quinta-feira, 28 de abril de 2016

VASCULHAR O PASSADO

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos

                                                                 Curvo Semedo
         Glória de Montemor-o-Novo e da poesia portuguesa
            nasceu há 250 anos  

                                             A Vila Notável homenageou o poeta
 Montemor-o-Novo, é por muitos dos seus filhos, considerada melhor madrasta que mãe. Admito que em algumas situações, essa acusação tem algum quê de verdade, mas, no caso concreto de Curvo Semedo, já homenageado por uma dúzia de vezes, essa acusação não se pode colocar. Só que, o primeiro passo foi dado por particulares:
            Cinquenta e três anos depois da morte de Curvo Semedo, mais propriamente em 1891, os fundadores do Círculo Montemorense, usualmente designado por Sociedade Pedrista, resolveram homenagear o poeta, colocando no palco, um bonito pano de boca formado por uma enorme tela pintada, onde sobressai ao centro, o retrato de Curvo Semedo.
            Em 1905, a câmara monárquica montemorense, atribuiu o seu nome à rua da Guarda, que segundo os historiadores da época, foi o local de nascimento de Curvo Semedo.
                                                    Curvo Semedo, por Simão da Veiga
 No dia 2 de Setembro de 1934, na comemoração do 25.º aniversário da inauguração do Ramal de Caminho de Ferro, no final da Sessão Solene, o Dr. Alfredo Maria Praça Cunhal, Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, traçou a biografia do poeta e da época literária em que viveu. Convidou depois para descerrar o retrato de Curvo Semedo, o Vereador Dr. Vicente Pires da Silva. O retrato de Curvo Semedo é um esplêndido trabalho a óleo da autoria de Simão da Veiga.
            O município atribuiu ao Teatro do Rossio, inaugurado em 17 de Janeiro de 1960, o nome do poeta. Já antes, os montemorenses chamavam ao Teatro Montemorense, localizado na Rua Nova, e que foi destruído por um incêndio em 22 de Maio de 1922, “Teatro Curvo Semedo”.
                                                   Curvo Semedo, por Stella de Albuquerque
Na década de setenta, por iniciativa do Núcleo de Lisboa do Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo, através de subscrição pública, foi construído um busto do poeta em bronze, para ser colocado em frente do Cine Teatro Curvo Semedo. Segundo consta, a autarquia não concordou com a colocação do busto no local pretendido pelo GAM, e inexplicavelmente, ainda não encontrou um sítio apropriado para o colocar. Decorridas quatro décadas, a recriação da fisionomia do poeta, da autoria da escultora Stella de Albuquerque, continua depositada na valiosa biblioteca do Convento de S. Domingos.
            Na Biblioteca Municipal Almeida Faria, inaugurada em 1983, existe uma sala com o nome do Curvo Semedo. Nesta sala, com de cerca de dois mil livros, impressos entre os séculos XVI e XVIII, está exposto o acima referido retrato do poeta, e a árvore genealógica.
            Nas comemorações do centésimo quinquagésimo aniversário da morte de Curvo Semedo, em 28 de Dezembro de 1988 o município resolveu, e muito bem, homenagear o ilustre montemorense, mandando colocar no prédio sito na Rua do Calvário, n.º 27, uma placa que informa: “Nesta casa, segundo a tradição, nasceu em 15 de Março de 1766 o poeta Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira, Belmiro Transtagano” – Homenagem do Município nos 150 anos da sua morte – Dezembro de 1988” 
            O local onde foi prestada esta homenagem, apanhou de surpresa os montemorenses mais antigos, no grupo dos quais eu me incluo, que sempre ouviram dizer que Curvo Semedo nasceu na antiga Rua da Guarda, que desde 1905 possui o seu nome.
            Testemunho deste facto, é o artigo assinado pelo historiador Manuel de Montemor, escrito na página 406 do Álbum Alentejano, publicado em 1932.
            Dúvidas à parte, tanto mais que Manuel de Montemor já não pertence ao número dos vivos, e como tal não se pode defender, não sou eu que o vou fazer, tanto mais que, acredito na versão da autarquia, cujo historiador que elaborou esta proposta, o meu velho amigo, Professor Doutor Jorge Fonseca, Doutorado em Estudos Portugueses, está acima de qualquer suspeita.
            Como referi no texto do mês anterior, Curvo Semedo foi baptizado na Igreja do Calvário. O assento do baptismo, consta no Livro n.º 5, página 36, da referida freguesia - Arquivo Paroquial de Montemor-o-Novo, depositado na Biblioteca Pública de Évora. Usualmente, as crianças são baptizadas na freguesia onde nasceram, e a antiga Rua da Guarda, pertence à freguesia de Nossa Senhora do Bispo...
                                                              Curvo Semedo, por Vítor Guita
Também em Dezembro de 1988, foi lançado o N.º 6 da Revista de Cultura Almansor, dedicada exclusivamente à obra de Curvo Semedo, que constituiu uma das iniciativas com que o Município comemorou a passagem dos 150 anos sobre a data da morte do poeta.
            O polivalente Vítor Guita, um empenhado defensor da cultura montemorense, que tem “oferecido desinteressadamente” à Vila Notável, o seu enorme talento, encarregou-se da selecção dos textos que formam esta antologia, assim como da sua introdução histórica e literária. É sem dúvida alguma, o montemorense que melhor conhece a obra de Belchior Curvo Semedo.
            Em homenagem a Curvo Semedo, o grupo montemorense “Porta Aberta” musicou a fábula “O velho o rapaz e o burro”.  Em 1993, através do programa televisivo “A Casa do Tio Carlos”, transmitido pela RTP1, e com a Oficina da Criança e os seus utentes a servirem de cenário, os músicos montemorenses Adriano Serôdio, Jorge Pires, Luís Melgueira, Baltazar Santos e Henrique Lopes, acompanharam a voz castiça do Tó Pê nesta homenagem ao nosso conterrâneo. Esta interpretação está disponível no hi tube.
            No dia 13 de Junho de 2001 Curvo Semedo, Bocage e outros poetas da Nova Arcádia, reuniram-se na Sociedade Pedrista.
            Poesia, música e alguma conversa, onde dominou a critica social e política da época, foram os ingredientes que acabaram por maravilhar o público que encheu o Salão Nobre da Pedrista. A figura do poeta montemorense esteve a cargo de André Silva. Bocage foi interpretado por Hugo Reboredo, um autêntico “sósia” do poeta do Sado.
            A pesquisa e direcção geral do espectáculo estiveram a cargo de Vítor Guita.
            Ainda nesse ano de 2001, Vítor Guita escreveu um texto intitulado “Escritores com sotaque alentejano” – Curvo Semedo e Almeida Faria. O tema foi interpretado pelo Grupo de Teatro da Escola Secundária.
            Este sarau recebeu posteriormente convite para estar presente na Festa das Línguas, que teve lugar no Centro Cultural de Belém. A actuação dos jovens montemorenses, que promoveram na capital a obra de Curvo Semedo, e também de Almeida Faria, mereceu por parte da crítica da especialidade, os maiores elogios.
            Com excepção de S. João de Deus, nenhum montemorense foi tão homenageado como Curvo Semedo.
            Era imperdoável, concluir este texto, sem transcrever a sua mais conhecida obra, a fábula

“O velho, o rapaz e o burro”.

O Mundo ralha de tudo,                                               »De que lhes serve o burrinho?
Tenha ou não tenha razão,                                            »Dormem com ele na cama?»
Quero contar uma história                                             «Rapaz», diz o bom do velho,
Em prova desta asserção.                                              «Se de irmos a pé murmuram,
Partia um velho campónio                                              »Ambos no burro montemos,
Do seu monte ao povoado,                                            »A ver se inda nos censuram.»
Levava um neto que tinha                                              Montam, mas ouvem de um lado:
No seu burrinho montado:                                             «Apeiem-se, almas de breu,
Encontra uns homens que dizem:                                  »Querem matar o burrinho?
«Olha aquela que tal é!                                                  »Aposto que não é seu.»
»Montado o rapaz que é forte,                                       «Vamos ao chão», diz o velho,
»E o velho trôpego a pé.»                                              «Já não sei qu’ei-de fazer!
«Tapemos a boca ao mundo»,                                        »O mundo está de tal sorte,
O velho disse: «Rapaz,                                                  »Que se não pode entender.
»Desce do burro, que ‘eu monto,                                  »É mau se monto no burro,
»E vem caminhando atrás.»                                          »Se o rapaz monta, mau é,
Monta-se, mas dizer ouve:                                            »Se ambos montamos, é mau,
«Que patetice tão rata!                                                  »E é mau se vamos a pé:
»O tamanhão de burrinho,                                            »De tudo me têm ralhado,
»E o pobre pequeno à pata.»                                         »Agora que mais me resta?
«Eu me apeio», diz prudente                                        »Peguemos no burro às costas,
O velho de boa fé,                                                        »Façamos inda mais esta.»
«Vá o burro sem carrego,                                              Pegam no burro; o bom velho
»E vamos ambos a pé.»                                                 Pelas mãos o ergue do chão,
«Tapemos a boca ao mundo»,                                       Pega-lhe o rapaz nas pernas,
O velho disse: «Rapaz,                                                 E assim caminhando vão
«Desce do burro, qu ‘eu monto,                                   «Olhem dois loucos varridos!»,
«E vem caminhando atrás.»                                          Ouvem com grande sussurro,
Monta-se, mas dizer ouve:                                            «Fazendo mundo às avessas,
«Que patetice tão rata!                                                  »Tornados burros do burro!»
»O tamanhão de burrinho,                                            O velho então pára e exclama:
«E o pobre pequeno à pata.»                                         «Do qu’observo me confundo!
«Eu me apeio», diz prudente                                        »Por mais qu’a gente se mate
O velho de boa fé,                                                        »Nunca tapa a boca ao mundo.
«Vá o burro sem carrego,                                              »Rapaz, vamos como dantes,
»E vamos ambos a pé.»                                                 »Sirvam-nos estas lições;
Apeiam-se, e outros lhe dizem:                                     »É mais que tolo quem dá
«Toleirões, calcando lama!                                            »Ao mundo satisfações.»
           
            Montemor-o-Novo pode orgulhar-se de ter sido pátria de duas autênticas glórias nacionais: o poeta Curvo Semedo e essa outra muito mais alta e luzente, o ínclito S. João de Deus, e apropriar a si o verso épico: Ditosa pátria que tais filhos teve!
           
            Nota - Os jornais cá da urbe, não se esqueceram desta efeméride, ao contrário do município, que nem uma única palavra sobre este acontecimento, aplicou na Agenda Cultural de Março. Imperdoável!
Augusto Mesquita
In Folha de Montemor - Abril 2016- Transcrição autorizada pelo Autor


2 comentários:

Anónimo disse...

Ora aqui está uma fábula que pediam mesmo uns versos do Poeta Major, adaptadas aos últimos tempos de vida do Concelho do Alandroal.

Admiradora do Poeta

Anónimo disse...


Boa ideia minha amiga!
Como deve calcular "os últimos tempos de vida do Concelho do Alandroal" só muito sinteticamente poderiam caber numa poesia...
Já fiz um poema da história do Concelho do Alandroal desde os primórdios até à Idade Média. Foram 20 Poesias. Foi uma obra que considero séria, penso porém, que muito pouca gente mostrou o seu interesse.
Ainda assim agradeço a aceitação das poucas pessoas que me dirigiram palavras de apreço.
A história recente, para ser história, ainda é muito cedo para ser escrita. Deixe lá assentar o pó! Depois logo se vê.
Bom fim de semana. Jerónimo Major