Curvo Semedo
Glória
de Montemor-o-Novo e da poesia portuguesa nasceu há
250 anos
A vida e a
obra do poeta
No
“Vasculhar o passado” de Maio do ano transacto, dedicado aos escritores
montemorenses já falecidos, prometi debruçar-me este mês, sobre a vida e a obra
de Curvo Semedo, em homenagem aos 250 anos do seu nascimento, e cá estou a
cumprir o prometido. Mas, como o caudal de informação recolhida sobre o nosso
conterrâneo é extenso, resolvi dividir o artigo em duas partes. Segue-se a
primeira:
Belchior
Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira, Cavaleiro na Ordem de Nossa Senhora da
Conceição e Professo na de Nosso Senhor Jesus Cristo, Fidalgo da Casa Real e
Servidor da Toalha, nasceu na vila de Montemor-o-Novo em 15 de Março de 1766.
Era filho de Francisco Inácio Curvo Semedo Torres de Sequeira e de D. Mariana
Bárbara Freire de Andrade de Vila Lobos e Vasconcelos. Neto de Manuel José
Curvo Semedo, Fidalgo da Casa de Sua Majestade, e de João Freire de Andrade,
Mestre de Campo, Alcaide-Mor e Capitão-Mor na mesma vila de Montemor-o-Novo;
contando sempre uma série não interrompida de avós ilustres desde o principio
da monarquia, pois descende de D. Paio Gil Curvo, fidalgo no reinado de D.
Afonso Henriques.
Na
Biblioteca Municipal Almeida Faria na sala que tem o nome do poeta, está
exposta a Árvore Genealógica, onde se pode desvendar a família de Curvo Semedo.
Como
católicos que eram, os pais, organizaram o baptizado do bebé. A cerimónia
ocorreu oito dias depois do nascimento, na Igreja do Calvário, freguesia de
Nossa Senhora da Vila. Foram padrinhos do novo cristão, Nossa Senhora da
Conceição e Inácio António de Oliveira. O
assento do baptismo, consta no Livro n.º 5, página 36, da referida freguesia -
Arquivo Paroquial de Montemor-o-Novo, depositado na Biblioteca Pública de
Évora.
Desde
os seus mais tenros anos, que o nosso conterrâneo deu provas do seu raro
talento, e inspiração pouco comum, que depois fez dele, um dos mais insignes
poetas do seu tempo.
Tendo
seguido o curso das escolas militares, alistou-se como cadete no Regimento de
Engenharia de Lisboa.
Aplicando-se,
efectivamente, ao estudo das matemáticas na Academia de Fortificação e Marinha,
na cidade de Lisboa, distinguiu-se tanto que alcançou prémios em todos os
actos.
Foi
promovido ao posto de segundo tenente do Real Corpo de Engenheiros, e
encarregado de levantar a Carta Corográfica do País, e de outras comissões
importantes de serviço, que desempenhou com plena aprovação. Mas, por
circunstâncias, que não são bem conhecidas, preferiu, ao serviço da sua arma, o
lugar mais pacífico de escrivão da Alfândega de Lisboa, e reformou-se no posto
de capitão.
Dava-lhe
o seu novo emprego os ócios necessários para se entregar ao cultivo das letras
e nelas se assinalou como poeta distinto.
Em
1790 Curvo Semedo e Joaquim Severino Ferraz, aliados a Domingos Caldas Barbosa,
tiveram a ideia de fundarem a Academia de Belas Letras, também chamada Nova
Arcádia. Em homenagem à terra natal, o nosso conterrâneo optou pelo pseudónimo
arcádio de “Belmiro Transtagano”. Em 1793 Curvo Semedo é co-fundador do
“Almanaque das musas”, publicação que pretendia reunir a produção da academia.
Os seus ditirambos e os seus apólogos foram acolhidos com aplauso e
granjearam-lhe o cognome de “Lafontaine português”.
Nesse
ano de 1793, o aparecimento de um célebre soneto com que os árcades fulminaram
Bocage fez com que este, furioso, e não sabendo a quem atribuir o soneto, se
atirasse a todos eles, (vós, ó Francas, Semedos, Quintanilhas, / Macedos e
outras pestes condenadas…). Curvo Semedo foi ainda apelidado por Bocage de “Vão
Belmiro”. Não se acobardou porém, e bateu-se valentemente com o genial e
popular poeta setubalense, como prova a seguinte quadra: Morreu Bocage,
sepultou-se em Goa! / Chorai, moças venais, chorai pedantes, / O insulso
estragador de consoantes / Que tantos tempos aturdiu Lisboa. Vários anos
viveram ambos como inimigos irreconciliáveis, alvejando-se mutuamente em
renhidas contendas literárias. Vieram a reconciliar-se, nos últimos anos de
Bocage, falecido em Dezembro de 1805, acabando por se dirigirem um ao outro com
versos dignos do elevado talento dos dois poetas.
O
nosso conterrâneo casou duas vezes: a primeira em 1799, com D. Maria José
Ludovice de Santa Bárbara e Moura, falecida a 22 de Novembro de 1806. Casou em
segundas núpcias a 29 de Agosto de 1809, com D. Gertrudes Perpétua de Portugal
da Silveira Walles de Varona de Góis e Meneses. Curvo Semedo foi pai de seis
filhos: Baltazar, Maria Amália, Eduardo, Augusto, Adriano e Carolina. Os dois
primeiros, nasceram do primitivo casamento, e os restantes, provieram do
segundo enlace matrimonial.
Curvo
Semedo tem uma obra de cinco volumes das suas “Composições Poéticas”.
Em
1803, publicou o 1.º e 2.º volumes. Em 1817 foi publicado o 3.º volume. Por
motivos de saúde, o 4.º volume, publicado em 1835, já não pôde ser ordenado e
revisto pelo seu autor.
Em
1820, apareceram as suas fábulas, que ele com tanta modéstia intitulou
“tradução livre das de Fontaine”. Esta obra eleva para cinco as suas
“Composições Poéticas”.
Em
9 de Julho de 1883, Henrique Zeferino de Albuquerque, livreiro e editor muito
conhecido e acreditado em Lisboa, que escreveu o prefácio da 3.ª edição,
revelou: Estas Fábulas de La
Fontaine traduzidas por Curvo Semedo, ou, antes, como
deveríamos dizer, falando com mais propriedade, estas Fábulas de Curvo Semedo
(pois nelas o poeta português usou o mesmo método que La Fontaine , usou para com
os seus antecessores, Esopo, Fedro, Avieno, Pilpay e outros, no mesmo género
literário). Estas Fábulas, repetimos, haviam sido leitura predilecta, em verdes
anos, de alguém que ainda conhecera e estimara o autor, de alguém ligado ao
presente editor e signatário destas linhas, pelos mais apertados laços da vida,
os que prendem um filho a um pai.
O
editor termina desta forma: Curvo Semedo escreveu-as para crianças, e nós, que
em criança tivemos a ventura de ouvi-las e compreendê-las, é também para
crianças que hoje as publicamos.
Pelo
facto de Curvo Semedo ter proferido duros comentários à aristocracia e à
igreja, foi alvo de um breve encarceramento nas masmorras do antigo Palácio dos
Estaus, também conhecido por Palácio da Inquisição, no Rossio em Lisboa. Este palácio
viria a ser destruído por um incêndio em 1836, e no seu lugar, foi construído o
Teatro Nacional de D. Maria II.
Por
duas vezes, o nome arcádio de Belmiro Transtagano foi pronunciado perante os
juízes dos Estaus. Uma denúncia
contra Curvo Semedo no Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, pode ser
vista na Torre do Tombo (processo 17225).
Nos
últimos anos de vida perdeu quase por completo as faculdades mentais, e veio a
falecer em Lisboa a 28 de Dezembro de 1838, com 73 anos de idade. Morava em
sítio que, das janelas da casa onde residia, na Rua de S. Tomé, junto ao
Castelo de S. Jorge, “via o sítio do Alentejo”. A nostalgia do torrão natal,
era bem forte, como prova no 2.º volume da sua obra, a página 6 – Elogio da
Vila Rústica.
A
sua obra poética, variada mas não muito numerosa, caracteriza-se
particularmente pelo romantismo da época. Cultivou o soneto, a ode, a parábola,
o apólogo, e vários outros géneros de composição em verso. Curvo Semedo
escreveu também alguns textos teatrais, como por exemplo o “Novo Entremez”,
intitulado “ O Mérito Premiado” ou “Os Três Enjeitados”, em que faz uma análise
critica da burguesia da época.
Curvo Semedo conheceu alguma celebridade pela
inclusão frequente de textos seus em selectas escolares.
Tenho
muito orgulho, de possuir na minha modesta biblioteca, o texto integral das
Fábulas de Curvo Semedo, num total de cento e duas historietas.
As
suas fábulas vivem conservadas na memória do povo, testemunho seguro do seu
alto merecimento.
Decorridos
quase dois séculos após a sua feitura, a fábula “O velho, o rapaz e o burro”
foi considerada em 2007, pelo Ministério da Educação, dirigido por Maria de
Lurdes Rodrigues, livro recomendado para o 2.º ano da escolaridade, destinado a
leitura autónoma e/ou leitura com apoio do professor ou dos pais.
Já
antes, em 1978, a
Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das
Comunidades Portuguesas, que decorreram em Portalegre, editou este apreciado
apólogo.
Augusto Mesquita
"In Folha de Montemor - Março 2016 - Transcrição autorizada pelo Autor
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