segunda-feira, 30 de maio de 2016

PÁGINA CULTURAL

                                        
                                  LUGAR À CULTURA 
Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

Portuguesas com História - Maria Helena Vieira da Silva

«Nenhum homem triunfa se não tiver uma grande mulher por detrás. Esposa ou mãe, se forem as duas, ele está, na realidade, duplamente abençoado.»
 Harold MacMillan
No voo de regresso da sua visita pastoral a Cuba e aos Estados Unidos da América, questionado sobre o papel da mulher na Igreja, o Papa Francisco afirmaria: «Não é porque não tenham capacidade. Na Igreja, as mulheres são mais importantes do que os homens porque a Igreja é feminina; é “a” Igreja, não “o” Igreja. E, constate-se a realidade, foi, é e será, proeminente o papel da Mulher na  construção da História da Humanidade  -  bastando olhar para o tecido das malhas da nossa História, para reconhecermos o proeminente e incondicional contributo feminino no “desenho” do xadrez político, económico, cultural (e mesmo militar) da História Portuguesa  -  desde a diplomacia de casamentos à actual (e feliz) emancipação da Mulher dos dias de hoje  - passando pela  estratégia autonómica de Dona Teresa, na regência do Condado Portucalense, pelas preocupações assistenciais da Rainha Santa Isabel, ou pelo papel consciencializador das Jovens, na formação das mentes patrióticas (que encontramos vincadas na “Ala dos Namorados”), ou mesmo na figura da Mulher enquanto “pivô” de inspiração da poesia medieval portuguesa, de Bernardim Ribeiro, Camões, António Ferreira, Bocage, dos poetas do Romantismo, ou encontramos na poética dos nossos dias (inspiração alargada à prosa  -  seja o conto, a novela ou o romance).
Porém, deparou  -  em certos casos  -  o Cidadão com Mulheres que, face à sua personalidade, inteligência e acção, fizeram a diferença no seu tempo. E neste âmbito, achámos pertinente referir a personalidade e acção de Maria Helena Vieira da Silva (artista plástica, escritora e humanista do passado século).Em 1956, a revista “Elle” designaria Maria Helena Vieira da Silva, a “francesa do ano”  -  não aceitando, porém, Maria Helena a distinção ao chamar a atenção para o pormenor da sua nacionalidade portuguesa. Porém, nessa mesma altura, opta pela nacionalidade do país de acolhimento (a França). E opta pela nacionalidade francesa, em seguimento da recusa de Oliveira Salazar em lhe conceder (a ela e ao marido: o artista plástico Arpad Szenes, judeu apátrida nascido na Hungria) a cidadania portuguesa  -  recusa acompanhada da condição chantageante do divórcio de Maria Helena. É que Maria Helena perdera a cidadania portuguesa, ao casar-se (aos 22 anos) com o amor da sua vida  -  o pintor Arpad Szenes.
Contudo, só na década de 70, Portugal reconhecerá que o talento de Maria Helena faria História. Se, porém, ela não tivesse trocado Lisboa por Paris, em 1928, talvez Maria Helena não alcançasse a projecção internacional que teve. Mas, a jovem Maria Helena já teria consciência, na altura, de que (face à Ditadura) Portugal  se isolava do mundo culto  -  e, assim, se ficasse em Portugal, não poderia ir além (culturalmente) de uma dona de casa prendada. E, neste contexto, Vieira da Silva assiste à tendência da Ditadura em limitar a Mulher à vida do lar, ao controle dos artistas.
Em contrapartida, em Paris, Maria Helena conhece artistas, aprecia obras, explora as muitas tendências picturais, até optar pelo abstraccionismo.
Cinco anos antes da implantação do Estado Novo, Maria Helena parte (com a Mãe) para Paris  -  onde poderia desenvolver o talento revelado em criança (pois desde os cinco anos que desenha, e desde os treze que pinta a óleo).
Mas, Maria Helena não saía do país pela primeira vez. Nascida em 1908 (finais da Monarquia e próxima Implantação da República em Portugal), Vieira da Silva parte com os pais para a Suíça (em sequência do conselho médico ao pai, que necessitava dos ares suíços e bons sanatórios  -  a fim de debelar a tuberculose de que ele padecia).
Maria Helena, contudo, faria sentir a sua situação de isolamento(em criança): não convivia com outras crianças na meninice: referia muitas vezes em entrevistas, focando a solidão de infância, a ausência de amizades, a imensidão do palacete do avô materno. Naquele palacete, rodeada de adultos, estudou, aprendeu o português, o francês, o inglês, o desenho e a pintura -  à boa maneira das meninas com condições sociais privilegiadas. Teria, como mestres de desenho, os professores Emília Santos Braga e Armando de Lucena. Aprenderia, igualmente, a tocar piano.
Extasiava-se, porém, no contacto com a Natureza  -  registando, encantada, o contacto (guiada pelo Tio José) com o engenho para tirar água do poço; bem como se embeveceu com os livros de estampas em que aprendeu a ler (livros que talvez a tenham inspirado, quando  -  aos vinte e cinco anos  -  desenhou histórias infantis, pedindo a Pierre Guéguen para escrever o texto).
Mas, Maria Helena partiu  -  Lisboa estava sem futuro. Os artistas fazem sentir ao governo a intranquilidade da situação económica: as obras não se vendem, e há artistas na miséria. António Ferro  -  um dos alicerces mentores do regime  -  decide as balizas político-culturais: as linhas estéticas, as exposições a realizar, as encomendas do Estado aos artistas. Vieira da Silva sabe o que se passa: vem algumas vezes a Lisboa. Em 1933, realiza a sua primeira exposição em Paris. Conhece a célebre galerista Jeanne Bucher, que lhe vende, na sua galeria, o seu primeiro quadro  -  quadro comprado, precisamente, por um pintor alemão (Massimo Campigli). Passado pouco tempo, Maria Helena venderia um quadro, destinado à famosa Colecção Guggenheim.
Em 1935, Vieira da Silva participa numa mostra, em Lisboa, constituída por quadros de pintura abstracta, a primeira que se fez em Lisboa desde o tempo de Amadeu de Sousa-Cardoso (nas palavras do escritor e encenador António Pedro).
Entretanto, explode a II Grande Guerra. Portugal é neutro: Maria Helena e Arpad Szenes regressam a Lisboa. Porém, face à insistência de Salazar no divórcio de Maria Helena (como condição  para obter a nacionalidade portuguesa) leva Maria Helena (e o marido) a optarem pela fixação na Brasil; porém, não se sentem felizes nas paragens brasileiras: Arpad dá lições de pintura, e Maria Helena pinta quadros de encomenda  -   fazendo, contudo, com mais frequência, pinturas sobre azulejo e cerâmica. Maria Helena entra em depressão.
Mas, em 1947, o casal regressa a Paris. Em França, Vieira da Silva aconselha outros artistas a viver em Paris  -  como aconselharia ao pintor português Manuel Cargaleiro.
Em 1950, e daí para diante, Maria Helena Vieira da Silva é uma artista consagrada: as suas opiniões valiam tanto como as suas obras. Era uma mulher interessante: gostava de vestir bem, de boa comida, gostava de fumar cigarros e beber vinho verde e champanhe. Longe do falso epíteto de “mau génio” (como lhe atribuíam os inimigos), ela  -  Maria Helena   -  abria as portas do sucesso aos mais novos, e socorria os desvalidos da sorte.
Em 1962, Vieira da Silva faz uma exposição de pintura em Basileia (Suíça): aí conhece o arquitecto e homem de ideias português (José Sommer Ribeiro). Após longa conversa, Vieira da Silva rejubila, ao descobrir que Sommer Ribeiro não era  conotado com a Ditadura Portuguesa. Ficaram amigos. José Sommer Ribeiro seria o grande impulsionador do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, lembrando Sommer Ribeiro que Maria Helena Vieira da Silva era uma mulher de esquerda.  Ora, Sommer Ribeiro iria ser director e administrador da Fundação Arpad Szenes (isto, em 1990).
Em 1992, a 6 de Março, Maria Helena Vieira da Silva  -  após ter desenhado a Série “Luta com um Anjo”  -  não resiste a uma prolongada doença, acabando por falecer.
Como uma Mulher inspirada nos ideais da Democracia, Maria Helena Vieira da Silva rejubilaria com o regresso da Democracia ao seu País Natal -  como o atestam os cartazes sobre a Revolução dos Cravos, que Maria Helena dedica a Sofia de Mello Breynner  -  sua amiga.
Cartazes, de que destacamos a composição pictórica “A Poesia está na Rua: 25 de Abril de 1974”. Maria Helena Vieira da Silva seria galardoada pelo Estado Francês por várias ocasiões  -  sendo de destacar o de Oficial da Legião de Honra. Em Portugal, a Pintora Portuguesa seria condecorada com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.
 José Alexandre Laboreiro
 In «Montemorense» Março 2016. Autorizada transcrição pelo Autor                                 

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