Terça, 10 Maio 2016
Confesso que a conversa contestatária sobre as ervas que crescem nos
passeios em espaço urbano é, para mim, um dos mais recônditos mistérios sobre a
prática popular de cidadania activa.
Entendo-a perfeitamente quando a oiço a
quem vive do que a terra dá e as ervas daninhas representam, por isso, uma
ameaça à boa, ou melhor, colheita. Também reconheço que o lixo mais facilmente
aterra num espaço em que fica preso nas ervas do que num terreiro livre delas,
mas o problema aí é o lixo e quem o faz, e não as ervas que naturalmente
procuram entre as pedras da calçada ou dos passeios um espaço para crescerem. E
é ver o Rossio em Évora - terreiro de mercado livre de ervas, mensalmente
invadido pelo lixo que quem ali negoceia, vendendo e comprando, deixa como
recibo à cidade - para perceber-se no espaço urbano a diferença entre ervas e
lixo.
Se o meio urbano vive muito do comércio, pelos vistos o país vive também
muito do comércio do glifosato que mata depressa e barato as ervas no campo e
na cidade. Só que a cidade não é o campo e o que pode servir a um pode não
servir a outra. Parece-me que a questão do glifosato aplicado na agricultura ou
nos passeios urbanos ou suburbanos é, por isso, diferente. E a argumentação que
justificaria medidas diferenciadas deveria servir mesmo era para explicar
opções, e contrariar o disparate motivado pela ignorância, e não para servir
ora de megafone, ora de rolha. As pressões são mesmo assim e reagir-lhes requer
aos políticos, não só o tino comum aos seres pensantes, mas uma enorme resistência
ao desejo de alguns quererem agradar a todos e a qualquer preço.
As pressões em torno das ervas espontâneas nos passeios são, então, um
assunto de enorme importância para os Eborenses. Sabiam-no os actuais
governantes quando estavam na oposição e cavalgando a contestação se juntavam
ao coro, ideologicamente polifónico, das vozes que punham o assunto no rol do
que está muito mal na cidade. Sabem-no agora quando, confrontados com a falta
de mão-de-obra que já antes impedia que fossem mais eficientes e eficazes os
trabalhadores a arrancar as ervas, vá de usarem o glifosato em doses que coloca
Évora bem posicionada no topo da lista das autarquias que, dentro de uma
legalidade que me confirmaram, mais usam este tipo de herbicida muito pouco
saudável para o cidadão e para os animais domésticos que circulam em espaço
urbano. Afinal de contas, a solução para as ervas não revela ignorância mas uma
escolha muito consciente para tratar um assunto que, em meu entender, se
preocupa muito mais com a opinião pública do que com a saúde pública.
«Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não surpreende.»
pensava o Vergílio Ferreira em contexto de pensar o Homem e a Vida. E eu, que
já vou sabendo algumas coisitas, fico é mesmo à espera de ser surpreendida no
próximo dia 18, quando a Comissão Europeia votar a reautorização da licença de
uso deste herbicida na Europa. Até agora houve uma proposta para a revalidação
por 15 anos, mas a Itália, a França, a Holanda e a Suécia parece que se
opuseram, o que fez com que não se realizasse a votação por não estar garantida
a maioria qualificada. Entretanto, parece também que o Parlamento Europeu terá
feito uma recomendação, ainda que não vinculativa: que a revalidação da licença
se faça apenas por sete anos e se decrete a proibição do seu uso em espaço
urbano. Depois? Depois é cumprir. O que nem sempre é óbvio, e vai deixar alguma
gente continuar muito incomodada com as ervas no passeio. Tenham dó!
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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