Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
Portuguesas com História
Escritor, Poeta, Ensaísta e
Jornalista austríaco
O Papa Francisco, na sua Carta Encíclica “Laudate Si”,
exorta-nos a considerar que «é necessário voltar a sentir que precisamos uns
dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que
vale a pena ser bons e honestos. Vivemos já muito tempo na degradação moral,
baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de
reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal
destruição de todo o fundamento da vida social acaba por nos colocar uns contra
os outros, na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas
formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento de uma verdadeira
cultura do cuidado do meio ambiente».
Ora, a mais de sessenta anos de distância (rumo ao
passado - em pleno séc. XX, mais propriamente),
encontramos no casal Maria Judite de Carvalho
- Urbano Tavares Rodrigues a
adopção de uma maneira de estar no Mundo, pautada pelo Amor entre si, pela
identificação humanística para com o seu semelhante, pela defesa da Justiça
Social (conduzindo a uma preocupação pela difusão integral de Educação, dos
cuidados de Saúde, e a promoção da cultura por todo o País -
enquanto pilares dum estilo de vida condigno, que se não encontrava
implantado na sociedade portuguesa do Estado Novo, em geral); não nos
surpreendendo o reflexo temático, ideológico e estilístico, que a sua bagagem
de Pensamento iria ter nas suas obras literárias: na poesia, nos contos, nas
novelas, nos ensaios, nos romances (de pendor neo-realista).
Jorge Luís Borges (escritor sul-americano) deixa-nos registada
a seguinte observação: «Um homem propõe-se desenhar o mundo. Ao longo dos anos,
vai povoando o espaço com imagens, províncias, reinos, montanhas, baías,
barcos, ilhas, peixes, casas, instrumentos, astros, cavalos, e pessoas. Pouco
antes da sua morte, descobre que este paciente labirinto de linhas traça a
imagem do seu próprio rosto». Aliás, do mesmo modo, António José Saraiva
observaria que «as circunstâncias históricas são, elas, uma consequência a meu
ver inevitável, da própria condição humana, quer dizer da própria cultura e das
condições em que ela se desenvolve».
Maria Judite de Carvalho manifestava um temperamento
introvertido, pouco dado a amplos relacionamentos. Detestava multidões, sentia
medo. Não gostava de dar entrevistas, deu uma ou duas. Não gostava de viver,
mas ultrapassaria a esperança do seu século e só deixou a vida ao fim de
setenta e sete anos e cinco meses. Gostava da escrita, e poderia ser uma das
personagens dos seus contos e novelas, das páginas que começou a escrever por
insistência do marido, o qual também lhe despertou os sentidos para a política.
As primeiras histórias, reunidas no livro “Tanta Gente, Mariana”, foram para as
livrarias no ano em que completou trinta e oito anos. Recebeu uma série de
prémios; o último, pelo conjunto da sua obra, no ano da sua morte. Teve grande
êxito entre os pares (que lhe reconheciam o talento), mas poucos volumes
vendeu.
O seu nome raramente é citado: e, afinal, Maria Judite de
Carvalho publicou treze livros, além de inúmeros artigos em jornais e revistas.
Casada com o escritor, jornalista e professor, Urbano
Tavares Rodrigues, Maria Judite de Carvalho é mãe aos vinte e nove anos: mãe
pela primeira e única vez - diga-se. Porém, quando a filha (Isabel)
completa três meses de vida, parte
- com o marido - para
França (indo Urbano assumir o lugar de leitor na Universidade de Montpellier).
A sua visão do Mundo (do casal), inconformava-os com o marasmo cultural do
Portugal do Estado Novo, sob a ditadura de Salazar. Desejavam saber como se
vivia num país livre - partindo à aventura. Os pais de Urbano
ficariam com a bebé Isabel - tomando conta da netinha durante seis anos
(até Maria Judite e Urbano regressarem). Voltaram, é certo, mas com corações
negros de angústia (deparando com um país igualzinho, com uma crise económica,
uma feroz censura e uma soez perseguição política).
Maria Judite cursaria o “liceu” no Maria Amália, e
tencionava frequentar, posteriormente, as Belas Artes; porém, iria para a
Faculdade de Letras - onde cursou Filologia Germânica. E,
curiosamente, é na Faculdade de Letras (onde Urbano cursava Filologia
Românica), que conhece o amor da sua vida. E acompanharia o marido, quando
Urbano foi dar aulas de Português nas Universidades de Montpellier,
Aix-en-Provence e Paris. E, através do marido, conhecerá personalidades
marcantes (escritores, pintores, poetas). Em 1955, regressam a Portugal. Maria
Judite isola-se a ler e a pintar, e a escrever (sempre com talento). Porém,
Portugal desgoverna-se: caminhando num pensamento único, autoritário,
persecutório dos que defendiam a liberdade de pensamento.
Eram assim Urbano e Maria Judite - que,
enfrentando as agruras das amarras do regime, sofrem o preço da luta pela
liberdade de pensar. Maria Judite fechava-se, horas seguidas, a pintar, a ler,
a escrever - na criação de histórias de gente comum, de
gente que costumava observar nos
transportes públicos.
«Havia entre nós um grande amor e carinho» -
confidenciaria Urbano Tavares Rodrigues, aos oitenta e três anos, a José
Carlos de Vasconcelos em entrevista para o “Jornal de Letras” Urbano e Maria
Judite são ferozmente perseguidos (Urbano apoiara, em 1958, a candidatura de
Humberto Delgado à Presidência da República). Urbano é proibido de leccionar,
preso e maltratado, torturado diversas vezes. É frequentemente perseguido.
Maria Judite apoiava-o, pensava como ele, sofrendo pelo
marido -
visitando-o na prisão. Porém, o seu temperamento de introversão leva-a a
não poder vivenciar a mesma atitude: detestava multidões, nem sequer gostava de
dar aulas. Comunicava, sim, ideias e pensamentos, opiniões e testemunhos - com
publicação de seus livros, com participação nos jornais, com artigos e ensaios,
quer com a direcção do Suplemento “Mulher” do “Diário de Lisboa”.
Com a “Revolução dos Cravos”, abre-se uma possibilidade de
justiça a Maria Judite e Urbano: Urbano, agora com sessenta anos, faz o
Doutoramento e é readmitido no Ensino do seu País.
No dia 19 de Fevereiro de 1998, Maria Judite telefona a uma
amiga, dizendo-lhe que no dia seguinte, ela e o marido iriam passar a tarde com
ela. Mas, não apareceram à hora marcada, nem depois; é Isabel, a filha (que
igualmente seria escritora) que telefona à amiga da mãe - a dar-lhe
a infausta notícia: Maria Judite não sobrevivera a um acidente vascular
cerebral.
Maria Judite de Carvalho, para além de “Tanta Gente,
Mariana”, escreveria igualmente - entre outros
- “A Flor Que Havia na Água
Parada” (poesia), a peça de Teatro “Havemos de Rir”, para além dos Ensaios
jornalísticos, e do livro “Diários de Emília Bravo”.
As suas obras estão traduzidas em alemão, italiano, checo,
francês e espanhol.
Sem comentários:
Enviar um comentário