LUGAR À CULTURA
Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.
Portuguesas com História - Maria Helena Vieira da Silva
«Nenhum homem triunfa
se não tiver uma grande mulher por detrás. Esposa ou mãe, se forem as duas, ele
está, na realidade, duplamente abençoado.»
No voo de regresso da sua visita pastoral a Cuba e aos
Estados Unidos da América, questionado sobre o papel da mulher na Igreja, o
Papa Francisco afirmaria: «Não é porque não tenham capacidade. Na Igreja, as
mulheres são mais importantes do que os homens porque a Igreja é feminina; é
“a” Igreja, não “o” Igreja. E, constate-se a realidade, foi, é e será,
proeminente o papel da Mulher na
construção da História da Humanidade
- bastando olhar para o tecido
das malhas da nossa História, para reconhecermos o proeminente e incondicional
contributo feminino no “desenho” do xadrez político, económico, cultural (e
mesmo militar) da História Portuguesa
- desde a diplomacia de
casamentos à actual (e feliz) emancipação da Mulher dos dias de hoje - passando pela estratégia autonómica de Dona Teresa, na
regência do Condado Portucalense, pelas preocupações assistenciais da Rainha
Santa Isabel, ou pelo papel consciencializador das Jovens, na formação das
mentes patrióticas (que encontramos vincadas na “Ala dos Namorados”), ou mesmo
na figura da Mulher enquanto “pivô” de inspiração da poesia medieval
portuguesa, de Bernardim Ribeiro, Camões, António Ferreira, Bocage, dos poetas
do Romantismo, ou encontramos na poética dos nossos dias (inspiração alargada à
prosa -
seja o conto, a novela ou o romance).
Porém, deparou - em certos casos - o
Cidadão com Mulheres que, face à sua personalidade, inteligência e acção,
fizeram a diferença no seu tempo. E neste âmbito, achámos pertinente referir a
personalidade e acção de Maria Helena Vieira da Silva (artista plástica,
escritora e humanista do passado século).Em 1956, a revista “Elle” designaria
Maria Helena Vieira da Silva, a “francesa do ano” - não
aceitando, porém, Maria Helena a distinção ao chamar a atenção para o pormenor
da sua nacionalidade portuguesa. Porém, nessa mesma altura, opta pela
nacionalidade do país de acolhimento (a França). E opta pela nacionalidade
francesa, em seguimento da recusa de Oliveira Salazar em lhe conceder (a ela e
ao marido: o artista plástico Arpad Szenes, judeu apátrida nascido na Hungria)
a cidadania portuguesa - recusa acompanhada da condição chantageante
do divórcio de Maria Helena. É que Maria Helena perdera a cidadania portuguesa,
ao casar-se (aos 22 anos) com o amor da sua vida - o
pintor Arpad Szenes.
Contudo, só na década de 70, Portugal reconhecerá que o
talento de Maria Helena faria História. Se, porém, ela não tivesse trocado
Lisboa por Paris, em 1928, talvez Maria Helena não alcançasse a projecção
internacional que teve. Mas, a jovem Maria Helena já teria consciência, na
altura, de que (face à Ditadura) Portugal
se isolava do mundo culto - e, assim, se ficasse em Portugal, não poderia
ir além (culturalmente) de uma dona de casa prendada. E, neste contexto, Vieira
da Silva assiste à tendência da Ditadura em limitar a Mulher à vida do lar, ao
controle dos artistas.
Em contrapartida, em Paris, Maria Helena conhece artistas,
aprecia obras, explora as muitas tendências picturais, até optar pelo
abstraccionismo.
Cinco anos antes da implantação do Estado Novo, Maria Helena
parte (com a Mãe) para Paris - onde poderia desenvolver o talento revelado
em criança (pois desde os cinco anos que desenha, e desde os treze que pinta a
óleo).
Mas, Maria Helena não saía do país pela primeira vez.
Nascida em 1908 (finais da Monarquia e próxima Implantação da República em
Portugal), Vieira da Silva parte com os pais para a Suíça (em sequência do
conselho médico ao pai, que necessitava dos ares suíços e bons sanatórios - a
fim de debelar a tuberculose de que ele padecia).
Maria Helena, contudo, faria sentir a sua situação de
isolamento(em criança): não convivia com outras crianças na meninice: referia
muitas vezes em entrevistas, focando a solidão de infância, a ausência de
amizades, a imensidão do palacete do avô materno. Naquele palacete, rodeada de
adultos, estudou, aprendeu o português, o francês, o inglês, o desenho e a
pintura - à boa maneira das meninas com
condições sociais privilegiadas. Teria, como mestres de desenho, os professores
Emília Santos Braga e Armando de Lucena. Aprenderia, igualmente, a tocar piano.
Extasiava-se, porém, no contacto com a Natureza -
registando, encantada, o contacto (guiada pelo Tio José) com o engenho
para tirar água do poço; bem como se embeveceu com os livros de estampas em que
aprendeu a ler (livros que talvez a tenham inspirado, quando - aos
vinte e cinco anos - desenhou histórias infantis, pedindo a Pierre
Guéguen para escrever o texto).
Mas, Maria Helena partiu
- Lisboa estava sem futuro. Os
artistas fazem sentir ao governo a intranquilidade da situação económica: as
obras não se vendem, e há artistas na miséria. António Ferro - um
dos alicerces mentores do regime - decide as balizas político-culturais: as
linhas estéticas, as exposições a realizar, as encomendas do Estado aos artistas.
Vieira da Silva sabe o que se passa: vem algumas vezes a Lisboa. Em 1933,
realiza a sua primeira exposição em Paris. Conhece a célebre galerista Jeanne
Bucher, que lhe vende, na sua galeria, o seu primeiro quadro -
quadro comprado, precisamente, por um pintor alemão (Massimo Campigli).
Passado pouco tempo, Maria Helena venderia um quadro, destinado à famosa
Colecção Guggenheim.
Em 1935, Vieira da Silva participa numa mostra, em Lisboa,
constituída por quadros de pintura abstracta, a primeira que se fez em Lisboa
desde o tempo de Amadeu de Sousa-Cardoso (nas palavras do escritor e encenador
António Pedro).
Entretanto, explode a II Grande Guerra. Portugal é neutro:
Maria Helena e Arpad Szenes regressam a Lisboa. Porém, face à insistência de
Salazar no divórcio de Maria Helena (como condição para obter a nacionalidade portuguesa) leva
Maria Helena (e o marido) a optarem pela fixação na Brasil; porém, não se
sentem felizes nas paragens brasileiras: Arpad dá lições de pintura, e Maria
Helena pinta quadros de encomenda - fazendo, contudo, com mais frequência,
pinturas sobre azulejo e cerâmica. Maria Helena entra em depressão.
Mas, em 1947, o casal regressa a Paris. Em França, Vieira da
Silva aconselha outros artistas a viver em Paris - como
aconselharia ao pintor português Manuel Cargaleiro.
Em 1950, e daí para diante, Maria Helena Vieira da Silva é
uma artista consagrada: as suas opiniões valiam tanto como as suas obras. Era
uma mulher interessante: gostava de vestir bem, de boa comida, gostava de fumar
cigarros e beber vinho verde e champanhe. Longe do falso epíteto de “mau génio”
(como lhe atribuíam os inimigos), ela
- Maria Helena -
abria as portas do sucesso aos mais novos, e socorria os desvalidos da
sorte.
Em 1962, Vieira da Silva faz uma exposição de pintura em
Basileia (Suíça): aí conhece o arquitecto e homem de ideias português (José
Sommer Ribeiro). Após longa conversa, Vieira da Silva rejubila, ao descobrir
que Sommer Ribeiro não era conotado com
a Ditadura Portuguesa. Ficaram amigos. José Sommer Ribeiro seria o grande
impulsionador do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, lembrando
Sommer Ribeiro que Maria Helena Vieira da Silva era uma mulher de
esquerda. Ora, Sommer Ribeiro iria ser
director e administrador da Fundação Arpad Szenes (isto, em 1990).
Em 1992, a 6 de Março, Maria Helena Vieira da Silva - após
ter desenhado a Série “Luta com um Anjo”
- não resiste a uma prolongada
doença, acabando por falecer.
Como uma Mulher inspirada nos ideais da Democracia, Maria
Helena Vieira da Silva rejubilaria com o regresso da Democracia ao seu País
Natal - como o atestam os cartazes sobre
a Revolução dos Cravos, que Maria Helena dedica a Sofia de Mello Breynner - sua
amiga.
Cartazes, de que destacamos a composição pictórica “A Poesia
está na Rua: 25 de Abril de 1974”. Maria Helena Vieira da Silva seria
galardoada pelo Estado Francês por várias ocasiões -
sendo de destacar o de Oficial da Legião de Honra. Em Portugal, a
Pintora Portuguesa seria condecorada com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da
Espada.
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