Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
Portuguesas com História
Maria de Lurdes Pintassilgo
«Deixemos, portanto, o homem a lutar com a vida no exterior,
na rua. E a mulher a defendê-la, a trazê-la nos seus braços, no interior da
casa... Não sei, afinal, qual dos dois terá o papel mais belo, mais alto e
útil.»
António Oliveira Salazar -
1932
Primeiro-ministro (ou primeira-ministro?, ou
primeira-ministra? - não se sabendo, ao certo, como a designar),
seria a primeira Mulher a desempenhar tão relevante cargo em Portugal: tendo o
Presidente da República (1979) tomado a iniciativa de a convidar a dirigir o
futuro político da vida do País, numa altura em que Portugal vivia a braços com
uma crise política. Tomaria a iniciativa de aceitar, num gesto de patriotismo,
liderar o governo (que viria a ser só de homens) e que viria a perdurar durante
cento e quarenta e nove dias. Poder-se-à admitir que foi um governo de vida
curta: todavia, deixou as bases de um sistema de Segurança Social para todas as
pessoas, quer trabalhassem quer não. Na realidade Maria de Lurdes Pintassilgo
foi uma pioneira que dedicou a vida à luta por uma sociedade mais justa,
influenciada pelos ideais cristãos, pela experiência dos padres operários em
França, e pela vida da filósofa Simone Weil.
Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintassilgo nasceu (em
1930), na freguesia de São João Baptista (Abrantes) - de pai comerciante com loja de tecidos, e de
mãe doméstica: uma família, contudo, de pólos um tanto opostos, na medida em
que a mãe era católica praticante e tolerava o regime salazarista, o pai era um
republicano boémio que detestava padres, instituições e tradições.
Contudo, é com a mãe que será educada. A sua história familiar (talvez) e a devoção ao catolicismo
fizeram-na ser casta, mas não freira. Quando entrou na faculdade, aos dezassete
anos, os colegas julgá-la-iam excessivamente devota, alguns mesmo vaticinariam
que não tardava a vestir o hábito, pois só a viam estudar e fazer o
voluntariado. Porém, ela gostava de viver, e desde pequena que o seu sorriso o
afirmava. Maria de Lurdes Pintassilgo viveu na cidade de Abrantes, até aos sete
anos -
altura em que, conjuntamente com a mãe e o irmão (mais novo três anos),
vai para Lisboa, onde faz a instrução primária (no Colégio Garrett), e, aos dez
anos, entrou para o Liceu D. Filipa de Lencastre (onde o seu voluntarismo a
leva a chefiar uma falange da Mocidade Portuguesa). Completado o Curso Liceal,
Maria de Lurdes Pintassilgo passa a frequentar o Instituto Superior Técnico
(onde integra o Curso de Engenharia Química). A sua opção é estranha, pois
vivia uma época em que o papel da mulher na sociedade era limitado. Porém, para
Maria de Lurdes Pintassilgo, a indústria química era uma aposta, um desafio.
Acabado o curso, recebe uma bolsa do Instituto de Alta
Cultura, para fazer investigação na Junta de Engenharia Nuclear. Tinha ela,
vinte e três anos. No ano seguinte, o Presidente da CUF (Companhia União
Fabril) convida-a a integrar a equipa de investigadores daquele complexo
industrial. Seria a primeira mulher a integrar a equipa de técnicos superiores
daquela Companhia. Assim, instala-se no Barreiro - nas
imediações geográficas da fábrica. Aí, é o contacto directo com a realidade do
mundo industrial, com a camada de população mais carenciada, marginalizada, que
a faz pensar, decididamente, na política como um rumo a seguir. Não se comforma
com os condicionalismos, que o regime impõe. E, se não consegue num lado, tenta
noutro -
actuando junto do meio católico.
Quando estudava no Instituto Superior Técnico, integrara a
JUC (Juventude Universitária Católica Feminina)
- a que ela presidira, de 1952 a
1956. Em 1957, com a sua amiga Teresa de Santa Clara Gomes, traz para o País, o
Graal -
movimento cristão feminino lançado na Holanda em 1921 - com
o intuito de criar uma cultura de solidariedade e de paz.
Entre 1964 e 1969 dirigirá e coordenará programas de
formação e projectos-piloto ligados à emancipação da Mulher, à acção
sócio-cultural e à evangelização. A sua ligação ao meio católico, torna-a
valiosa para os políticos: antes e depois da Revolução de Abril. Quando Marcelo
Caetano sucede a Salazar (1968), Maria de Lurdes Pintassilgo acreditou que o
estado das coisas se transformaria para o bem do País. Porém, recusa o convite
para integrar as listas da Acção Nacional Popular, nas eleições para a
Assembleia Nacional - pois mostrava-se
contra o partido único. Contudo, aceita o lugar de Procuradora à Câmara
Corporativa - onde permanece até 1974 -
avaliando positivamente a experiência (que lhe permitiu observar, no
interior, as estruturas, os erros, da política: o seu funcionamento) -
experiência que reforçou nela, a recusa em julgar as pessoas de forma
maniqueísta.
A Revolução de Abril apanha-a em França - num
retiro junto à Comunidade Ecuménica dos Monges Taizé. Porém, em Maio, Maria de
Lurdes Pintassilgo toma posse, como Secretária de Estado da Segurança Social
(integrando o primeiro governo democrático pós-abrilista, que tinha como
Primeiro Ministro, o advogado antifascista Adelino de Palma Carlos).
Como governante e cidadã, imbuída de um espírito Abrilista,
propõe-se construir uma sociedade mais justa; é esse o seu objectivo principal,
que -
contudo - encontrava resistência, por vezes, mesmo em
parceiros de governo.
Porém, não está disposta em perder a oportunidade de pôr em
prática aquilo em que acredita. Efectivamente, Maria de Lurdes Pintassilgo, em
1979, demitiu-se para dar lugar a Francisco de Sá Carneiro (vencedor das
eleições com o PSD). Porém, ela não deixaria a política: apoia a recandidatura
de Ramalho Eanes, integra o seu gabinete na Presidência da República; por outro
lado, funda o Movimento para o Aprofundamento da Democracia; candidata-se à
chefia do Estado (1986), nas primeiras eleições em que não concorrem militares
(sendo eleito Mário Soares); em 1987, é eleita (pelo PS) como Deputada ao
Parlamento Europeu - abandonando, cumprido o mandato, a política
activa. Dedica-se ao “Graal”, e à Fundação Cuidar o Futuro, na preocupação de
compreender o Mundo e o Homem.
Porém, aos 74 anos, o seu coração não resistiu: deitara-se,
como era uma permanência, preocupada com o futuro do seu País, com o rumo que
lhe imprimiam. E o seu coração parou.
O seu funeral - que a levou a sepultar no Cemitério dos
Prazeres (Lisboa) – fez reunir imenso número dos seus admiradores:
manifestando-se estes revoltados pelo facto de o seu funeral não ter honras de
Estado, nem a presença de um bispo.
José Alexandre Laboreiro
In Montemorense – Junho 2016
Transcrição autorizada pelo Autor
José Alexandre Laboreiro
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