LUGAR À CULTURA –
Baseado em Textos do Dr.                                                           Alexandre Laboreiro.
                                  Portuguesas com História
                                   Sophia de Mello
Breyner
Muitas centenas de pessoas seguiram-na, verdadeiramente
comovidos  -  fazendo parar o trânsito lisboeta durante
meia hora: muitos conheciam-na bem, e outros estavam ali apenas ao sentirem-se
altamente identificados com o nível estético da sua poesia. Altamente
emocionados, todos: desde o Presidente da República ao cidadão comum. Sophia de
Mello Breyner Andresen viveu oitenta e quatro anos, até ao dia 2 de Julho de
2004. «Quando eu morrer, voltarei para buscar 
// Os instantes que não vivi junto do mar»  - 
seriam os versos mais citados nas notícias dos jornais, referindo o
falecimento desta Figura que é considerada uma das Portuguesas mais importantes
da Literatura do séc. XX, uma poetisa que preferia ser chamada de poeta.
Enlaçado por uma echarpe azul, o caixão de Sophia saiu da
Igreja da Graça, e foi levado para o Cemitério de Carnide. Antes, realizara-se
a cerimónia religiosa, com uma missa peculiar: um desfile de amigos, que a
homenagearam lendo em voz alta os textos Bíblicos, de que ela mais gostava.
Outros recitaram poemas de Sophia, e outros leram textos  seus, 
escritos propositadamente para homenagear Sophia: tal como, «a Sophia
foi um dos milagres acontecidos à nossa alma. Visionária do visível, reinventou
uma sonoridade límpida para os nomes que damos às coisas, o mar, a luz, o fogo,
a cal dos quartos onde se cresceu só, a justiça, a liberdade. Durante anos
levantou a cabeça das nossas crianças para o assombro»  -  leu
Maria Velho da Costa, escritora, sua amiga de longa data.
«Os criadores, os artistas, os cientistas, são terrivelmente
maltratados nos funerais. A obra que deixaram é considerada mais importante do
que as pessoas que a criaram... para a minha sensibilidade, é uma tristeza
enorme mesmo numa obra tão bela, como a de Sophia» -  disse, durante a missa, o Frei Bento Domingues
(amigo pessoal da Família, e com quem a escritora, católica praticante, rezou
inúmeras vezes).
Sophia, por dias, não recebeu a Medalha de Honra das mãos do
Presidente da República do Chile  -  estando a entrega das condecorações previstas
para 12 de Julho: galardão atribuído (entre uma centena de personalidades) a
dois portugueses: Sophia e José Saramago 
-  galardão atribuído pelo
Presidente Chileno, no âmbito da comemoração do nascimento de Pablo Neruda.
Na mesma forma, Sophia de Mello Breyner seria agraciada
pelos reis de Espanha  -  com o Prémio Rainha Sofia de Poesia
Ibero-Americana; porém, far-se-ía representar no Paço Real de Madrid, pelo seu
filho: o jornalista e escritor Miguel de Sousa Tavares. Ora, a primeira poesia
que Sophia conhecera, seria a “Nau Catrineta” 
-  inspirada nas atribulações que
uma nau portuguesa (a “Santo António”) sofreria no trajecto Brasil-Portugal
(séc. XVI)  -  uma vez atacada por piratas. E, curiosamente,
seria uma empregada de Sophia, quem lhe ensinou o poema.
Curiosamente, Sophia será reconhecida como uma escritora de
referência  -  enquanto baliza no desenrolar da vida
literária entre nós. Diz-nos Herberto Helder: «Sophia foi um dos exemplos
maiores que me ajudaram a sobreviver no inferno da tóxica, da mortífera
província cultural e humana, década de 50, 51 e 52; à volta só debilidades,
impraticabilidade, prosa -  imagine-se.
Imagine-se: fiquei intacto. Fica assente a quem o devo. Também a ela, sim, ela
que decide o princípio, mostrou que as “coisas, têm uma alma virgem”, e que
“através de todas as presenças” caminhava para a unidade».
Porém, na formação cultural de Sophia, desempenharia um
papel fundamental o avô materno (Tomás de Mello Breyner)  -  que
a induziu à leitura de Luís de Camões e Antero de Quental; com ele igualmente
aprendendo que há intelectuais que não são inteligentes, e que se não deve
exagerar nem ser presunçoso. Efectivamente, Sophia  -  do
lado da mãe  -  ganhou a cultura; do lado do pai, receberia o
bem-estar material.
Nasceu nos arredores do Porto, pelo que a infância passou-a
a olhar a Foz do Douro, vivenciando as férias na Praia da Granja (Espinho)  -  onde
o mar constituiria uma força despoletadora de inspiração para sempre. Criança
ainda, pensava que havia lugares mágicos no jardim  -  onde
podia ouvir poemas, se se mantivesse queda e muda. Menina ainda (aos doze anos)
ganhou a certeza daquilo que queria ser quando fosse grande: dizendo a sua mãe
que lia  -  não maiormente por deleite espiritual  -  mas
porque queria ser escritora. E, efectivamente, assumiria uma personalidade literária
que  - 
a par da qualidade estética 
-  nos legaria treze livros de
prosa e vinte e seis de poemas (a par de traduções para a língua portuguesa de
obras de clássicos  -  como Dante, Claudel, Shakespeare, entre
outros).
Sophia sairia do Colégio do Sagrado Coração de Maria  -  aos
dezasseis anos, para frequentar o Curso de Filologia Clássica, na Faculdade de
Letras de Lisboa  -  mas não terminou: três anos depois, a escrita
impõe-se de vez para Sophia, pelo que regressa ao Porto  - 
tendo publicado o seu primeiro livro: “Poesias”;  tinha Sophia vinte e cinco anos.
Em 1946, Sophia volta para Lisboa, casada com o conhecido
advogado Francisco Sousa Tavares (rebelde monárquico que fez do Centro Nacional
de Cultura um quartel contra o Estado Novo). E voltou para ficar, para
escrever, para ter filhos, para resistir ao regime ditatorial. Aliás, Sophia
considerava-se antifascista, antissalazarista, antiditaduras. Sophia foi uma
das fundadoras da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (1969), já
o Governo era chefiado por Marcelo Caetano 
-  mantendo-se o marasmo fruto da
repressão.
Porém, com a Revolução de Abril de 1974, Sophia  -  ao
sentir liberta a sua alma de poeta - 
lança “A poesia está na rua” (ou não fosse o coração dos poetas avesso à
opressão). E Sophia será eleita Deputada à Assembleia Constituinte nas listas
do Partido Socialista. Porém, ao atingir os cinquenta anos, abandona a política
activa, para se dedicar  à escrita  - 
continuando a disseminar o conhecimento e a opinião, pelo livro e o
jornalismo. 
Mas Sophia escreveu também para os mais pequenos (ao
escrever histórias para os seus cinco filhos 
-  no intuito de entreter
inteligentemente). São dessa altura, os livros “Menina do Mar” e “A Fada
Oriana”.
«Ser ao mesmo tempo poeta, mulher de D. Quixote, e mãe de
cinco filhos, é uma tripla tarefa bastante esgotante»  - 
escreve ela numa carta ao escritor Jorge de Sena (1963)  - 
exilado político nos Estados Unidos.
Sophia nasceu no Porto (1919), numa casa do séc. XVIII; onze
anos passados sobre a morte de D. Carlos e seu filho Luís Filipe (o príncipe
herdeiro). Ora, a mãe de Sophia era oriunda de uma ascendência
aristocrática  -  sendo igualmente católica, liberal por
tradição; seu pai tinha uma ascendência dinamarquesa  - 
oriundo de uma família que trocaria a Dinamarca pelo Porto, onde se
estabeleceram num negócio de vinhos e de transportes marítimos (com que criaram
uma fortuna)
José Alexandre Laboreiro
In: Montemorense – Julho 2016
Transcrição autorizada pelo Autor


 
 
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