importa de alinhar com quem não se identifica, porque pode vir a extrair daí alguns dividendos, ao que prefere ser acusado de não colaboração, para que não se lhe encontrem semelhanças, prefiro o segundo.
E haverá seguramente muitos mais extremos. Que não se tocam. E por isso, não, nem os aparentemente moderados são todos iguais, nem os escancaradamente extremistas estão todos abrangidos pelo direito à opinião. É que uma coisa é a formulação de opinião, outra a formação do carácter. Até para a semana.

Cláudia Sousa Pereira

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