A PRECARIEDADE, UM CAMINHO FEITO DE CEDÊNCIAS
A precariedade nas relações laborais foi colocada na ordem do dia.
Como podemos considerar que foi colocado na ordem do dia algo que faz parte do
dia-a-dia de milhares de trabalhadores, ao ponto de ser considerado “normal”
por toda a gente?
Lembremo-nos de como se tornou um lugar-comum a afirmação de que o
“emprego para vida” já não fazia sentido e de como muitos abanaram as orelhas
em sinal de concordância?
Lembremo-nos de como a ideia de “carreira profissional” foi
ridicularizada, contrapondo-se o conceito de “projecto”, coisa muito mais
moderna, como se sabe.
Lembremo-nos de como era fixe utilizar o termo “outsourcing”, para
falar de substituição de trabalhadores com contrato sem termo, por empresas que
contratavam de forma precária, mal paga e sem direitos, trabalhadores para a
mesma função.
Lembremo-nos de quando passou a ser normal as empresas e
instituições públicas contratarem trabalhadores para funções permanentes, em
regime de subordinação hierárquica, com horário de trabalho, através de
contratos de prestação de serviços (os famosos recibos verdes) mandando às
malvas os conceitos jurídicos inerentes aos dois tipos de relação contratual.
Lembremo-nos de quando foi permitida a instalação de empresas de
trabalho temporário, que alugam mão-de-obra a empresas do sector dos seguros e
das telecomunicações, cobrando a estas o dobro do que pagam aos seus
trabalhadores, que mantêm presos a contratos mensais, nalguns casos durante
anos.
Lembremo-nos de quando os governos instituíram as figuras dos
contratos de emprego e inserção, dos estágios profissionais e de outros
mecanismos que proporcionam às instituições públicas mão-de-obra barata, que se
vai sucedendo na execução de tarefas permanentes.
Lembremo-nos do impedimento de contratação para a administração
local, empurrando as autarquias para a utilização da precariedade laboral como
única forma de suprir as necessidades de mão-de-obra e que muitos aplaudiram
como forma de “emagrecer” o Estado.
Ainda se lembram que tudo começou com aquela modernice de que o
emprego para a vida já não fazia sentido?
Foram décadas de desvalorização do trabalho e dos trabalhadores,
de diminuição de rendimentos, de perda de direitos e normalização da
intensificação da exploração, que passaram, muitas vezes, pela estratégia de
colocar trabalhadores em regime de precariedade contra trabalhadores com alguma
estabilidade laboral.
Quantas vezes ouvimos o argumento de que a facilidade de
despedimento ou, eufemisticamente, a flexibilidade da legislação laboral, era o
caminho para garantir o emprego aos mais novos, segundo princípio de que o
melhor é despedir os pais e contratar os filhos por metade do preço e, já
agora, presos pela linha frágil da precariedade?
Ontem, no debate na Assembleia da República, muitos dos que
contribuíram para aqui chegarmos pareciam um coro de anjinhos preocupados com
as relações laborais precárias e o efeito que tal pode ter no futuro do país,
mas a história do trabalho precário tem protagonistas, desde a proliferação dos
contratos a prazo, fora do então quadro legal, nos anos oitenta, até aos eternos
estagiários de hoje.
A exigência de hoje é igual à exigência dos tempos em que nos
começaram a convencer que essa coisa do “emprego para a vida” era um conceito
vetusto e sem sentido: a cada posto de trabalho permanente, um contrato de
trabalho efectivo.
Até para a semana
Eduardo Luciano
Sem comentários:
Enviar um comentário