sexta-feira, 9 de setembro de 2016

PÁGINA CULTURAL

LUGAR À CULTURA – Baseado em Textos do Dr.                                                           Alexandre Laboreiro.
                                  Portuguesas com História

                                   Sophia de Mello Breyner
 «A Cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos».
 António Lobo Antunes

Muitas centenas de pessoas seguiram-na, verdadeiramente comovidos  -  fazendo parar o trânsito lisboeta durante meia hora: muitos conheciam-na bem, e outros estavam ali apenas ao sentirem-se altamente identificados com o nível estético da sua poesia. Altamente emocionados, todos: desde o Presidente da República ao cidadão comum. Sophia de Mello Breyner Andresen viveu oitenta e quatro anos, até ao dia 2 de Julho de 2004. «Quando eu morrer, voltarei para buscar  // Os instantes que não vivi junto do mar»  -  seriam os versos mais citados nas notícias dos jornais, referindo o falecimento desta Figura que é considerada uma das Portuguesas mais importantes da Literatura do séc. XX, uma poetisa que preferia ser chamada de poeta.
Enlaçado por uma echarpe azul, o caixão de Sophia saiu da Igreja da Graça, e foi levado para o Cemitério de Carnide. Antes, realizara-se a cerimónia religiosa, com uma missa peculiar: um desfile de amigos, que a homenagearam lendo em voz alta os textos Bíblicos, de que ela mais gostava. Outros recitaram poemas de Sophia, e outros leram textos  seus,  escritos propositadamente para homenagear Sophia: tal como, «a Sophia foi um dos milagres acontecidos à nossa alma. Visionária do visível, reinventou uma sonoridade límpida para os nomes que damos às coisas, o mar, a luz, o fogo, a cal dos quartos onde se cresceu só, a justiça, a liberdade. Durante anos levantou a cabeça das nossas crianças para o assombro»  -  leu Maria Velho da Costa, escritora, sua amiga de longa data.
«Os criadores, os artistas, os cientistas, são terrivelmente maltratados nos funerais. A obra que deixaram é considerada mais importante do que as pessoas que a criaram... para a minha sensibilidade, é uma tristeza enorme mesmo numa obra tão bela, como a de Sophia» -  disse, durante a missa, o Frei Bento Domingues (amigo pessoal da Família, e com quem a escritora, católica praticante, rezou inúmeras vezes).
Sophia, por dias, não recebeu a Medalha de Honra das mãos do Presidente da República do Chile  -  estando a entrega das condecorações previstas para 12 de Julho: galardão atribuído (entre uma centena de personalidades) a dois portugueses: Sophia e José Saramago  -  galardão atribuído pelo Presidente Chileno, no âmbito da comemoração do nascimento de Pablo Neruda.
Na mesma forma, Sophia de Mello Breyner seria agraciada pelos reis de Espanha  -  com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana; porém, far-se-ía representar no Paço Real de Madrid, pelo seu filho: o jornalista e escritor Miguel de Sousa Tavares. Ora, a primeira poesia que Sophia conhecera, seria a “Nau Catrineta”  -  inspirada nas atribulações que uma nau portuguesa (a “Santo António”) sofreria no trajecto Brasil-Portugal (séc. XVI)  -  uma vez atacada por piratas. E, curiosamente, seria uma empregada de Sophia, quem lhe ensinou o poema.
Curiosamente, Sophia será reconhecida como uma escritora de referência  -  enquanto baliza no desenrolar da vida literária entre nós. Diz-nos Herberto Helder: «Sophia foi um dos exemplos maiores que me ajudaram a sobreviver no inferno da tóxica, da mortífera província cultural e humana, década de 50, 51 e 52; à volta só debilidades, impraticabilidade, prosa -  imagine-se. Imagine-se: fiquei intacto. Fica assente a quem o devo. Também a ela, sim, ela que decide o princípio, mostrou que as “coisas, têm uma alma virgem”, e que “através de todas as presenças” caminhava para a unidade».
Porém, na formação cultural de Sophia, desempenharia um papel fundamental o avô materno (Tomás de Mello Breyner)  -  que a induziu à leitura de Luís de Camões e Antero de Quental; com ele igualmente aprendendo que há intelectuais que não são inteligentes, e que se não deve exagerar nem ser presunçoso. Efectivamente, Sophia  -  do lado da mãe  -  ganhou a cultura; do lado do pai, receberia o bem-estar material.
Nasceu nos arredores do Porto, pelo que a infância passou-a a olhar a Foz do Douro, vivenciando as férias na Praia da Granja (Espinho)  -  onde o mar constituiria uma força despoletadora de inspiração para sempre. Criança ainda, pensava que havia lugares mágicos no jardim  -  onde podia ouvir poemas, se se mantivesse queda e muda. Menina ainda (aos doze anos) ganhou a certeza daquilo que queria ser quando fosse grande: dizendo a sua mãe que lia  -  não maiormente por deleite espiritual  -  mas porque queria ser escritora. E, efectivamente, assumiria uma personalidade literária que  -  a par da qualidade estética  -  nos legaria treze livros de prosa e vinte e seis de poemas (a par de traduções para a língua portuguesa de obras de clássicos  -  como Dante, Claudel, Shakespeare, entre outros).
Sophia sairia do Colégio do Sagrado Coração de Maria  -  aos dezasseis anos, para frequentar o Curso de Filologia Clássica, na Faculdade de Letras de Lisboa  -  mas não terminou: três anos depois, a escrita impõe-se de vez para Sophia, pelo que regressa ao Porto  -  tendo publicado o seu primeiro livro: “Poesias”;  tinha Sophia vinte e cinco anos.
Em 1946, Sophia volta para Lisboa, casada com o conhecido advogado Francisco Sousa Tavares (rebelde monárquico que fez do Centro Nacional de Cultura um quartel contra o Estado Novo). E voltou para ficar, para escrever, para ter filhos, para resistir ao regime ditatorial. Aliás, Sophia considerava-se antifascista, antissalazarista, antiditaduras. Sophia foi uma das fundadoras da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (1969), já o Governo era chefiado por Marcelo Caetano  -  mantendo-se o marasmo fruto da repressão.
Porém, com a Revolução de Abril de 1974, Sophia  -  ao sentir liberta a sua alma de poeta -  lança “A poesia está na rua” (ou não fosse o coração dos poetas avesso à opressão). E Sophia será eleita Deputada à Assembleia Constituinte nas listas do Partido Socialista. Porém, ao atingir os cinquenta anos, abandona a política activa, para se dedicar  à escrita  -  continuando a disseminar o conhecimento e a opinião, pelo livro e o jornalismo.
Mas Sophia escreveu também para os mais pequenos (ao escrever histórias para os seus cinco filhos  -  no intuito de entreter inteligentemente). São dessa altura, os livros “Menina do Mar” e “A Fada Oriana”.
«Ser ao mesmo tempo poeta, mulher de D. Quixote, e mãe de cinco filhos, é uma tripla tarefa bastante esgotante»  -  escreve ela numa carta ao escritor Jorge de Sena (1963)  -  exilado político nos Estados Unidos.
Sophia nasceu no Porto (1919), numa casa do séc. XVIII; onze anos passados sobre a morte de D. Carlos e seu filho Luís Filipe (o príncipe herdeiro). Ora, a mãe de Sophia era oriunda de uma ascendência aristocrática  -  sendo igualmente católica, liberal por tradição; seu pai tinha uma ascendência dinamarquesa  -  oriundo de uma família que trocaria a Dinamarca pelo Porto, onde se estabeleceram num negócio de vinhos e de transportes marítimos (com que criaram uma fortuna)

José Alexandre Laboreiro
In: Montemorense – Julho 2016
Transcrição autorizada pelo Autor

                                                                                                                                        

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