Mensalmente
Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de
outros tempos
Se o estimado leitor bem se lembra, prometemos, nas Memórias
Curtas do passado mês de Janeiro, que voltaríamos a falar de Belchior Curvo
Semedo, poeta nascido em Montemor – O - Novo, vai fazer no mês de Março 250
anos.
Curvo Semedo é um nome muito badalado pelos montemorenses,
sobretudo porque está associado ao grande cine-teatro da terra. Porém., paira
no ar a sensação de que se conhece pouco acerca da vida e obra do poeta.
Aproveitamos este nosso período memorialista para ajudar a
divulgar alguns aspectos relacionados com a personalidade em causa. Desta vez,
procuraremos fazer, em breves pinceladas, um retrato da época em que viveu o
ilustre vate montemorense.
Quem nasceu em 1766 e morreu em 1838, como foi o caso do nosso
poeta, atravessou alguns dos momentos mais marcantes e também mais conturbados
da História de Portugal.
Em traços muito gerais, diremos que Curvo Semedo viveu ainda
alguns anos durante o consulado pombalino, tendo testemunhado as sequelas
deixadas pelo terramoto de 1755 e a consequente reedificação da cidade de
Lisboa bem como de outras localidades. Por outro lado, viveu num tempo em que o
território português foi invadido, por três vezes, pelo exército napoleónico,
com todas as consequências que isso implicou, designadamente a retirada da
Corte para o Brasil. Foi ainda em seus dias que ocorreu a revolução de 1820,
num período de violentas confrontações e em que se assistiu, com avanços e
recuos, à degradação do Antigo Regime e ao emergir da Ideia Liberal.
Estava-se, pois, na viragem do século XVIII para o chamado
Mundo Novo.
Lisboa, cidade onde Curvo Semedo viveu grande parte da sua
existência, levou várias décadas a erguer-se do cenário dantesco em que um
tremor de terra, um tsunami e um mar de chamas se conjuraram para a destruir.
Foi uma verdadeira hecatombe.
Além das muitas desgraças, a capital do Império não primava,
segundo consta, pela segurança e pela higiene. As ruas e as vielas escuras
favoreciam os intentos da gatunagem, pelo menos até 1780, altura em que Pina
Manique decidiu instalar iluminação pública.
Tempos houve em que quem passava na rua estava sujeito a ser
surpreendido pelo grito “lá vai água”, destinado a avisar os transeuntes do
arremesso das mais diversas imundices.
Em cada esquina, havia um mendigo e, por entre o repicar dos
sinos, ouviam-se os cães a ladrar com fome.
Era numa Lisboa em reconstrução, suja, mas devota, que
desfilavam as elegantes sécias e os peraltas, a par de um grande número de
frades, de alcoviteiras e de uma mescla de negros e mestiços.
O Tejo estava cheio de navios com bandeiras de várias
nacionalidades, o que lhe dava um certo ar cosmopolita. Os cafés conheceram um
forte impulso, e os botequins das zonas ribeirinhas enchiam-se de marinheiros e
também de alguns intelectuais. Bocage e outros poetas eram seus frequentadores
assíduos. Quanto a Curvo Semedo, imaginamo-lo mais ali para os lados de Queluz
ou num outro ambiente palaciano.
Dada a quase inexistência de jornais, era nos cafés e
botequins que se sabiam as últimas notícias e se comentavam os ecos daquilo que
se passava no estrangeiro. Alguns desses lugares tornaram-se espaços
revolucionários, onde se debatiam ideias, se ganhava consciência política e a
poesia se democratizava. Tudo isto se passava frequentemente num clima de
desconfiança e de medo, ainda assim não estivessem à espera ali por perto, “os
moscas”, que eram a polícia política de Pina Manique, capaz de fazer chegar
alguma denúncia aos ouvidos dos inquisidores.
Apesar das reformas e de alguns progressos no campo
cultural, os portugueses continuavam a ser, segundo a opinião de observadores
estrangeiros, um povo com um coração “doce”, mas muito ignorante. O país estava
atrasadíssimo relativamente às ideias que fervilhavam na Europa.
O teatro atravessava um momento menos brilhante, apesar de
ser um dos passatempos das classes privilegiadas. Para este declínio muito
contribuiu a censura e uma ordem decretada pela Rainha D. Maria I que proibia
as mulheres de representar, sendo substituídas por homens. Imagine-se o que
seria um papel feminino interpretado por uma voz cheia de masculinidade.
No campo da música, algumas cantoras célebres como a
Setubalense Luísa Todi tiveram de procurar trabalho noutros palcos europeus.
Ficam aqui algumas notas, necessariamente incompletas, do
que foi a sociedade em que viveu Belchior Curvo Semedo.
Em próximas Memórias. Dar-lhe-emos conta, amigo leitor, das múltiplas
facetas da obra poética deste insigne montemorense.
Até breve.
Vitor Guita
Extraída Mensário “O Montemorense” Fevereiro
2016. Reprodução autorizada pelo Autor
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