segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

MEMÓRIAS

                                                           ALFAIATES

A última Cronica do Prof. Vitor Guita  remetia-nos para a biografia de um alfaiate de renome, que por aqui exerceu a sua profissão. Tal  fez-nos acudir à memória as duas alfaiatarias que durante a minha infância/juventude existiram no Alandroal.

Quando ainda não se sonhava sequer com  prontos a vestir e que a utilização de fato e gravata era em muitos ofícios obrigatória, a profissão de alfaiate era bem rentável e dava emprego a muita gente, especialmente jovens meninas, que mais tarde viriam a exercer o ofício de modistas, ou porque como futura esposa e dona de casa prendada era de bom-tom saber manejar a agulha e o dedal.
 E se é certo que nas feiras abundavam as “barracas” de “fato feito”, o corte, a qualidade da fazenda, o acabamento ficava muito a dever ao fato confecionado pelo alfaiate que primava para que o mesmo “assentasse como uma luva”.
É provável que tal ofício tenha tido vários mestres antes, no entanto apenas posso recordar dois que conheci no Alandroal: Pedro Lavadinho e Francisco Mira, familiarmente mais conhecidos pelo Mestre Pedro e pelo Chico Mira.
Localizava-se a oficina do Mestre Pedro na Rua Dr. Manuel V. Xavier Rodrigues, precisamente no local assinalado na foto.

Por ser meu vizinho e ter uma filha da minha idade, cuja amizade ainda hoje muito prezo, era frequentador habitual (até para efeitos de brincadeiras da meninice) do local de trabalho, pelo que preservo na memória não só a alfaiataria e os utensílios utilizados que ainda hoje recordo: uma tesoura de grande tamanho, um ferro a carvão também ele de avantajada dimensão e uma larga e comprida mesa onde se procedia ao “corte”.
 Situava-se a alfaiataria na única dependência existente no rés-do-chão, dado que o primeiro andar era destinada à habitação, à qual se acedia por uma comprida e estreita escada que dava acesso à residência com reserva de uma pequena dependência que funcionava como sala de provas.
Ao longo da parede alinhavam-se as pequenas cadeiras, onde cerca de uma dezena de costureiras "alinhavavam" as peças devidamente cortadas pelo Mestre Pedro, que após escolhida a “peça” de fazenda, e tiradas as respectivas medidas, era cortada e entregue para se dar início ao casaco, calça e colete, ficando posteriormente as “provas” e o “acabamento” a cargo do mestre.
Não termino esta evocação sem deixar aqui uma palavra de sentida amizade à Lourdes, companheira de infância e uma sentida homenagem à sua  mãe, Maria Isabel, Senhora de extrema bondade e que tanto me “aturou” na meninice.
Recordemos agora a Alfaiataria Mira – de Francisco Rodrigues Mira – que se situava no cruzamento da Rua Teófilo Braga com a Rua dos Combatentes da Grande Guerra, no local que a foto nos mostra.

O seu proprietário era conhecido muito para além do Alandroal, não só pela sua amabilidade como também pelo esmero que colocava em todas as suas obras, dado o interesse que sempre demonstrou em se manter actualizado, assinando os “figurinos da moda” que continham as últimas novidades em corte e costura.
A entrada para a alfaiataria era feita por uma estreita porta, que dava acesso a uma outra lateral que nos levava a uma ampla sala, onde em tempos de Festa de Setembro chegavam a costurar cerca de 20 pessoas sob o olhar atento do Mestre que de pé, numa ampla mesa talhava o futuro fato. Numa outra sala contígua de dimensões mais pequenas situava-se a sala de provas. Foi lá que pela primeira vez eu vi um manequim de madeira envergando um fato.
Ainda hoje guardo na memória um pequeno episódio que na altura (talvez 8 ou 9 anos) me deixou deveras embaraçado e corado: a perfeição e o pormenor do Chico Mira levaram-no a perguntar-me nessa altura e na prova de umas calças: «para que lado usas o sexo?». Bem sabia eu!....
Posteriormente e quando os “pronto-a-vestir” começaram a proliferar e o ofício de alfaiate a declinar, depressa a Alfaiataria Mira se adaptou à “modernice”, com a vantagem de, se necessário, o saber do mestre entrar em acção.

Nesta pequena evocação não posso deixar de mencionar o quanto a Sociedade Alandroalense ficou a dever a estas duas personagens, de profissão Alfaiates, que sempre integraram e contribuíram com o seu esforço não só nas Instituições, Sociedades, eventos e tudo o que na altura movimentava o Alandroal, com destaque para o grande músico que foi o Chico Mira, o contributo que prestou à Santa Casa da Misericórdia (com o qual ainda tive o privilégio de colaborar), assim como o papel predominante que Mestre Pedro teve na fundação da Sociedade da Musica.
Chico Manuel –

Fevereiro 2017

5 comentários:

Helder Salgado disse...

Companheiro
É salutar recordar não só os ofícios e as artes já em extinção, mas também as pessoas que conhecemos e que nos foram quase familiares.
Veio-me à memória, com o alfaiate Lavadinho, o meu primeiro casaco. A cor da fazenda era de um azul carregado. Lembro-me perfeitamente que fui a casa do sr. Pedro para provas duas vezes. Não me recordo se o casaco era para estrear em alguma festa, sei que ele casaco, me empantuvava. Devia, então, ter os meus quinze anos, uma idade em que nós sem querer enfraquecíamos (sabe-se lá porquê) e eu dentro do casaco assemelhava-me a um palito - recordo-me que a minha avó me fez para beber uma mistura de cerveja preta com ovo e ferrada com um prego de ripar - era cá um frete beber aquilo - para enfortalecer, dizia a minha avó.
Qual carapuça ... fiquei como estou hoje. E o casaco foi como esta bebida.... só o vestia obrigado.
Um abraço
Helder

Anónimo disse...


É sempre muito gratificante e delicioso o avivar destas bonitas recordações.

Li, reli, e por escassos momentos estive lá..., Agradeço.

Não tendo sido cliente destes dois excelentes alfaiates, (por motivos óbvios...) não quero deixar de aqui salientar que fui cliente muito assídua, nos anos 70/80, (e até um pouquinha mais) de uma Modista de Mão-cheia, de seu nome, "Tomázia", (ao tempo já não residíamos no Alandroal) que, por sinal, era irmã da D. Isabel.
A minha "fatiota" era sempre muito gabada pelas minhas colegas de serviço,
tendo algumas delas experimentado (clientes) e ficado fãs.
Guardo, religiosamente, um lindo vestido, que, para mim, além de muitíssimo bem confeccionado, eu "envergava" com um pouquinho de vaidade, própria de idade, é claro, e que me remete para uma excelente época da minha vida, a Juventude. Não escondo que de vez em quando vou "espreitá.lo"...
Bons tempos...

Anónimo disse...

Boas histórias Francisco, venham mais.

Anónimo disse...



OBS.


Daqui fala o sobrinho da Maria Isabel e da Tomasia, minhas preciosas tias. Ambas muito habilidosas e, diria que, a Tomasia era mesmo uma modista de primeira qualidade. Vivaça e artista. OU não era?

A Tomasia (84 anos) agora tem andado doente. Mas aquilo que é bonito é V.

lembrar-se desse vestido feito pela minha Tia. Diga-nos lá ( agora que

ainda já não a conheço) fez ou não fez o furor nos amores junto de Amigas

e outros tais que jovens amigos eram?



E peço mais: porque é que não tira uma fotografia e manda para nós vermos.Olhe que, em dia de Namorados, seria uma bela surpresa para si e para os amores que já foram. Ou ainda estão? Ou ainda revivem quando remira o Vestido?



Com os meus melhores cumprimentos


Antonio Neves Berbem


(Sobrinho)

Anónimo disse...

Caro sobrinho da Srª Tomásia,
Agrada-me o contacto com um familiar da citada senhora que, como disse, e concordo inteiramente, era uma artista da moda. Tinha a arte e o engenho nas mãos. Conseguia que a mais humilde e simples mulher se sentisse uma verdadeira princesa numa das suas obras de arte (vestidos).
Há imagens que valem pela riqueza da vista e não por uma vulgar foto. Tal recordação, apenas e só, serve para relembrar o único amor que tive, tenho, e terei até ao fim da minha vida, o meu marido.
Pretendentes houveram alguns, mas que em nada e jamais conseguiram chegar “aos calcanhares” de com quem tenho partilhado uma vida repleta de alegria, carinho, e amor.
Tenho de admitir que sou uma privilegiada na vida que tenho tido com o Homem que me conquistou o coração, e que mo conquista todos os dias da minha vida. Nem toda a gente se poderá gabar deste sentimento que com ele partilho, e já lá vão umas valentes décadas valentes.
Quanto ao dia dos namorados, e excelente ideia que enunciou, tal vestido sairá, por breves momentos, do baú onde se encontra religiosamente acondicionado, para a celebração do dia dos namorados (que são todos os dias) e outras datas tão importantes e felizes das nossa vidas (minha e do meu marido).
Pena é, que neste mundo, infelizmente, o Amor não seja uma palavra tão igual na sintaxe como na semântica e, por isso, haja tanta gente que apenas possa coleccionar, compilar e relembrar as inúmeras relações fracassadas que tem tido pela vida fora. Talvez por despeito ou puro desconhecimento dos mais puros e simples sentimentos que existem. O Amor e o Respeito.