segunda-feira, 20 de junho de 2016

PÁGINA CULTURAL

             LUGAR À CULTURA – Baseado em Textos do Dr.                                                           Alexandre Laboreiro.

                                                    A propósito de um livro
 «Os livros são como os faróis construídos no mar do tempo»
 Alex S. Clair
No intuito de caracterizar a desenfreada invasão da literatura “kitsch”, nos tempos modernos, Francisco Louçã (in “Os Burgueses”) acentua: «Este triângulo entre informação, entretenimento e publicidade é o exemplo mais moderno do consumo estético de massas e das indústrias culturais, a comunicação do nosso tempo, pois exprime a mercantilização radical das formas culturais e de comunicação. Curiosamente, este modo mercantil, para se afirmar, precisa de conflito, de jogo, de contra posição, de histórias. A banalidade encantatória deve ser disputada no enorme estádio da opinião pública».
Por sua vez, em pleno séc. XIX, Alexandre Herculano denunciava: «Em geral, os cultores das letras não saem das classes poderosas e abastadas; e em Portugal ainda hoje, o escritor mais benquisto do público e mais laborioso não obterá uma fortuna independente só à custa das suas vigílias. Daqui resulta que os bons engenhos, os quais nestes últimos tempos a nossa terra tem indubitavelmente produzido, são forçados ou a viverem na atmosfera mirradora do mundo político, ou a exercitarem cargos públicos, que lhes consomem o tempo e acanham por fim as faculdades do entendimento. É assim que a literatura deste século, tem perdido em profundeza o que vai ganhando em brilho e em extensão».
Ora, precisamente no espaço temporal entre Francisco Louçã e Alexandre Herculano, mais propriamente em 1920, deparamos com um desabafo de Aquilino Ribeiro (numa entrevista ao Diário de Notícias) em que denunciava: «Nos bastidores do regime quem dá cartas é o traficante sem grandes letras e o cacique com muitos votos. Apenas o partido unionista oferecia uma platibanda ao intelectual, contando que fosse unionista, dizia-nos há pouco alguém... A moral vai desaparecendo de todo da sociedade portuguesa... a moral corrente (veja os açambarcadores, os novos-ricos ) é a do enriquecer seja como for e cifra-se neste mandamento: passa por cima do teu semelhante com sapato de brocha e não te importes de o esmagar, contanto que passes».
Ora, a Moral e a Cultura de uma sociedade estão intrinsecamente ligadas à Educação. Assim, Raul Gomes (in “Educação e Humanismo”) admite que a primeira das condições que devemos buscar como promotoras do desenvolvimento é um sistema de ensino adequado. Isto é, extensivo à dimensão de todo um povo, intensivo na exigência de seriedade e trabalho, progressivo na abertura ao pleno aproveitamento das capacidades, correctivo dos defeitos herdados de mentalidade e feitio, científico na atitude informadora do currículo, respeitado como principal força  da Nação: que nos conduza a uma universalização humanista.
Porém, sentindoo forte individualismo, acompanhado,  por vezes, de uma exclusão social, o Papa Francisco alerta o Mundo inconsciente para os deveres sociais que não cumpre  -  esquecendo-se os prevaricadores que todos os Homens são irmãos em espécie, vivendo na Terra enquanto casa comum. Mas aponta o Papa Francisco: «O grande risco do mundo actual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, de busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os  outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha de uma vida digna e plena. Este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado».
Ora, um dos acontecimentos mais determinantes do conhecimento e convivência dos Homens entre si (numa intercontinentalidade a nível económico, é certo, mas também social, humanístico, cultural, científico, religioso) seria despoletado pelos Descobrimentos e Expansão Ultramarina dos Portugueses  -  que permitiriam um relacionamento, e osmose, entre seres humanos de “muitas e desvairadas gentes”: com tal impacto no processo da História Humana, que levaria alguns Historiadores a considerar as nossas Descobertas como o início da História Moderna. Descobrimentos em que «O mar deixa de ser o limite. Todos os anos, aos milhares, navegantes portugueses sulcam o Atlântico nas armadas e nos navios de comércio. Descobrem e cartografam, usam os ventos e as correntes marítimas; aprenderam pelas estrelas o lugar e a rota dos navios; registam o valor das mercadorias; usam intérpretes africanos, caçam e resgatam escravos. Levam a cruz pintada nas velas, mas podiam cair sobre a presa como o albatroz. Trocam gestos, cerimónias, roupas, vocábulos. Experimentam as armas e os corpos. O barco é o veículo, a casa, a fortaleza, o templo, a oficina, o armazém, o porta escravos, o porta navios, o caixão. Trespassado por setas ervadas, Nuno Tristão ainda subiu ao convés. Sepultaram-no no mar»  -  asiu António Borges Coelho, a Expansão Marítima Portuguesa, no livro “Largada das Naus”.
E a dinâmica económica, social, científica, cultural, vivida em Lisboa, é de tal ordem que se imporia a necessidade de reformular a Assistência Médica na Cidade  -  tal a intensificação da vida na capital do Império. Tanto D. João II, como a Rainha D. Leonor, desencadeariam propósitos no sentido de criar um Hospital Central em que o acto médico-assistencial revestisse uma função pública e prática (embora não perdesse o cunho cristão da máxima de S. Martinho de Dume «não aproveita a esmola tanto aos que a recebem como aos quem a dão», isto é, vendo no acto médico-assistencial um testemunho de prática caritativa). Nasceria assim a criação do Hospital de Todos os Santos (levando à extinção de cerca de 70 pequenos hospitais da região de Lisboa  -  que, contudo, não tinham a função de um hospital como hoje o concebemos).
E é precisamente, a “História da Criação do Hospital de Todos os Santos”, que a Drª Anastásia Mestrinho Salgado desenvolve no seu recente  Trabalho Historiográfico  -  conduzindo-nos ao mundo da Assistência da Idade Média (mentalidades, superstições, crenças, religiosidades, costumes), passando ao séc. XV e ao Séc. XVI -  épocas com um novo fôlego científico (face ao desenvolvimento da ciência e ao nascimento de diferentes mentalidades): Hospital de Todos os Santos que constituiria o fulcro de uma expansão médico-assistencial para a Índia, Brasil e Japão (enquanto centro de apoio à política de expansão económica de que Portugal constituia um dos mais importantes alicerces a nível europeu). 
Diga-se que, sendo Lisboa uma das placas giratórias dos mareantes, comerciantes , soldados, viajantes, que sulcavam o Atlântico -  estaria sujeita à transmissão de doenças (que necessitariam de assistência à luz da modernidade: e assim procederam os nossos Reis, Rainhas, Médicos, Cientistas, Enfermeiros e Congregações Religiosas -  como os Jesuítas).
O livro da Drª Anastásia Mestrinho Salgado, para além da mais-valia historiográfica, ao ser muito bem fundamentado, revela um léxico de alto valor literário (convidando à leitura progressiva) revestindo assim uma mais-valia científica.
A Drª Anastásia Mestrinho Salgado é natural do Ciborro (Montemor-o-Novo), autora de vários trabalhos científicos no âmbito da História , Sociologia e Pedagogia, foi docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Proferiu várias Conferências, como participou activamente em diversos Colóquios e Simpósios.
 José Alexandre Laboreiro                 

            

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