Uma vez por mês
o Prof,. Vitor Guita traz-nos à memória, recordações do passado
Cá vamos remando! … Cá vamos remando!
Muitos dos nossos estimados leitores, a esta hora, já
associaram esta popularíssima expressão à pessoa do nosso saudoso e bom amigo
Zé Costa.Além de calcorrear a vila inteira cobrando um moitão de
quotas, o conhecido músico e sacristão passava boa parte da sua existência
entre a Igreja do Calvário, a Carlista e o jardim público. É para lá que vamos.
O mês de Maio tem o especial condão de puxar a nossa
lembrança para a zona alta de Montemor. Suspeitamos que seja a memória do
colorido e do cheiro activo das flores, em particular dos cachos de glicínias
que prendiam do gradeamento do jardim. Ou talvez se trate de recordações que
temos da antiga feira de Maio, no Rossio, assim como do tentador cheiro a favas
que se exalava, delicioso, nas traseiras da igreja. As favas eram cozinhadas em
panela e fogareiro de barro pelo louceiro que, a partir desta altura do ano,
montava ali o seu arraial. Uma outra hipótese vai para a chegada dos primeiros
calores, que, à noite, obrigava a abertura das janelas da Carlista, permitindo
ouvir-se o ensaio da banda ou mesmo um concerto cá do meio da rua.
De uma coisa estamos certos. Uma das personagens mais
presentes em todo aquele cenário era o amigo Zé Costa.
Estivemos, um dia destes, à conversa com Maria Esmeralda
Samina Pereira, e Edmundo Samina, seus sobrinhos, que nos ajudaram a recuar no
tempo e a recuperar algumas facetas do seu familiar, que se estivesse entre
nós, contaria cento e trinta e um anos. O amigo Zé ainda frequentou, durante
uns largos anos, a velhinha sede da Carlista e assistiu, por certo à
inauguração do jardim público. No chão empedrado está inscrita a data de 1929.
Segundo nos foi relatado pela Maria Esmeralda, José da Costa
Ramalho teve um tio padre que quis levá-lo para a vida de sacerdócio. Porem, as
suas inclinações estavam mais viradas para a caça, para a música e para o
namorico, o que fez com que o nosso amigo Zé não fosse além de sacristão.
José Costa contraiu matrimónio com Mariana Conceição Costa.
Com certa frequência, manifestava alguma preocupação com a sua Marianita,
grande amiga de leituras, que a levavam a fechar-se n sua casa na Rua de Santo
António. A senhora viria a falecer já perto dos cem anos. Do casamento resultou
uma prole numerosa, composta por quatro rapazes e três raparigas. Uma delas, a
Efigénia ainda está entre nós.
Francisco, o mais velho de todos, foi trabalhar para o
Barreiro, terra fabril. O Chico Costa seguiu as pesadas de outros camaradas e
meteu-se na política.
Um outro filho, o José, que ainda frequentou o seminário,
seguiu a carreira docente. Dos outros dois rapazes, o Luís e o Rui, ambos
músicos, registámos que este último se distinguiu no campo musical,
nomeadamente como um excelente executante de trombone de vara. Além de músico
na Carlista, o Rui costumava ser muito solicitado por diversas orquestras.
Filho de peixe!…
José Costa Ramalho tinha sólidos conhecimentos musicais. Na
banda da Carlista, era sobretudo um barítono de qualidade. Além disso ensinou
muitos jovens músicos.
Em sua casa, fora das horas em que se entretinha a preparar
as negaças, era frequente ver-se ali rapaziada que queria aprender as primeiras
notas musicais.
Também na Sociedade Antiga Filarmónica Montemorense ensinou
solfejo, ensaiou e regeu vários músicos. No tempo do prestigiado Capitão Pires
da Cruz, ou de outros maestros, competia a estes completar as aprendizagens e
reger a banda.
Leopold José Gomes, um dos muitos músicos que aprenderam com
José Costa, testemunhava-nos há dias, a competência musical do seu antigo
professor de música, assim como as suas qualidades pessoais: « Se todos fossem
como Zé Costa, não vinha mal ao mudo!» O amigo Leopoldo destacou igualmente a
excepcional categoria do Rui Costa, enquanto trombonista.
EM 1974, faleceu o grande Carlista, José da Costa Ramalho.
Na sequência do seu falecimento, a Direcção daquela altura decidiu prestar
sentida homenagem ao Homem que, durante mais de sessenta anos, tudo fez, quanto
esteve ao seu alcance, em prol daquela Colectividade de Cultura e Recreio. A
mesma Direcção deliberou também, por unanimidade continuar a atribuir
gratificação à viúva, até ao fim do mandato. Anos antes, em 1970, já tinha sido
deliberada a atribuição de um voto de louvor a José Costa pelos bons serviços
prestados à Carlista.
Actualmente José da Costa Ramalho consta de uma vasta
galeria de homens que engrandeceram o historial da Sociedade.
Mas demos em salto
até à Igreja do Calvário. Foi ali que o conhecemos como sacristão, sobretudo
nos tempos da catequese e quando iniciamos ali as nossas primeiras aventuras
musicais.
Nesta altura do ano,
considerado pela Igreja o mês de Maria, era ver o amigo Zé, envergando a sua
opa e de pavio em punho, a acender a correnteza de velas que iluminavam o altar
florido. Durante a hora do terço, a voz sonora do sacristão sobressaia por
entre a cadência das ladainhas que enchiam a ampla nave.
Outras vezes,
imaginamo-lo sentado atrás, na lambreta, colado ao senhor prior, a caminho de
S. Mateus.
A imagem que
guardamos do velho sacristão é a de um homem bom, paciente, incapaz de uma má
resposta, com m grande sentido de humor, características que fizeram dele uma
pessoa estimada pela generalidade dos montemorenses.
É voz corrente que a
sua paixão pela caça colidia com os deveres religiosos, já desde o tempo em que
fora sacristão na Matriz. Enquanto pode, sempre que estava um dia bom para dar
uns tiros ou pressentia lá do alto do campanário, a passagem de uma nuvem de
pombos, tornava-se muito difícil segurá-lo na igreja.
O senhor prior daquela
altura dizia-lhe, então, de forma austera: “Zé Costa, ou pombos ou missa!”.
A expressão acabou
por entrar no linguajar de várias gerações de montemorenses.
Ficamos por aqui.
Até breve.
Nota: Enquanto
redigíamos estas Memórias do mês de Maio, tivemos conhecimento de que muro do jardim se desmoronou.
Vitor Guita
Publicação no Montemorense- mês de Maio 2016
Transcrição permitida pelo Autor




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