quarta-feira, 27 de julho de 2016

MEMÓRIAS CURTAS - Colaboração Prof. Vitor Guita

Uma vez por mês o Prof,. Vitor Guita traz-nos à memória,                                                 recordações do passado

As memórias que por aqui vão desfilando surgem a partir daquilo que nós próprios vimos e ouvimos, mas também das lembranças dos mais velhos ou daquilo que sentimos, pensamos e lemos.
Se uma parte dos nossos leitores se sentir identificada com elas ou se estas acrescentarem algo menos conhecido, já valeu a pena o discurso.
Escreveu-nos de França, há poucos dias, o amigo Gabriel Francisco do Cabido. As recentes Memórias Curtas dedicadas ao saudoso José da Costa Ramalho provocaram no nosso emigrante uma catadupa de recordações de juventude. Além do mais, reconheceu-se na foto publicada, de trombone na mão, ao lado do seu mestre. Segundo nos transmitiu, é já um dos raros sobreviventes daqueles antigos músicos da Carlista. Com quase 86 anos de idade e 53 de França, Gabriel do Cabido escreveu-nos uma emocionada mas lúcida missiva, incentivando-nos a prosseguir a nossa escrita.
A acompanhar a carta vinha uma pequena publicação de 1943, que o amigo Gabriel guarda há muitos anos, desde o tempo em que esteve na Folha do Sul, na Rua 5 de Outubro. Trata-se de um velho boletim da Casa do Alentejo.
Ao folhear a publicação, apercebemo-nos imediatamente do porquê da preservação de tão antigo exemplar. É que ele dedica boa parte das suas páginas a Montemor.
Num destes dias quentes de julho, decidimos por de lado a leitura que fazíamos dos episódios da 2ª Guerra Mundial e debruçámo-nos mais atentamente sobre o conteúdo do Boletim que nos fora enviado.
O calor sufocante que se tem feito sentir convidava a ficar em casa, atenção se detivesse num canto mais fresco -?”
Porem as notícias televisivas que passavam diante dos nossos olhos pareciam querer incendiar, ainda mais a fornalha atmosférica que asfixiava lá fora. Tirando uma ou outra feliz notícia desportiva, sentíamo-nos autenticamente bombardeados por imagens e relatos violentos que chegavam, a toda a hora, da turística cidade de Nice e também da Turquia. Pairava no ar, como trovoada longínqua, um clima de guerra.
Tudo isto conjugado fez com que a nossa atenção se detivesse num dos títulos do Boletim da Casa do Alentejo que diz: “Porque não há-de Montemor preocupar-se, desde já, com o seu problema turístico no após-guerra?”
Num momento em que a 2ª Guerra Mundial ainda estava longe do seu fim, mo preciso ano em que o governo inglês, invocando a antiga Aliança pedia a Portugal que lhe fossem concedidas certas facilidades nos Açores, alguém estava já a antever o futuro de paz, de sossego e de bem-estar, que muitos julgariam naquela altura, de improvável regresso.
Ainda no referido texto lê-se: “O turismo alentejano desenvolver-se-á. A vizinha Évora constituirá grande atractivo, cidade de monumentos e de evocações. A paisagem d nossa província possui aspectos inconfundíveis que os olhares estranhos procurarão. Montemor, ponto obrigatório de passagem pela estrada nacional, carece de seduzir os que se transportam de automóvel, convidando-os a almoçar numa pousada…”
Entre muitas outras coisas o autor sonhava com a construção, pelo governo da altura, de uma pousada junto ao Palácio dos Alcaides, debruçada sobre o Rio Almansor e terras em redor.
Achamos curioso este poder premonitório de alguém que, preocupado com Montemor e o Alentejo, antecipava que o após-guerra poderia conduzir a um vasto leque de iniciativas.
 Aliás, não é a primeira vez que lemos textos desta época, reflectindo sobre as tenebrosas consequências da guerra, mas antevendo, finda a tempestade, um mundo cheio de idéias de numerosas realizações.
Folheamos, entretanto, mais meia dúzia de páginas do velho Boletim. Deixamo-nos seduzir por um texto muito bem escrito de alguém que escolheu intitular-se António de Montemor e que cedo presumimos tratar-se do homem que conduziu as negociações da aquisição da Folha do Sul.
Deixamo-lo, estimado leitor, com algumas passagens desse texto, que mais parece uma declaração de amor á então vila alentejana:
“Foi numa manhã de Março que vim pela primeira vez a Montemor. Trazia na alma um anseio inexplicável, um desejo incontido de que o carro galgasse a 100 à hora a fita escura da estrada. Todo eu ardia em febre de chegar depressa…
Qual a razão de todo o meio anseio? Conhecer mais uma terra de Portugal? Não! Positivamente não. Não ra curiosidade do turista que me levava a querer chegar mais depressa; era alguma coisa mais forte, daquelas que decidem um destino ou uma vida.
Entabulara, por escrito, negociações para a compra do mas antigo jornal do Alentejo – A Folha do Sul – e Montemor à vista!..., dois ou três garotos com tabuleiros de tampa de vidro assediaram-nos, oferecendo pinhoadas.
Espraiei o olhar e reparei que a vila se estendia ao alto, no sopé de um castelo. Casas e mais casas, num conjunto bizarro, que prendia.
Minutos depois o carro passava à Fonte dos Cavaleiros e entrava na vila, ante o pasmo dos transeuntes curiosos,…Quando o carro parou, dois ou três garotos com tabuleiros de tampa de vidro assediaram-nos, oferecendo pimhoadas.
Cá fixei residência, instalando o meu lar e a redação da Folha na rua principal da terra.
Estou contente? Descontente? Não respondo directamente a estas perguntas. Direi apenas que fui recebido de tal maneira, que hoje tenho muito gosto em assinar os meus escritos com o nome suposto de ANTÓNIO DE MONTEMOR.”
Pela nossa parte, é hora de partir e meter umas férias. Até Setembro.

Vitor Guita – Professor
In Montemorense – Julho 2016, Transcrito com autorização do Autor



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