segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

LUGAR À CULTURA

          Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

                               O futuro da Liberdade

«Ser pela liberdade não é apenas tirar as correntes de alguém, mas viver de forma que respeite e melhore a liberdade dos outros.»
 Nelson Mandela
(Estadista e Nobel da Paz Sul-africano  - 1918/2013)

 O escritor espanhol Arturo Perez Reverte  -  no seu livro “Homens Bons”  -  abre-nos o espírito à seguinte constatação: «Seria de justiça recordar que, em tempos de escuridão, houve sempre homens-bons que lutaram por trazer as luzes e o progresso aos seus compatriotas...  e não faltou quem procurasse impedi-lo.» Ora, neste contexto, oferece-nos a pertinência o dever de constatar o que Vitorino Magalhães Godinho (no Prefácio à sua obra de divulgação cultural “Educação Cívica”) preconiza, de imperioso, na formação de cada homem enquanto cidadão; ora, diz-nos ele: «Neste mundo desnorteado e desenraizado, temos de repensar toda a herança da experiência dos homens e todo o cabedal que na nossa pátria se acumulou e temos malbaratado, se visamos, se queremos visar, como cidadãos de toda a terra, como portugueses, como europeus também, e como gentes de pés bem firmes no terrunho, tentar definir novas metas e caminhos para continuar a aventura humana de modo a que cada homem seja um fim em si próprio, e nenhum homem seja instrumento ao serviço de outrem» -  oferecendo-nos como arquétipos de cidadania, entre outros, o Infante D. Pedro, um Severim de Faria, um D. Luís da Cunha, além de Solano Constâncio, Herculano, Andrade Corvo, Morais Soares, Oliveira Marreca, Oliveira Martins, Basílio Teles, e António Sérgio, etc..
Ora, Sérgio  -  enquanto fervoroso defensor da democracia  -  foca-nos um ponto importantíssimo: «Sendo os homens do governo em Democracia, os executantes da opinião, quando tal opinião não existe podemo-nos queixar de que desgovernem (se podemos) mas não lhes podemos levar a mal que não governem democraticamente. Quer dizer: além dos governos (antes e acima deles) é necessária alguma coisa: é necessária a opinião pública; é necessário quem a faça, e como quem a faz são os intelectuais e os homens de elite de cada classe, é necessário e indispensável que esses homens saibam cumprir o seu dever. Democracia pressupõe elites solidamente organizadas: grupos de apóstolos que pensam e agem inspirados por uma boa ideia (ou técnica, ou política, ou económica ou pedagógica).
Ora, a qualidade eminente para o êxito de uma Democracia, é a benevolência, a fraternidade, concisamente expressas na máxima  «Fazei aos outros o que desejarias que te fizessem.» Benevolência que encontramos, por exemplo, na consideração pelas opiniões, pelas ideias, pelos interesses (pelos preconceitos mesmo); Guizot definiu a situação da cidadania, como a circunstância em que nós nos sentimos chamados a reformar, a aperfeiçoar, a regular o que existe; nós sentimo-nos capazes de agir sobre o mundo, de compreender o glorioso império da razão.
Bento de Jesus Caraça dá-nos a explicar que o exercício da “hegemonia” como processo construtivo, tem de ser obra de homens cultos na dupla e relacional acepção de indivíduos activos e conscientes, aos quais a cultura confere, por integração, a extensão de conhecimentos capazes de assegurar a sua mais radical autonomia. Será, logicamente, de uma Cultura Crítica que se trata  -  tal como a Cultura Crítica que Edward W. Said (professor da Universidade da Colúmbia, nascido em Jerusalém) refere no seu livro “Cultura e Resistência”  -  dizendo-nos ele (abordando “a mais-valia” do livro na formação do espírito): «ensino os meus alunos a lerem criticamente, o que significa torná-los capazes de uma leitura que não se limita a considerar o livro simplesmente em si próprio e sem mais, mas o situa no seu contexto, analisa as suas condições, sabe que nada acontece gratuitamente. O livro resulta de um acto de escolha, de uma série de escolhas, de processos, que implicam os seus autores e as sociedades. Os livros são elementos, por assim dizer, redes de conhecimento, informação e saber que os estudantes têm de levar em conta e enfrentar, assimilar e também abordar a fim de compreenderem como, por exemplo, um romance de língua inglesa se pode relacionar com um romance em língua inglesa escrito por um autor que não é inglês. O que eu quero é que os meus alunos compreendam, que o conhecimento e a leitura são sempre processos intermináveis. Constantemente retomados.»
Diz-nos M. Sidorov (um pensador russo, salvo erro nascido em  Moscovo): «O conhecimento é o dom mais valioso de todos quantos o homem possui». Sem dúvida, com o seu pensamento e o seu sentir, o Homem consegue compreender a beleza das coisas. Utilizando os conselhos da razão, o homem adquire força. Com a ajuda do pensamento, forma juízos de valor acerca dos demais homens e cultiva, em si mesmo, nobres qualidades. Guiando-se por ideias correctas e avançadas, o Homem luta por erigir uma sociedade mais bela, mais luminosa e mais racional».
Vivemos uma era democrática. No último século (melhor, no decurso do último século) o mundo foi marcado por uma tendência singular: a ascensão da Democracia. Em 1900 nem um único país se ajustava ao que hoje designamos por Democracia: um governo constituído através de eleições, em que participam todos os cidadãos adultos com direito a votar. Hoje, 119 países fazem-no, correspondendo a 62% de todos os países do Mundo. O que era então, uma prática peculiar de uma mão-cheia de países em redor do Atlântico Norte tornou-se a forma referencial de governo em todo o Mundo. As monarquias entraram em desuso, o fascismo e o comunismo foram definitivamente concebidos como formas de governação a não considerar. Mesmo a teocracia islâmica não atrai, hoje, senão um número limitado de fanáticos. Para a grande parte do mundo, a Democracia é a única fonte de legitimidade política que subsiste. E porque vimos abordando a “nuance” da Dignidade da Vida Humana, relacionada com a Liberdade, ocorreu-nos referir um excerto da poesia de Guerra Junqueiro (ele, um dos esteios intelectuais que “cimentariam” o advento do regime republicano); ora, Junqueiro  -  no seu poema “Mas a alma voa”  -  identifica, como condição intrínseca da Condição Humana, precisamente a “Liberdade”; diz-nos ele: «Meus filhos, a existência é boa //  Só quando é livre. A Liberdade é a lei,  //  Prende-se a asa, mas a alma voa ... //  Ó filhos, voemos pelo azul!... Comei.»   
E o melro  -  levando os filhotes, presos na gaiola, a deglutir o veneno que lhes trouxera  -  revelaria preferir (enquanto ser alado, e portanto identificável com a Liberdade) a Morte a uma prisão, mesmo que doirada.

José Alexandre Laboreiro             

In Folha de Montemor – Dezembro 2016
Transcrição autorizada pelo Autor

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