Terça, 29 Março 201
Tivemos mais um Março
violento de acontecimentos que, tendo sido em países estrangeiros, nos afectam
enquanto parte de um todo, nem que esse todo se divida em duas áreas mais
específicas: a Europa e a Democracia.
O atentado em Bruxelas, que não matou mais do que os que morrem às mesmas
mãos noutros continentes todos os dias, trouxe o terrorismo para ao pé de nós
para que uns encontrassem num qualquer céu as virgens prometidas em troca de
outros poderem encher-se do poder que faz o mundo girar. As manifestações no
Brasil, onde não parece haver virgens em matéria de “mãos untadas” que usam o
poder para fazer girar o seu pequeno e privado mundo, expôs-nos às dificuldades
de fazer vingar a Democracia a sério, e num promissor País tão novo nela.
Mas para além de todas
estas questões sociais e políticas, tão importantes para a Humanidade em geral,
é ao nível do indivíduo, e em cada um de nós cidadão-comum, que se voltam a
criar sentimentos vários e confusos. Não só porque nem a todos apetece passar
por esta vida sem se preocuparem com o resto para além do que a si-próprios diz
respeito, como - a avaliar pelo rumo da escalada de violência que recomeça,
evocando a barbárie da terra sem lei em que já se viveu, por muito distantes
que sejam os acontecimentos - isto está tudo ligado e algum dia virá bater-nos
à porta. Para além de que, se quisermos ser ainda e só cidadãos-comuns mas
empenhados em exercer essa cidadania, importará viver, ensinar a viver e deixar
viver de acordo com os padrões civilizacionais de que já não desejávamos, nem
prevíamos, retrocessos.
Para além das ruidosas
manifestações de quem se indigna e dos silêncios que, a respeito da memória das
vítimas, vamos demonstrando indignados na nossa consternação, começa a ser
difícil encontrarmos o modo de nos contarmos às gerações que nos trouxeram até
aqui e, bem pior ainda, às que ficarão depois de nós partirmos. A educação como
transmissão de valores, como abertura de caminhos a formas de pensar, agir e
criar, começa a esbarrar com extremismos que nos toldam uma existência que,
eventualmente, se desejaria moderada, construtiva, tolerante. Ao ritmo a que a
Natureza nos ensinou a reagir ao caos para dele fazer Vida.
O Vergílio Ferreira aconselhava assim: «Falar alto para quê? Poupa as
forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os outros que
falam alto se calarem estoirados.» E, pergunto-me eu: e se todos cairmos
estoirados, uns de tanto gritar, outros de tanto calar? E se os gritos de uns e
o silêncio de outros, entre a multidão e a morte, não nos deixarem aproveitar a
vida para além da sobrevida? As dolorosas dúvidas, de que podemos ir fazendo
uma espécie de luto, talvez só se apaguem com aquilo que nos faz ir acalmando a
dor: o tempo e o amor que dispensamos e nos dispensam. Mas e quando é em nome
desta espécie de deuses – tempo e amor -, ainda que falsos mas bem, muito bem,
disfarçados, é que a dor se faz? Tenho para mim que há uma única resposta à
pergunta que nos resume por estes dias – “onde é que vamos parar?”. É que não
pára. Nós é que saímos dela. E essa é a boa notícia. Afinal, celebrar a Páscoa
teria que nos ensinar qualquer coisa, não?
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
Sem comentários:
Enviar um comentário