Quinta,
13 Outubro 2016
Vamos lá acertar contas acerca da guerra
civil que rebentou na cidade grande, durante esta semana.
Não gosto de gente que tem como único
motivo de conversa os títulos do Correio da Manhã. Sejam advogados, médicos,
engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que olha pela janela do carro e a propósito de qualquer
coisa que julga fora do sítio, desata a desejar que o Salazar ressuscite e que
devia era ser tudo posto na ordem, de preferência à paulada ou a tiro. Sejam
advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que tem outra gente a
trabalhar para si, sem salário, à peça, a receber uma percentagem do que
consegue angariar dos clientes, utilizando mão-de-obra em desespero para compor
salários de miséria ou prestações de desemprego indignas. Sejam advogados,
médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que acha que os
outros, sejam eles quem forem, são todos uns malandros e preguiçosos e que a
única força que faz avançar o mundo é a sua própria existência. Sejam
advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente que afirma que as
virgens e as leis existem para serem violadas. Sejam advogados, médicos,
engenheiros, sapateiros ou motoristas de táxi.
Não gosto de gente racista, xenófoba,
que faz intriga enquanto trabalha e que se julga guardiã do templo supremo da
moral e bons costumes. Sejam advogados, médicos, engenheiros, sapateiros ou
motoristas de táxi.
Não gosto de muito mais coisas e
comportamentos, mas o que é que isso tem a ver com o facto de que quem exerce
uma actividade, no caso o transporte individual de passageiros, dever estar
sujeita às mesmas regras?
Não se trata de uma luta “entre
carteiros e serviço de e-mail”. Não se trata de um combate entre a modernidade
e os resquícios do passado. O serviço de táxi pode (e deve, digo eu) usar
plataformas tecnológicas idênticas às Uber’s deste mundo. Se o fizer não deixará
de estar sujeito às regras que conformam a actividade do serviço de transporte
individual de passageiros. Logo, a questão é a de tratamento igual perante a
lei no exercício diverso da mesma profissão.
Independentemente da opinião negativa
que todos nós possamos ter sobre o estereótipo do “motorista de táxi”, julgo
ser da mais elementar justiça a exigência de regras iguais para todos os que
exercem a mesma actividade, quer do ponto de vista fiscal, quer do ponto de
vista regulamentar.
Já agora, deixem que vos diga, que isto
não significa que esteja do lado de gente que agride outros trabalhadores (tão
explorados como eles), de gente que manda os motoristas da UBER para a terra
deles (não sabia que existia uma terra de motoristas dessa multinacional) ou
dos que sem saberem muito bem o que estavam a ali a fazer foram dizendo e
fazendo coisas que iam retirando base de apoio ao que era essencial no
protesto.
Não gostei mesmo nada de muita coisa que
vi e ouvi durante aquela manifestação e, confesso, quase me apeteceu dizer “é
bem feito, têm o que merecem”. Depois lembrei-me que apesar de não gostar do
que via e ouvia isso não era o suficiente para defender que uma qualquer
multinacional beneficiasse de regras diferentes para o exercício da mesma
actividade.
Até para a semana
Eduardo Luciano
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