Terça, 06 Dezembro 2016
Foi sem surpresa que li os resultados de
mais um inquérito aos portugueses em que a maioria se diz disponível para
receber refugiados mas não imigrantes.
Os portugueses são,
entre os europeus, aqueles que aceitam melhor a vinda de refugiados, com
preferência para alguns credos em detrimento de outros, e são também dos que
mais se opõem à entrada de imigrantes por razões económicas. Foi sem surpresa,
mas com tristeza. Aquela que suplanta qualquer ponta de orgulho que não costumo
alimentar, embora não lhe seja imune, por exemplo até quando toca o hino.
Sem surpresa porque costumo ouvir as
opiniões e comentários das pessoas na rua, seja a rua da capital ou da
província. E porque frequento as redes sociais. Com tristeza porque discordo
profundamente desta postura. E, sobretudo, porque as oiço nas vozes da geração
a seguir à minha, o que atinge o meu capital de esperança nas futuras gerações.
Ou não me passassem pelas salas de aula às dezenas, todos os anos, o que me
leva a várias situações em que me olham desconfiados com o meu discurso que
lhes contraria esta e outras posturas que roçam a intolerância.
Julgava que haveria um certo pudor,
neste país que tem um Cristo a receber de braços abertos quem chega à sua
capital, em expor assim o seu medo. Porque é de medo que se trata. Medo que nos
tirem os diversos lugares que julgamos cativos ou para os que “são de cá”, ou
dos que os querem muito e temem a concorrência dos mais capazes. E são eles
próprios incapazes de incluir, repartindo “deves e haveres”, nas suas equipas.
Às tantas são os mesmos que andaram a indignar-se em público com os discursos
de Trump mas levantam assim o seu próprio muro. Que tratam uma nação como um
clube privado em que é reservado o direito de admissão pela casta e não pelo
cumprimento das regras que todos, de dentro ou de fora, têm de cumprir. Ou que
rejubilam quando algo de seu se transforma em património da humanidade.
E depois há uma questão de memória
colectiva. Parece-me que aqui somos, paradoxalmente ou talvez não, um conjunto
de cidadãos que com a mesma inchada recordação de enaltecimento do que fomos no
mundo em expansão há cinco séculos, esquecemos as vagas migratórias de um passado
mais recente. E ao medo junta-se assim um novo-riquismo colectivo, o de quem
esquece o período humilde da sua vida e rapidamente o substitui pela soberba de
quem está bem na vida e mais ninguém a seguir poderá alcançar este bem.
Finalmente, e porque o exercício de me
pôr na pele dos outros que costumo praticar me leva a tal, só será
compreensível que se justifique esta inospitalidade se, ao medo que nos torna
mesquinhos e pequeninos, se juntar a instabilidade crónica de um país
economicamente débil. É que quem não tem para si, por muito bonzinho que se
apregoe, por uma questão de sobrevivência deixa sair de si os instintos mais
básicos e animalescos. Escusava era de andar-se a apregoar o impraticado. Mais
vale cruzarem-se os braços e continuarem a queixar-se de que ninguém nos liga.
Talvez um dia, como colectivo, neste dever de cidadania cresçamos. Porque,
felizmente, vamos tendo indivíduos que se destacam, também neste aspecto, deste
colectivo.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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