No
passado domingo fui surpreendido pela notícia que me recusei a esperar. Tinha
morrido o Joaquim Soares, o homem que teimou em trabalhar o cante em Évora
durante mais de três décadas.
Tentei
escrever uma pequena nota na minha página de facebook e não fui capaz de dizer
nada. Que poderia eu dizer, que outros já não tivessem dito, sobre o operário
da cultura, sobre o mestre que dirigiu os Cantares de Évora, sobre o cidadão que
foi presidente de junta e vereador, sobre o teimoso defensor da cultura
popular, sobre o homem que, apesar de recusar mexer na tradição, arriscou
cruzar o cante com a música dita erudita ou com outras formas de música
popular, em trabalhos com a Ronda dos Quatro Caminhos, ou com Amílcar
Vasques-Dias e Pedro Calado.
Tendo
eu memória de tudo isso, reconhecendo o seu papel em tudo isso, percebendo que
a sua ausência se reflectirá em tudo o que ficou por fazer, o que mais falta me
fica a fazer é a existência de um homem bom, num mundo onde escasseiam cada vez
mais as pessoas com essa qualidade, que leva à acção sem construções de
reservas mentais, sem desconfianças de tudo e de todos, sem o mesquinho
interesse no ganho pessoal, ou da inveja que destrói por dentro gente
aparentemente decente.
Quando,
durante as cerimónias fúnebres me pediram para dizer algo sobre o homem que ali
jazia, o que estava presente na minha busca de palavras foi o percurso que
fizemos juntos, durante quatro anos, como vereadores sem pelouro na Câmara
Municipal e como em todos os momentos, em particular os mais difíceis, a
lealdade do Joaquim Soares esteve presente.
Perdemos
todos um mestre do cante, eu sinto que perdi um dos raros (muito raros) amigos
cuja lealdade era inquestionável.
Com
ele aprendi que uma simples moda pode ser um hino e que pode ficar debaixo da
pele de tal forma que é inevitável chorar sempre que, depois de um petisco, os
Cantares de Évora se juntavam naquele canto atrás do balcão e a voz clara do
Soares dizia, com a força que só ele sabia emprestar a uma moda, “O Sol é que
alegra o dia, Pela manhã quando nasce. Ai de nós o que seria, Se o Sol um dia
faltasse!”
Até
para a semana
Eduardo Luciano
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