quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM É DE EDUARDO LUCIANO

                          O QUE É IMPORTANTE
No passado domingo fui surpreendido pela notícia que me recusei a esperar. Tinha morrido o Joaquim Soares, o homem que teimou em trabalhar o cante em Évora durante mais de três décadas.
Tentei escrever uma pequena nota na minha página de facebook e não fui capaz de dizer nada. Que poderia eu dizer, que outros já não tivessem dito, sobre o operário da cultura, sobre o mestre que dirigiu os Cantares de Évora, sobre o cidadão que foi presidente de junta e vereador, sobre o teimoso defensor da cultura popular, sobre o homem que, apesar de recusar mexer na tradição, arriscou cruzar o cante com a música dita erudita ou com outras formas de música popular, em trabalhos com a Ronda dos Quatro Caminhos, ou com Amílcar Vasques-Dias e Pedro Calado.
Tendo eu memória de tudo isso, reconhecendo o seu papel em tudo isso, percebendo que a sua ausência se reflectirá em tudo o que ficou por fazer, o que mais falta me fica a fazer é a existência de um homem bom, num mundo onde escasseiam cada vez mais as pessoas com essa qualidade, que leva à acção sem construções de reservas mentais, sem desconfianças de tudo e de todos, sem o mesquinho interesse no ganho pessoal, ou da inveja que destrói por dentro gente aparentemente decente.
Quando, durante as cerimónias fúnebres me pediram para dizer algo sobre o homem que ali jazia, o que estava presente na minha busca de palavras foi o percurso que fizemos juntos, durante quatro anos, como vereadores sem pelouro na Câmara Municipal e como em todos os momentos, em particular os mais difíceis, a lealdade do Joaquim Soares esteve presente.
Perdemos todos um mestre do cante, eu sinto que perdi um dos raros (muito raros) amigos cuja lealdade era inquestionável.
Com ele aprendi que uma simples moda pode ser um hino e que pode ficar debaixo da pele de tal forma que é inevitável chorar sempre que, depois de um petisco, os Cantares de Évora se juntavam naquele canto atrás do balcão e a voz clara do Soares dizia, com a força que só ele sabia emprestar a uma moda, “O Sol é que alegra o dia, Pela manhã quando nasce. Ai de nós o que seria, Se o Sol um dia faltasse!”
Até para a semana

Eduardo Luciano

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