quarta-feira, 10 de agosto de 2016

LUGAR À CULTURA

        Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

                            Portuguesas com História

                Maria de Lurdes Pintassilgo
«Deixemos, portanto, o homem a lutar com a vida no exterior, na rua. E a mulher a defendê-la, a trazê-la nos seus braços, no interior da casa... Não sei, afinal, qual dos dois terá o papel mais belo, mais alto e útil.»
António Oliveira Salazar -  1932

Primeiro-ministro (ou primeira-ministro?, ou primeira-ministra?  -  não se sabendo, ao certo, como a designar), seria a primeira Mulher a desempenhar tão relevante cargo em Portugal: tendo o Presidente da República (1979) tomado a iniciativa de a convidar a dirigir o futuro político da vida do País, numa altura em que Portugal vivia a braços com uma crise política. Tomaria a iniciativa de aceitar, num gesto de patriotismo, liderar o governo (que viria a ser só de homens) e que viria a perdurar durante cento e quarenta e nove dias. Poder-se-à admitir que foi um governo de vida curta: todavia, deixou as bases de um sistema de Segurança Social para todas as pessoas, quer trabalhassem quer não. Na realidade Maria de Lurdes Pintassilgo foi uma pioneira que dedicou a vida à luta por uma sociedade mais justa, influenciada pelos ideais cristãos, pela experiência dos padres operários em França, e pela vida da filósofa Simone Weil.
Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintassilgo nasceu (em 1930), na freguesia de São João Baptista (Abrantes) -  de pai comerciante com loja de tecidos, e de mãe doméstica: uma família, contudo, de pólos um tanto opostos, na medida em que a mãe era católica praticante e tolerava o regime salazarista, o pai era um republicano boémio que detestava padres, instituições e tradições.
Contudo, é com a mãe que será educada. A sua história  familiar (talvez) e a devoção ao catolicismo fizeram-na ser casta, mas não freira. Quando entrou na faculdade, aos dezassete anos, os colegas julgá-la-iam excessivamente devota, alguns mesmo vaticinariam que não tardava a vestir o hábito, pois só a viam estudar e fazer o voluntariado. Porém, ela gostava de viver, e desde pequena que o seu sorriso o afirmava. Maria de Lurdes Pintassilgo viveu na cidade de Abrantes, até aos sete anos  -  altura em que, conjuntamente com a mãe e o irmão (mais novo três anos), vai para Lisboa, onde faz a instrução primária (no Colégio Garrett), e, aos dez anos, entrou para o Liceu D. Filipa de Lencastre (onde o seu voluntarismo a leva a chefiar uma falange da Mocidade Portuguesa). Completado o Curso Liceal, Maria de Lurdes Pintassilgo passa a frequentar o Instituto Superior Técnico (onde integra o Curso de Engenharia Química). A sua opção é estranha, pois vivia uma época em que o papel da mulher na sociedade era limitado. Porém, para Maria de Lurdes Pintassilgo, a indústria química era uma aposta, um desafio.
Acabado o curso, recebe uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, para fazer investigação na Junta de Engenharia Nuclear. Tinha ela, vinte e três anos. No ano seguinte, o Presidente da CUF (Companhia União Fabril) convida-a a integrar a equipa de investigadores daquele complexo industrial. Seria a primeira mulher a integrar a equipa de técnicos superiores daquela Companhia. Assim, instala-se no Barreiro  -  nas imediações geográficas da fábrica. Aí, é o contacto directo com a realidade do mundo industrial, com a camada de população mais carenciada, marginalizada, que a faz pensar, decididamente, na política como um rumo a seguir. Não se comforma com os condicionalismos, que o regime impõe. E, se não consegue num lado, tenta noutro  -  actuando junto do meio católico.
Quando estudava no Instituto Superior Técnico, integrara a JUC (Juventude Universitária Católica Feminina)  -  a que ela presidira, de 1952 a 1956. Em 1957, com a sua amiga Teresa de Santa Clara Gomes, traz para o País, o Graal  -  movimento cristão feminino lançado na Holanda em 1921  -  com o intuito de criar uma cultura de solidariedade e de paz.
Entre 1964 e 1969 dirigirá e coordenará programas de formação e projectos-piloto ligados à emancipação da Mulher, à acção sócio-cultural e à evangelização. A sua ligação ao meio católico, torna-a valiosa para os políticos: antes e depois da Revolução de Abril. Quando Marcelo Caetano sucede a Salazar (1968), Maria de Lurdes Pintassilgo acreditou que o estado das coisas se transformaria para o bem do País. Porém, recusa o convite para integrar as listas da Acção Nacional Popular, nas eleições para a Assembleia Nacional  - pois mostrava-se contra o partido único. Contudo, aceita o lugar de Procuradora à Câmara Corporativa  -  onde permanece até 1974  -  avaliando positivamente a experiência (que lhe permitiu observar, no interior, as estruturas, os erros, da política: o seu funcionamento)  -  experiência que reforçou nela, a recusa em julgar as pessoas de forma maniqueísta.
A Revolução de Abril apanha-a em França  -  num retiro junto à Comunidade Ecuménica dos Monges Taizé. Porém, em Maio, Maria de Lurdes Pintassilgo toma posse, como Secretária de Estado da Segurança Social (integrando o primeiro governo democrático pós-abrilista, que tinha como Primeiro Ministro, o advogado antifascista Adelino de Palma Carlos).
Como governante e cidadã, imbuída de um espírito Abrilista, propõe-se construir uma sociedade mais justa; é esse o seu objectivo principal, que  -  contudo  -  encontrava resistência, por vezes, mesmo em parceiros de governo.
Porém, não está disposta em perder a oportunidade de pôr em prática aquilo em que acredita. Efectivamente, Maria de Lurdes Pintassilgo, em 1979, demitiu-se para dar lugar a Francisco de Sá Carneiro (vencedor das eleições com o PSD). Porém, ela não deixaria a política: apoia a recandidatura de Ramalho Eanes, integra o seu gabinete na Presidência da República; por outro lado, funda o Movimento para o Aprofundamento da Democracia; candidata-se à chefia do Estado (1986), nas primeiras eleições em que não concorrem militares (sendo eleito Mário Soares); em 1987, é eleita (pelo PS) como Deputada ao Parlamento Europeu  -  abandonando, cumprido o mandato, a política activa. Dedica-se ao “Graal”, e à Fundação Cuidar o Futuro, na preocupação de compreender o Mundo e o Homem.
Porém, aos 74 anos, o seu coração não resistiu: deitara-se, como era uma permanência, preocupada com o futuro do seu País, com o rumo que lhe imprimiam. E o seu coração parou.
O seu funeral  -  que a levou a sepultar no Cemitério dos Prazeres (Lisboa) – fez reunir imenso número dos seus admiradores: manifestando-se estes revoltados pelo facto de o seu funeral não ter honras de Estado, nem a presença de um bispo.

José Alexandre Laboreiro
In Montemorense – Junho 2016
Transcrição autorizada pelo Autor

José Alexandre Laboreiro         

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