Portuguesas com História
«Cada vez que uma mulher defende os seus direitos,
possivelmente sem o saber, mesmo sem o proclamar, defende os direitos de todas
as mulheres.»
Maya Angelou
Escritora e poetisa
norte-americana (Pseudónimo de Marguerite Ann Johson)
Cantora, fadista, actriz de teatro, de cinema (uma “estrela”
do séc. XX), Amália Rodrigues terá, certamente, a sua vida escrita e reescrita;
porém, face à riqueza social e artística experienciada por Amália, será -
certamente - possível depararmos com algo para contar
sobre esta Mulher, que se podia ter chamado Maria do Carmo, que escolheria o
dia para festejar o seu aniversário, e detentora de uma intuição que a levava a
considerar-se, não fadista, mas uma artista: esta Mulher que dizia dever o seu
êxito à tristeza, ao medo, à timidez ... que dizia que cantava, cantando ...
que dizia ter conquistado o direito de ser só Amália (Amália, e não dona
Amália -
como lhe chamavam os admiradores
por assim julgarem mostrar mais respeito pela Mulher que levou o fado ao
mundo e que, ao longo de meio século, gravou mais de centena e meio de discos,
entrou numa dezena de filmes, deu inúmeros espectáculos. E não fez mais, porque
não quis).
“Se” era a sua conjunção preferida: “se tivesse feito isto”,
“se tivesse feito aquilo”: interiorizando a hipótese de que “não foi
suficientemente longe”; sentindo, por outro lado, a necessidade de justificar,
de pedir desculpa pelo sucesso.
É certo que recusou uma proposta para fazer teatro em
França; é certo que não respondeu ao convite do actor Anthony Quinn (que
gostaria de ter contracenado com ela): Quinn, que (no ano de 1967) lhe
entregará, em Cannes, o Prémio MIDEM (disco de ouro para quem vende mais no seu
País) -
galardão que ela também ganharia nos dois anos seguintes.
De igual modo, o popular actor Danny Kaye manifestaria o
gosto de ver Amália actuar (numa audição conjunta consigo) num espectáculo na
Broadway. Ela, porém, recusou-se a ir, quando
- nos inícios de 1950 -
actuava em Nova York. Bem como não aceitou em participar em dois discos
com canções de Cole Porter (um dos mais destacados compositores
norte-americanos), bem como incluiriam estes dois discos, várias canções dos
conhecidos compositores norte-americanos George Gershwin (com o célebre “Summer
time”) e Jerome Kern (o autor de mais de setecentos clássicos): argumentando
Amália esta rejeição em permanecer na América, com a saudade - a
par de não sentir propensão para trabalhar canções, ensaiar, cantar em inglês.
Não deixando, contudo, de participar (1953) num programa de
grande audiência (produzido por Eddie
Fisher) na cadeia televisiva NBC) - sendo a primeira portuguesa a cantar na
televisão norte-americana: abrindo o caminho que conduzirá Amália a editar
“Long Plays” nos Estados Unidos, a actuar em Hollywood e Nova York (1960 e
1970), mesmo a actuar num Concerto acompanhada por uma Orquestra Sinfónica
dirigida pelo maestro russo André Kostelnetz: percorrendo mesmo “meio-mundo” em
digressão cultural (actuando em França, Itália, Inglaterra, México, Argentina,
União Soviética).
Amália gravaria ainda um disco para a UNESCO (ao lado de
Maria Callas e de John Lennon) Amália “abriu-se ao Mundo” e - com
o seu talento - conquistou o Mundo: chamam-lhe “a bela
Amália, a rainha do fado, a grande intérprete da alma ibérica”. É uma
“estrela”.
Amália nasceu em Lisboa
- filha de um casal de beirões
(Beira Baixa), que se radicara na grande cidade na expectativa de arranjar
trabalho (1920).
De si, dizia ela: «tive uma carreira internacional muito
grande, cantei nas melhores casas de espectáculos do mundo, cantei para as
colónias de portugueses em toda a parte, fui aplaudida por todo a gente, mas
não tirei partido disso. Porquê ? Por falta de ambição».
E Amália dizia o que sentia, recusava hipocrisias, cultivava
a honestidade.
Há uma frase sua, repetida várias vezes em diversas obras em
que é retratada: «A diferença entre vocês e os de antigamente é que vocês
sentam-me à vossa mesa» - explicando assim a diferença que sentia haver
entre a ditadura do Estado Novo, e o Portugal Democrático de 1974. Amália
sofreria alguns dissabores nos momentos pós-Revolução de 25 de Abril. Porém, o
Regime Democrático, uma vez vivenciando
a autenticidade do pensamento que a livre discussão de ideias proporciona (eliminando
os sectarismos), prestaria homenagem a Amália
- que seria condecorada pelo
Presidente Mário Soares, com a Ordem do Infante D. Henrique (1980).
Amália, verdadeira representante da “alma nacional” -
bebendo o “sentir” português certamente na Poesia Trovadoresca, em
Bernardim, em Camões, no Romantismo
- impor-se-ia como um “ícone”
nacional (não só reproduzindo os nossos valores nas suas interpretações, que
surgiriam como um expoente do nosso “sentir”), como emergiria
internacionalmente (qual autêntica embaixadora)
- nas suas múltiplas actuações
pelos vários cantos do mundo - como o “rosto” poético e musical da nossa
maneira de estar no mundo (tal como a haviam estudado antes Manuel Laranjeira e
Unamuno), e nos lembram as guitarras encontradas entre o espólio português
deixado na infausta Batalha de Alcácer-Quibir.
In “O Montemorense” –
Setembro 2016 – Transcrição autorizada pelo Autor
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