– Uma
vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e
costumes de outros tempos
Santa Sofia
A
pitoresca e pequena aldeia de Santa Sofia é um lugar muito formoso cuidado e
limpo, que dista onze quilómetros da sede do concelho. O seu casario é caiado
com as cores típicas do Alentejo – o branco e o azul. A cor branca torna a casa
mais fresca, protegendo-a dos raios solares, mas, como não há bela sem senão –
atrai as moscas, as melgas e os mosquitos. Para afugentar estes insectos,
alguém propôs a colocação de orlas azuis à volta das portas e janelas e também
no roda-pé. Este original repelente, não permitia o acesso destes invertebrados
ao interior das casas. O povo acreditava também que a cercadura azul afastava
os maus espíritos.
Esta
antiga freguesia de Montemor-o-Novo tem placa toponímica bem visível da Estrada
Nacional n.º 114. Desta importante e movimentada via rodoviária, avista-se a
aldeia, a desactivada escola primária e a envelhecida igreja. Neste lugar, está
instalada a área de serviço da A 6, também visível da estrada que nos leva até
Évora.
O
concelho montemorense pode orgulhar-se de ser o único no país a possuir uma
freguesia com a invocação de Santa Sofia.
Mas
afinal, quem foi esta santa que deu o nome a esta colorida povoação
montemorense? Foi uma nobre matrona romana, nascida no ano de 101, a quem foi posto o nome
de Sofia, que significa “Sabedoria Divina”. Teve três filhas: Fé, Esperança e
Caridade. Numa época de intensas perseguições ao Cristianismo, conseguiu educar
as filhas num recto amor pelas virtudes. Esta opção deixou marcas, pois o
prefeito do Imperador Romano Adriano, Antíoco de seu nome, torturou até à morte
as filhas de Sofia, de 12, 10 e 9 amos de idade. Algum tempo depois, enquanto
rezava sobre o túmulo das três filhas, Sofia caiu morta sobre ele. Foi em 30
Setembro do ano de 130. Sofia, transformou-se uns anos mais tarde em Santa Sofia , mas, por
motivos que desconhecemos, não consta no Martirológico Romano.
A
aldeia de Santa Sofia, já era freguesia em 1534, e de acordo com o Cura João
Callado de Vila Lobos, nas Memórias Paroquiais de 1758, a paróquia possuía 79
fogos e 372 moradores.
A
igreja quatrocentista (há noticias suas a partir de 1424, existentes no Arquivo
Capitular da Sé de Évora), edificada sobre o adro artificial, que avança sobre
a várzea sujeita a frequentes inundações da ribeira de Santa Sofia, na linha do
ocidente, é obra de arquitectura popular, aparente, de uma reforma seiscentista
na cabeceira e do período muito avançado de setecentos no corpo da nave e
alpendre-coro de dois arcos redondos, cuja frontaria, engalanada nos acrotérios
por fogaréus, é de empena semicircular sobrepujada de campanário deprimido,
composto por sino de bronze fundido, anepígrafo. Nartex de tecto de barrete de
clérigo e porta de madeira almofadada, com pregaria e espelhos antropomórficos,
exóticos, de meados do séc. XVIII.
Os prospectos
da nave são iluminados por lanternetas do tipo de mansarda pombalina.
Presbitério reforçado por botaréus semicilíndricos e sacristia muito pitoresca,
na banda norte, também de gigantes e pináculos piramidal, agulhado, de lanterna
arredondada e telhado de linhas radiadas rematado por agulha cónica. Contra a
face oposta, sensivelmente, subsiste o carneiro antigo com sinal, na parede, de
cruz relevada.
O
cruzeiro do adro, de mármore branco, é constituído por obelisco de forma
clássica, em cuja peanha se gravou a data do fecho da obra:
A. D. /
M. DCCI
O interior
da nave, de ampliação setecentista, de planta rectangular muito alongada e de
abóbada de meio canhão, nada conserva de interesse artístico nos seus cinco
tramos ornados por tabelas de estuque coloridos e apainelados com vasos
naturalistas, retocados no ano de 1874. No pano correspondente ao coro lê-se,
em composição a têmpera, do estilo rococó, do último quartel do séc. XVIII,
engalanada pelos habituais elementos envieirados, lambrequins, cornucópias e
arabescos, a legenda latina de louvor à Virgem:
TOTA
PYLCA /
EST MARIA /
ET MACVULA ORIGINALIS /
NOMEST / INTE
Os alçados laterais, junto da boca da capela-mor,
intervalados pela divisória cruzeira de lenho vulgar, pintado, são compostos
por quatro altares devocionais dos antigos fregueses das circunvizinhanças,
hoje quase abandonados e assim intitulados:
Lado
do Evangelho (do santuário para a entrada do templo): “Santo António”. Tem
retábulo porticado, em talha do estilo rococó, joanino, com colunas
salomónicas, douradas e marmoreadas: tímpano de anjo axial amparando curiosa
tabela antropomórfica. O padroeiro, tem pouco interesse artístico, mas as
imagens laterais, de madeira estofada – “Nª Sª da Conceição” (alt. 50 cm ) e a “Virgem com o
Menino”, ambos setecentista, oferecem certa curiosidade.
“Altar de S.
Sebastião”, privilegiado perpetuamente pelo Papa Pio VI, em 1794. Obra de
estuques coloridos, com frontão entrecortado e colunas coríntias. O titular é
uma formosa escultura de madeira, impregnado de formas clássicas e
naturalistas, de alvores da mesma centúria. Mede, de alt., 1,00 m . As restantes figuras
religiosas, populares que compõem as consolas, igualmente de madeira e contemporâneas,
são: “S. Miguel” (75 cm ) e “Santo Bispo” (80 cm ).
Lado
da Epístola: “Altar de Nª Sª do Rosário”. Retábulo do estilo rococó, de talha
dourada, com colunelos salomónicos e meias pilastras de grinaldas, vieiras e
ornatos palmares. Tipo de inícios do último terço do séc. XVIII. A padroeira,
bem estofada, é peça datável do reinado de D. João V. Mede, de At., 1,00 m . Lateralmente, em
mísulas adosseladas, as imagens de “Santo Amaro”, de carácter popular mas de
aparência seiscentista (alt. 60
cm ) e “S. Pedro”, de melhor execução mas mais recente
(alt. 60 cm ).
“Altar de Nª
Sª das Neves”. Possui retábulo entalhado e dourado, do mesmo tipo, época e
factura do anterior. A titular é uma interessante, embora populista escultura
de madeira policromada, da 2.ª metade de seiscentos, que mede, de alt. 70 cm . Posteriores e
correntes, são as imagens de “Santo António” e “S. João Batista”, de madeira e
sensivelmente das mesmas dimensões. Em 1758, a igreja, apenas tinha três altares, das
invocações seguintes (colateral do Evangelho); Nª Sª das Neves, actualmente de
Stº António. (Epístola): S. Sebastião, presentemente de Nª Sª do Rosário, sendo
a desta invocação a que hoje dá pelo título de Nª Sª das Neves. O actual altar
de S. Sebastião, rasgado na banda do Evangelho, é obra do último quartel do
séc. XVIII.
A
capela-mor, aberta por arco-mestre redondo, estucado foi, de igual modo,
completamente modernizado nos fins do século XIX. De planta rectangular e tecto
de meio ponto, decorado com tabelas palmares de estuque conserva, nos
prospectos, os apainelados de escaiolas destinados a proteger uma desaparecida
série de quadros de pintura, antigos e de temático desconhecido, que se
prolongava pelo corpo da nave.
O
retábulo, obra de talha dourada do estilo de transição barroco-rococó, de c.ª
de 1750, é conjunto vulgar do seu tempo, composto de colunas salomónicas,
sacrário na representação da St.ª Partícula, em baixo-relevo e tribuna de
baldaquino guarnecido, no tímpano, por anjos abrindo dossel, onde a majestosa
interpretação do “Padre Eterno”, policrómica, ilumina toda a composição.
Modesto “Crucificado”, de madeira, enche o espaço do trono. Em mísulas
laterais, porticadas, de águias marianas esculpidas, veneram-se as imagens de “Santa
Sofia”, antiga, mas inteiramente reincarnada no séc. XIX (alt. 86 cm ) e “S. Pedro”, popular,
de características arcaizantes (alt. 82 cm ).
No
templo conservam-se algumas interessantes caixas de esmolas de madeira pintada:
“Santo
António”, “Nª Sª das Neves” e “Almas do Purgatório”, esta datada de 1852, e um
bom cadeirão de madeira exótica, de três assentos almofadados, braços e costas
altas, do tipo de lira estilizada, esculpido com tabelas envieiradas e pés de
garra. Estilo português D. João V.
A
sacristia parece conservar a linha arquitectónica primitiva do séc. XVI. De
planta quadrada, é coberta por cúpula de meia laranja assente em cornija de
pendentes lisos, iluminada por lanterneta circular, de quatro aberturas.
Paramenteiro do tipo barroco-joanino, de pau-santo e três corpos e igual número
de gavetas e cacifos terminais, decorados por ferragem lavrada, de bronze, com
ornatos flóricos e corações simplificados.
O
lavabo, coetâneo, de mármore grosseiramente esculpido com quimeras
antropomórficas, está datado de 1722.
Dimensões
do templete: capela-mor – fundo 6,50 x larg. 3,45; nave – comp. 16,40 x larg. 5,15 m .
Quatrocentos e poucos anos depois da
fundação da freguesia de Santa Sofia, surgiu o Decreto – Lei n.º 27 424, de 31
de Dezembro de 1936 que extinguiu 10 freguesias no nosso concelho: Landeira,
Represa, Safira, Santo Aleixo, São Brissos, São Gens, São Geraldo, São Mateus,
São Romão e a já mencionada Santa Sofia.
Esta decisão política, a
juntar à falta de condições de habitabilidade e à precariedade do árduo
trabalho agrícola, que era executado manualmente, com meios antiquados e de sol
a sol, levou muitos montemorenses na década de 50 a migrarem para a cintura
industrial de Lisboa, e na de 60
a emigraram para a Europa. Este êxodo foi a morte
anunciada para a maioria das extintas freguesias rurais, ao ponto de algumas
delas, estarem convertidas em ruínas.
Augusto
Mesquita
Julho/2016
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