quinta-feira, 24 de novembro de 2016

LUGAR À CULTURA – Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

Portuguesas com História
                                                Amália Rodrigues

«Cada vez que uma mulher defende os seus direitos, possivelmente sem o saber, mesmo sem o proclamar, defende os direitos de todas as mulheres.»
Maya Angelou
Escritora e poetisa norte-americana (Pseudónimo de Marguerite Ann Johson)

Cantora, fadista, actriz de teatro, de cinema (uma “estrela” do séc. XX), Amália Rodrigues terá, certamente, a sua vida escrita e reescrita; porém, face à riqueza social e artística experienciada por Amália, será  -  certamente  -  possível depararmos com algo para contar sobre esta Mulher, que se podia ter chamado Maria do Carmo, que escolheria o dia para festejar o seu aniversário, e detentora de uma intuição que a levava a considerar-se, não fadista, mas uma artista: esta Mulher que dizia dever o seu êxito à tristeza, ao medo, à timidez ... que dizia que cantava, cantando ... que dizia ter conquistado o direito de ser só Amália (Amália, e não dona Amália  -  como lhe chamavam os admiradores  por assim julgarem mostrar mais respeito pela Mulher que levou o fado ao mundo e que, ao longo de meio século, gravou mais de centena e meio de discos, entrou numa dezena de filmes, deu inúmeros espectáculos. E não fez mais, porque não quis).
“Se” era a sua conjunção preferida: “se tivesse feito isto”, “se tivesse feito aquilo”: interiorizando a hipótese de que “não foi suficientemente longe”; sentindo, por outro lado, a necessidade de justificar, de pedir desculpa pelo sucesso.
É certo que recusou uma proposta para fazer teatro em França; é certo que não respondeu ao convite do actor Anthony Quinn (que gostaria de ter contracenado com ela): Quinn, que (no ano de 1967) lhe entregará, em Cannes, o Prémio MIDEM (disco de ouro para quem vende mais no seu País)  -  galardão que ela também ganharia nos dois anos seguintes.
De igual modo, o popular actor Danny Kaye manifestaria o gosto de ver Amália actuar (numa audição conjunta consigo) num espectáculo na Broadway. Ela, porém, recusou-se a ir, quando  -  nos inícios de 1950  -  actuava em Nova York. Bem como não aceitou em participar em dois discos com canções de Cole Porter (um dos mais destacados compositores norte-americanos), bem como incluiriam estes dois discos, várias canções dos conhecidos compositores norte-americanos George Gershwin (com o célebre “Summer time”) e Jerome Kern (o autor de mais de setecentos clássicos): argumentando Amália esta rejeição em permanecer na América, com a saudade  -  a par de não sentir propensão para trabalhar canções, ensaiar, cantar em inglês.
Não deixando, contudo, de participar (1953) num programa de grande  audiência (produzido por Eddie Fisher) na cadeia televisiva NBC)  -  sendo a primeira portuguesa a cantar na televisão norte-americana: abrindo o caminho que conduzirá Amália a editar “Long Plays” nos Estados Unidos, a actuar em Hollywood e Nova York (1960 e 1970), mesmo a actuar num Concerto acompanhada por uma Orquestra Sinfónica dirigida pelo maestro russo André Kostelnetz: percorrendo mesmo “meio-mundo” em digressão cultural (actuando em França, Itália, Inglaterra, México, Argentina, União Soviética).
Amália gravaria ainda um disco para a UNESCO (ao lado de Maria Callas e de John Lennon) Amália “abriu-se ao Mundo” e  -  com o seu talento  -  conquistou o Mundo: chamam-lhe “a bela Amália, a rainha do fado, a grande intérprete da alma ibérica”. É uma “estrela”.
Amália nasceu em Lisboa  -  filha de um casal de beirões (Beira Baixa), que se radicara na grande cidade na expectativa de arranjar trabalho (1920).
De si, dizia ela: «tive uma carreira internacional muito grande, cantei nas melhores casas de espectáculos do mundo, cantei para as colónias de portugueses em toda a parte, fui aplaudida por todo a gente, mas não tirei partido disso. Porquê ? Por falta de ambição».
E Amália dizia o que sentia, recusava hipocrisias, cultivava a honestidade.
Há uma frase sua, repetida várias vezes em diversas obras em que é retratada: «A diferença entre vocês e os de antigamente é que vocês sentam-me à vossa mesa»  -  explicando assim a diferença que sentia haver entre a ditadura do Estado Novo, e o Portugal Democrático de 1974. Amália sofreria alguns dissabores nos momentos pós-Revolução de 25 de Abril. Porém, o Regime Democrático, uma vez  vivenciando a autenticidade do pensamento que a livre discussão de ideias proporciona (eliminando os sectarismos), prestaria homenagem a Amália  -  que seria condecorada pelo Presidente Mário Soares, com a Ordem do Infante D. Henrique (1980).
Amália, verdadeira representante da “alma nacional”  -  bebendo o “sentir” português certamente na Poesia Trovadoresca, em Bernardim, em Camões, no Romantismo  -  impor-se-ia como um “ícone” nacional (não só reproduzindo os nossos valores nas suas interpretações, que surgiriam como um expoente do nosso “sentir”), como emergiria internacionalmente (qual autêntica embaixadora)  -  nas suas múltiplas actuações pelos vários cantos do mundo  -  como o “rosto” poético e musical da nossa maneira de estar no mundo (tal como a haviam estudado antes Manuel Laranjeira e Unamuno), e nos lembram as guitarras encontradas entre o espólio português deixado na infausta Batalha de Alcácer-Quibir.
 José Alexandre Laboreiro
 In “O Montemorense” – Setembro 2016 – Transcrição autorizada pelo Autor



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