Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
O futuro da Liberdade
«Ser pela liberdade não é apenas tirar as correntes de alguém, mas
viver de forma que respeite e melhore a liberdade dos outros.»
(Estadista e Nobel da Paz
Sul-africano - 1918/2013)
O escritor espanhol
Arturo Perez Reverte - no seu livro “Homens Bons” -
abre-nos o espírito à seguinte constatação: «Seria de justiça recordar
que, em tempos de escuridão, houve sempre homens-bons que lutaram por trazer as
luzes e o progresso aos seus compatriotas...
e não faltou quem procurasse impedi-lo.» Ora, neste contexto,
oferece-nos a pertinência o dever de constatar o que Vitorino Magalhães Godinho
(no Prefácio à sua obra de divulgação cultural “Educação Cívica”) preconiza, de
imperioso, na formação de cada homem enquanto cidadão; ora, diz-nos ele: «Neste
mundo desnorteado e desenraizado, temos de repensar toda a herança da
experiência dos homens e todo o cabedal que na nossa pátria se acumulou e temos
malbaratado, se visamos, se queremos visar, como cidadãos de toda a terra, como
portugueses, como europeus também, e como gentes de pés bem firmes no terrunho,
tentar definir novas metas e caminhos para continuar a aventura humana de modo
a que cada homem seja um fim em si próprio, e nenhum homem seja instrumento ao
serviço de outrem» - oferecendo-nos como
arquétipos de cidadania, entre outros, o Infante D. Pedro, um Severim de Faria,
um D. Luís da Cunha, além de Solano Constâncio, Herculano, Andrade Corvo,
Morais Soares, Oliveira Marreca, Oliveira Martins, Basílio Teles, e António
Sérgio, etc..
Ora, Sérgio - enquanto fervoroso defensor da
democracia - foca-nos um ponto importantíssimo: «Sendo os
homens do governo em Democracia, os executantes da opinião, quando tal opinião
não existe podemo-nos queixar de que desgovernem (se podemos) mas não lhes
podemos levar a mal que não governem democraticamente. Quer dizer: além dos
governos (antes e acima deles) é necessária alguma coisa: é necessária a
opinião pública; é necessário quem a faça, e como quem a faz são os intelectuais
e os homens de elite de cada classe, é necessário e indispensável que esses
homens saibam cumprir o seu dever. Democracia pressupõe elites solidamente
organizadas: grupos de apóstolos que pensam e agem inspirados por uma boa ideia
(ou técnica, ou política, ou económica ou pedagógica).
Ora, a qualidade eminente para o êxito de uma Democracia, é
a benevolência, a fraternidade, concisamente expressas na máxima «Fazei aos outros o que desejarias que te
fizessem.» Benevolência que encontramos, por exemplo, na consideração pelas
opiniões, pelas ideias, pelos interesses (pelos preconceitos mesmo); Guizot
definiu a situação da cidadania, como a circunstância em que nós nos sentimos
chamados a reformar, a aperfeiçoar, a regular o que existe; nós sentimo-nos
capazes de agir sobre o mundo, de compreender o glorioso império da razão.
Bento de Jesus Caraça dá-nos a explicar que o exercício da
“hegemonia” como processo construtivo, tem de ser obra de homens cultos na
dupla e relacional acepção de indivíduos activos e conscientes, aos quais a
cultura confere, por integração, a extensão de conhecimentos capazes de
assegurar a sua mais radical autonomia. Será, logicamente, de uma Cultura
Crítica que se trata - tal como a Cultura Crítica que Edward W. Said
(professor da Universidade da Colúmbia, nascido em Jerusalém) refere no seu
livro “Cultura e Resistência” - dizendo-nos ele (abordando “a mais-valia” do
livro na formação do espírito): «ensino os meus alunos a lerem criticamente, o
que significa torná-los capazes de uma leitura que não se limita a considerar o
livro simplesmente em si próprio e sem mais, mas o situa no seu contexto,
analisa as suas condições, sabe que nada acontece gratuitamente. O livro
resulta de um acto de escolha, de uma série de escolhas, de processos, que
implicam os seus autores e as sociedades. Os livros são elementos, por assim
dizer, redes de conhecimento, informação e saber que os estudantes têm de levar
em conta e enfrentar, assimilar e também abordar a fim de compreenderem como,
por exemplo, um romance de língua inglesa se pode relacionar com um romance em
língua inglesa escrito por um autor que não é inglês. O que eu quero é que os
meus alunos compreendam, que o conhecimento e a leitura são sempre processos
intermináveis. Constantemente retomados.»
Diz-nos M. Sidorov (um pensador russo, salvo erro nascido
em Moscovo): «O conhecimento é o dom
mais valioso de todos quantos o homem possui». Sem dúvida, com o seu pensamento
e o seu sentir, o Homem consegue compreender a beleza das coisas. Utilizando os
conselhos da razão, o homem adquire força. Com a ajuda do pensamento, forma
juízos de valor acerca dos demais homens e cultiva, em si mesmo, nobres
qualidades. Guiando-se por ideias correctas e avançadas, o Homem luta por
erigir uma sociedade mais bela, mais luminosa e mais racional».
Vivemos uma era democrática. No último século (melhor, no
decurso do último século) o mundo foi marcado por uma tendência singular: a
ascensão da Democracia. Em 1900 nem um único país se ajustava ao que hoje
designamos por Democracia: um governo constituído através de eleições, em que
participam todos os cidadãos adultos com direito a votar. Hoje, 119 países
fazem-no, correspondendo a 62% de todos os países do Mundo. O que era então,
uma prática peculiar de uma mão-cheia de países em redor do Atlântico Norte
tornou-se a forma referencial de governo em todo o Mundo. As monarquias
entraram em desuso, o fascismo e o comunismo foram definitivamente concebidos
como formas de governação a não considerar. Mesmo a teocracia islâmica não
atrai, hoje, senão um número limitado de fanáticos. Para a grande parte do
mundo, a Democracia é a única fonte de legitimidade política que subsiste. E
porque vimos abordando a “nuance” da Dignidade da Vida Humana, relacionada com
a Liberdade, ocorreu-nos referir um excerto da poesia de Guerra Junqueiro (ele,
um dos esteios intelectuais que “cimentariam” o advento do regime republicano);
ora, Junqueiro - no seu poema “Mas a alma voa” -
identifica, como condição intrínseca da Condição Humana, precisamente a
“Liberdade”; diz-nos ele: «Meus filhos, a existência é boa // Só quando é livre. A Liberdade é a lei, //
Prende-se a asa, mas a alma voa ... //
Ó filhos, voemos pelo azul!... Comei.»
E o melro - levando os filhotes, presos na gaiola, a
deglutir o veneno que lhes trouxera
- revelaria preferir (enquanto
ser alado, e portanto identificável com a Liberdade) a Morte a uma prisão,
mesmo que doirada.
José Alexandre Laboreiro
In Folha de Montemor –
Dezembro 2016
Transcrição autorizada
pelo Autor
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