segunda-feira, 11 de julho de 2016

MEMÓRIAS CURTAS

Uma vez por mês o Prof,. Vitor Guita traz-nos à memória,                                                recordações do passado

O mês de junho colocou-nos numa encruzilhada difícil, tal foi a miscelânea de lembranças que perpassou pelo nosso espírito.
Há pouco tempo fomos convidados para um almoço entre amigos. Adivinhava-se um belo dia e assim aconteceu. A refeição foi rica em paladares e permitiu também saborear conversas cheias de memórias.
Um dos nossos companheiros de mesa, que passou uma parcela da sua vida a viver e a trabalhar no campo, saiu-se com umas quantas recordações relacionadas com o trabalho duro da ceifa, a que sucedia o não menos penoso labor das carvoarias.
“Não quero cá ninhos de andorinha!”. Estas são algumas das palavras que continuam gravadas na cabeça do nosso amigo e que costumavam ser arremessadas pelo manajeiro, no pino de um calor alucinante, sempre que as pás não eram bem cheias e a terra não chegava como devia ao cimo do forno.
“Ah fado dum ladrão… Nunca mais chegava a hora de se poder ir a uma charca tirar toda aquela poeirada do corpo.
Um dos elementos femininos que estava à mesa trouxe, depois a lembrança que ainda preserva do avô materno, quando este chegava do trabalho, montado na bicicleta e de alcofa às costas. O suor, depois de seco, tingia de branco a camisa preta já meio ressequida.
Como o amigo leitor pode imaginar, estavam aqui dois esplendidos motes para embalarmos a escrever estas Memórias.
Porem ainda os ecos deste almoço não tinham desaparecido, interpuseram-se outros cheiros, outros sons e as cores alegres do arraial popular que recentemente teve lugar no Convento de S. Domingos.
Estava aqui encontrado outro belíssimo pretexto para viajarmos no tempo, saltando fogueiras nas praças e nas ruas da nossa infância ou, quem sabe, para nos aventurarmos numa espécie de arqueologia da lembrança, revisitando o memorial de um dos maiores conventos de Montemor.
Como muitos certamente saberão, o imponente edifício assenta na primitiva capelinha gótica de Sto. António, construída há muitos séculos na extremidade sul do rossio da Porta do Sol. Faz, portanto, todo o sentido a realização, neste local, de um arraial em honra do santo popular.
Ainda não há muitos anos, este mesmo espaço foi arrecadação de materiais, abrigo de milhares de pombos e, como nos filmes de Indiana Jones, cenário de mil e uma aventuras ou até mesmo de caçadas nocturnas.
Depois do período áureo dos dominicanos, a extinção das ordens religiosas, em 1834, ditaria o início da ruína do edifício, que, entretanto foi adquirido por particulares.
Em 1972, o imóvel foi adquirido pelos Amigos de Montemor-o-Novo ao seu último proprietário António Romeiras Marques dos Santos. A partir de então, não pararam as diligencias para obter apoios destinados ás obras de recuperação e á instalação de um importante núcleo museológico.
Eng.º João Nunes Mexia, Pde. Alberto Dias Barbosa e Dra. Ana Mota Vacas são, entre outras, referências incontornáveis sempre que se fala desta Casa.
Apesar do interesse do tema e após muitas hesitações, decidimos que não seria este o trilho que iriamos percorrer, tendo em conta os trabalhos de qualidade já publicados e a que qualquer leitor, se quiser, pode recorrer.
O que é facto é que a encruzilhada mantinha-se. Que Memórias escrever neste mês de unho? Talvez tentar qualquer coisa deiferente…
Sucede que, mesta altura do ano, costumamos ser assaltados por múltiplas recordações relacionadas com a Cidade de Évora, a Feira de S. João e, acima de tudo, com a temível época dos exames no velho Liceu. Ser examinado por reputados professor como Alice Ogando ou Vergílio Ferreira era um pouco assustador, mas também uma certificação de qualidade.
Pois é, leitor amigo. Lembramo-nos de que se estivesse entre nós, o professor e escritor Vergílio Ferreira completaria cem anos. Beirão de nascença, foi dos homens que melhor cantou o Alentejo e, em paticular, a cidade de Évora.
Em jeito de homenagem a este grande escritor, deixamos aqui alguns pequenos excertos do romance Aparição. O primeiro refere-se a uma das muitas descrições fantásticas que o narrador faz da cidade de Évora; o segundo faz-nos um retrato da Feira de S. João.
“Pelas nove da manhã desse dia de Setembro cheguei enfim à Estação de Évora. Nos membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de viagem(…) Pelo empedrado das ruas, carroças estremecem com um estrépito de ferragens, cruzam-se diante de mim as fachadas dos prédios numa alucinações de luz, uma vaga de aridez abre-me à imensidão da planície. Sobre o casario branco vou descobrindo aqui e alem manchas negras de velhos templos, e ao alto,, disparadas ao céu,as torrrs da Sé. (…)”
“A feira abriu com grande excitação. Todo o Rossio se iluminou com fieiras de barracas, carrocéis, circos, stands de carros e máquinas agrícolas, tendas de doçaria, de fotócomico, tômbolas, jogos de argolinha, aparelhos de buena-dicha com variantes de passarinhos que tiram o papel da sorte, tiro ao alvo, aparelhos para demonstração de forças, solitários vendedores de água com uma bilha e um copo ao lado, vendedores de mantas, de escadas, de cestos- sob um céu duro de altifalantes e poeira e vibrações luminosas.
Noite de S. João, noite cálida de bruxas e de sonhos. Para lá da mesa em que escrevo, para lá da janela aberta, clarões de fogueiras abrem-se de descantes que irradiam pelos céus. Há danças entre as estrelas, de gente que se dá as mãos. (…)

Pela nossa parte é tempo de arrumar com a escrita. Até um dia destes.
Vitor Guita
Transcrição de “O Montemorense” devidamente autorizada pelo Autor – Junho 2016



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