sexta-feira, 15 de abril de 2016

LUGAR À CULTURA – Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.
                                            
                                           Uma educação para a liberdade
 «O que está a acontecer no mundo indiciará a necessidade de uma mudança fundamental na consciência humana e será essa mudança possível?»
 J. Krishnamurti
(in “Será que a Humanidade pode mudar?” )


 Paulo Freire (pedagogo brasileiro bastante conhecido, face à análise que fez incidir sobre a Educação e a Sociedade latino-americana) regista, ao acentuar o papel da Educação na conscientização das sociedades, o seguinte: «na minha opinião a educação para a liberdade implica, constantemente, permanentemente, o exercício da consciência, voltando-se para si mesma com vista a descobrir-se a si própria nas suas relações com o mundo, tentando explicar as razões que possa esclarecer a situação concreta do homem no mundo. Mas isto não é suficiente. É importante salientar que a reflexão por si só não é suficiente para o processo da libertação. Nós precisamos da actuação, ou, por outras  palavras, precisamos de transformar a realidade em que estamos inseridos. Mas, para transformar a realidade, para desenvolver a minha acção sobre a realidade, transformá-la, é necessário conhecer essa mesma realidade. Em função disto a minha “praxis” é, necessária e constantemente, a unidade entre a minha acção e a minha reflexão.»
E Paulo Freire, no âmbito do seu propósito de criar um cidadão livre (porque consciente), propõe  -  com vista a uma democratização autêntica  -  que a mudança não será uma realidade senão quando forem implantados um conteúdo, uma concepção e estruturas educativas radicalmente novas  -  que implicariam uma concepção nova de educação (que não seria uma mera transmissão de conhecimentos), que pressuporia um desenvolvimento da capacidade criadora ao aluno; na mesma propondo um conteúdo novo na medida em que não for estático  -  antes respondendo às exigências  da realidade dinâmica do aqui e agora; defendendo ainda a criação de estruturas novas que representem instituições marcadas por dimensões abertas, comunitárias e dialogais (em vez de sistemas de domínio e dirigismo pedagógico)  –  numa concepção pedagógica que não apenas liberte e se liberte dos esquemas de domínio, mas que liberte as energias criadoras e critico-reflexivas do Homem, de forma a que chegue a ser uma pessoa comprometida com os outros na mudança das estruturas; na mesma preconizando que a escola se deve abrir a uma pluralidade de opções, na perspectiva de formação integral do Homem. Por outro lado, referenciando a importância do livro e da leitura na formação integral do Homem (e assim, logicamente, participando na construção da sua Liberdade), refere Dietrich Schwanitz (in “Cultura  -  o Poder da Linguagem e da Escrita”) que numa época em que a comunicação oral ganha terreno ignoram o carácter modelar da linguagem escrita, aquelas crianças afastadas do prazer da leitura: constatando ainda o ensaísta que apenas adquirem o hábito de leitura e de escrita as crianças de famílias que consideram estas actividades naturais e imprescindíveis: as crianças das camadas cultas da burguesia. Nos ambientes familiares em que os pais vigiam o consumo televisivo dos filhos, limitando-o e contribuindo para que os filhos comecem a satisfazer as necessidades da imaginação com os livros  -  preconizando, nomeadamente, que as crianças só deveriam ver televisão quando a leitura deixasse de ser para elas uma actividade penosa; caso contrário, a leitura será uma actividade fastidiosa durante toda a vida. Quem assim cresceu  -  diz-nos Schwanitz -  mais tarde, não lê mais do que o estritamente necessário e a contragosto. E, acrescenta o comentarista, deste modo a política educacional está a produzir duas classes: de um lado, encontram-se os que têm hábitos de leitura, absorvem novas informações e estão acostumados a estruturar ideias tendo como modelo a escrita, o que lhes permite entender a construção da oração, a lógica do pensamento que nela se manifesta e os elementos que a compõem. Ao mesmo tempo, adquirem capacidades para formar diferentes tipos de textos (relatórios, exposições, análises, contos, ensaios, etc.); tudo isto lhes proporcionando maior facilidade na escrita e lhe permite estruturar a expressão oral segundo o modelo dos textos escritos. Os outros, segundo o autor do comentário, só lêem quando são obrigados e, se o não forem, vêem televisão  -  encarando o livro como impertinência e não compreendem quem os lê, desconfiam deles. Diz-nos o comentário que vimos referindo que «não temos de ler todos os livros que nos caem nas mãos do princípio ao fim”. Mas, logicamente, na opção de escolha de uma leitura, pesa bastante o nosso gosto literário, a que acrescerá o hábito de leitura, a oportunidade de a fazer  -  a que se junta  -  logicamente  -  a “mais valia” cultural do livro (atendendo ao princípio de Pascal de que «mais vale uma cabeça bem formada, do que uma bem recheada!»)
E, no âmbito das ideias que vimos referindo, achámos pertinente transcrever, de uma recente publicação do jornal “Público”, a opinião de um leitor do jornal  -  a focar a importância da Educação, do Conhecimento enquanto alicerces do crescimento das Sociedades; mas, diz-nos ele: «A importância do Conhecimento supera a da Educação. Li algo parecido com isto num texto, espero não estar errado, de Hemimgway. Agora que já vivi alguns anos mais, cada vez  mais me parece encontrar uma possibilidade positiva dessa importância a do Conhecimento. Vem a propósito da apologia que, por vezes, se faz dos povos de Leste. Um povo frio com alguma antipatia à mistura. Numa breve incursão nas terras e costumes deste povo, verifico a sua sagacidade no Conhecimento (...) Estamos muito preocupados, quase sempre, com a ideia  de Educação (...) Esquecemo-nos de que sem Conhecimento a Educação não serve para nada.»
Educação, Conhecimento, Arte, Literatura, Ciência  -  tudo realidades que enformam o Humanismo, enquanto suportes do crescimento do Ser Humano: realidades distribuídas ainda, infelizmente, de forma tão díspar ao longo da Terra (apesar de nascerem do Homem e para o Homem)  -  constatação assente em grande parte no egocentrismo economicista do ser humano: lembrando-me, a propósito, do reparo oportuno de Virgínia Woolf: «Não podemos pensar bem, amar bem, dormir bem, se não tivermos jantado bem».

José Alexandre Laboreiro      

Publicado in “Folha de Montemor” Março 2016. Transcrição autorizada pelo Autor                        
    

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