COM ESTE POEMA DA AUSENDA, E ESTE CONTO DE NATAL DO LUÍS DE MATOS, O AL- TEJO E TODOS OS SEUS COLABORADORES,
DESEJAM A TODOS OS SEUS LEITORES
BOAS FESTAS
Natal,
tempo de paz, perdão, amor.
Corações abrindo de par em par...
Aqui e além tudo faz lembrar,
Que nasceu Jesus, Nosso Salvador.
Corações abrindo de par em par...
Aqui e além tudo faz lembrar,
Que nasceu Jesus, Nosso Salvador.
Cessa-se a guerra porque é Natal,
O Menino não quer hostilidade.
Andou no Mundo a espalhar bondade,
Que há-de cobrar no juízo final.
O Menino não quer hostilidade.
Andou no Mundo a espalhar bondade,
Que há-de cobrar no juízo final.
Se o sentido do Natal é tão forte,
Que tem a força de parar uma guerra,
Dando lugar à vida e não à morte,
Que tem a força de parar uma guerra,
Dando lugar à vida e não à morte,
Porquê, a vil maldade não se encerra,
Bem longe do Mundo e nos dá, por sorte,
O Natal, um ano inteiro, na Terra?!
Bem longe do Mundo e nos dá, por sorte,
O Natal, um ano inteiro, na Terra?!
Ausenda Ribeiro
UM CONTO DE NATAL
Todos os anos, no início de Dezembro, eu tinha um
sonho. Sonhava que ia a caminho de Belém.
Recordo-me como se fosse hoje. No Inverno chovia
muito. Por isso havia muita humidade. Quando fazia frio era mesmo a sério.
Durante a noite caiam grandes geadas. Ao acordar, antes de ir para a escola
tinha o cuidado de me assomar ao postigo da porta da rua e via tudo branquinho.
As oliveiras e árvores de fruto das tapadas e dos quintais em frente da minha
casa, a rua e o largo calcetados pareciam que tinham sido enfarinhados durante
a noite. Durante o arrefecimento nocturno, as pequenas poças de água dos
caminhos ficavam congeladas e os meus pés pareciam não dar pelo frio. Era uma
alegria enorme pisar o gelo que parecia vidro. Eu continuava a sonhar que ia
para Belém.
Como havia muita humidade, o tempo era propício à
criação de musgo. Havia muito musgo nos troncos grossos das centenárias oliveiras
e nos muros de xisto das tapadas e dos quintais. Arrancava o musgo em grossas
fatias. Que coisa fofa, o musgo! Depois colocava-o com todo o cuidado num cesto
de verga e trazia-o para casa. Entregava-o à minha avó para ela cobrir a
estrutura feita com tábuas de caixotes de sabão azul, previamente montada a um
canto da sala. Com a sua paciência e sabedoria, iam nascendo caminhos feitos
com areia e pedrinhas. Depois, com o jeito e a sensibilidade que só as avós têm
na ponta dos dedos, espalhava um pouco de farinha que parecia a geada. Desfiava
um pouco de algodão e fazia pequenas pastinhas que espalhava pelas montanhas,
pelos campos e caminhos, como se fossem flocos de neve.
No dia seguinte, enquanto eu estava na escola, a avó
continuava o seu trabalho meticuloso. Ao fim do dia, quando regressava a casa,
já tinham nascido um lago e um rio feitos com pequenos pedaços de espelho. O
rio podia ser o Jordão onde João Baptista baptizava os fiéis. Uma montanha
aqui, outra acolá, uma cabana de pastores, umas ovelhas branquinhas com os seus
pequenos borregos, umas cabras e os seus cabritinhos que ela espalhava pelas
montanhas e planícies.
Enquanto tudo isto ia acontecendo, eu pensava para
comigo. Já estou mais perto de Belém. Já não deve faltar muito tempo para chegar
ao meu destino. Eu e as minhas irmãs, os meus primos e vizinhos, todos os
miúdos da rua fazíamos uma peregrinação a Belém. Mas a avó gostava de fazer o
seu trabalho em silêncio e mandava-nos embora. “Vá, já viram um bocadinho,
agora deixem-me trabalhar”, dizia a avó. Eu dava muito valor ao seu trabalho.
Ela estava a construir um cenário bíblico. Tudo era mágico para mim. Era como
se fosse um sonho. E o mais engraçado é que acabei por ficar sempre sonhando,
que todos juntos íamos para Belém.
Enquanto isto acontecia em minha casa, também na
igreja, do dia para a noite, nascia um presépio. Havia uma estrutura de madeira
em forma de cabana, o burro, a vaca, os três reis do Oriente, Maria, José e
Jesus deitado nas palhinhas. Eu achava aquilo um pouco estranho, sem graça.
Via-se que não era um presépio feito com amor, com naturalidade.
O presépio feito pela avó transmitia-nos magia. Era
como que um sonhar acordado. A minha avó tinha todos os bonecos guardados numa
pequena arca na casa do quintal e não queria que mexesse-mos nela. Ciosa como
era, só a avó é que desembrulhava as figuras com todo o cuidado. Tinha receio
que deixássemos cair as figuras no chão e se partissem. Começava então a
coloca-las em lugares estratégicos como só ela sabia fazer. Os caminhos que a
avó tinha feito iam ficando cheios de peregrinos. Os pastores desciam dos
montes. O maior, lá mais ao longe podia ser o Sinai por onde andou Moisés. Os
Magos vinham a pé, os burros e os camelos vinham carregados de presentes.
Traziam mirra, incenso e oiro.
A avó ainda não tinha colocado a cabana com Maria,
José e o Menino. Nem se via ainda a estrela mais brilhante. Havia muitas
estrelas no céu, mas a mais brilhante, ainda não tinha nascido.
Chegou a noite da missa do galo. Interrompemos a
consoada e lá fomos nós ouvir a missa à meia-noite. Quando regressámos a casa,
a avó esperava-nos com um ar misterioso. Lá estavam a cabana, com a estrela
mais brilhante, Maria, José e Jesus deitado nas palhinhas aquecido pelo bafo da
vaca e do burro. Os pastores e os três reis Magos, Gaspar, Belchior e Baltazar
e o seu séquito traziam agora o oiro, o incenso e a mirra para depositarem
junto do Menino. E nós lá estávamos assistir a tudo isto. Tínhamos finalmente
chegado a Belém para adorar o Menino. O nosso sonho tinha-se concretizado. E a
estrela mais brilhante, finalmente brilhava dentro da nossa casa e dos nossos
corações. Toda esta magia podia agradecer à avó. Ela era a nossa estrela de
prata, que nos guiava cheia de magia.
O Natal tinha entrado para dentro de nós e da nossa
casa.
Os anos passaram. Fiz-me homem e mandaram-me para a
guerra em África. Fui para um país, onde o clima em nada se assemelhava àquele
a que estava habituado. Era quente e muito húmido. Tive que me habituar ao
clima daquela terra de barros vermelhos, situada entre o Equador e o trópico de
Câncer. Mandaram-me para bem longe da avó. Passei a conviver com homens que
também tinham outras avós. Eram de outros lugares e também lá faziam outros
presépios.
Durante o longo tempo em que andei por aquelas paragens,
em todos os Natais deixaram de se fazer presépios, árvores de Natal e muito
menos troca de presentes. Fazia-se um jantar de Natal para todos os homens. Não
havia uma única mulher e muito menos uma avó. A noite de Natal era sempre uma
noite muito especial. Tornava-se nostálgica. A palavra saudade estava sempre no
ar. No dia de Natal, a solidão acompanhava-me a todas as horas sem nunca chegar
a compreender porquê. Por mais que me interrogasse, nunca fui capaz de ter uma
resposta.
Naquela noite de Natal, depois do jantar, com dois
amigos, comprámos uma garrafa de Whiskey e depressa o líquido começou a baixar
na garrafa. Juntaram-se outros amigos e bebemo-la até à última gota. Falámos da
noite de Natal, da família que estava distante, dos nossos sonhos e também de
presépios. Rimos, choramos e cantámos abraçados. Até os mais valentes, que
tinham a mania que eram duros, deixaram cair uma lágrima furtiva. Esses, os
duros, dizem que nunca choram, mas não é verdade. Vi como eram sensíveis e o
Natal pode tornar os homens melhores, mesmo naqueles momentos muito difíceis.
Só é pena que não seja assim todos os dias. Mas há sempre um dia que isso
acontece. E, naquele momento, podia estar a acontecer o mesmo em qualquer outro
Natal. Seria a minha última noite de Natal passada no sertão africano e,
abraçados, cantámos ao Menino a caminho de Belém.
Era a canção de Natal que todos os anos cantava em
família e não me tinha esquecido. “Anda burriquito/ Vamos a Belém/ Ver o
Menino/ Que a Senhora tem”.
Luís de Matos
Ilustração de Costa
Araujo Araujo
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