terça-feira, 1 de março de 2016

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM

                                               Cem anos num instante

Terça, 01 Março 2016
Hoje na Universidade de Évora comemora-se Vergílio Ferreira. Foi a 1 de março de há 20 anos que o escritor e pensador passou à eternidade.
Aquela que está guardada para os que, mesmo não estando por cá, não desaparecem das vidas nem de quem os quer bem, nem das instituições que foram marcadas por eles. Deixou-nos obras de ficção onde, como bem se sabe, qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência, e textos onde reflete sobre o Homem e a Humanidade e a sua condição neste Mundo por onde passa e que constrói.
A Universidade de Évora, em cujo edifício principal, Vergílio Ferreira ensinou 14 anos, rende-lhe homenagem premiando desde 1997, quando dois Professores com responsabilidades governativas dentro da instituição – José Alberto Gomes Machado, que tinha sido seu aluno no Liceu Camões, e Jorge Araújo, Reitor na altura - o Prémio foi instituído com o objetivo não só de homenagear o Autor, mas também de galardoar o conjunto da obra literária de um autor de língua portuguesa relevante na narrativa e/ou no ensaio.
Da Vida que Vergílio Ferreira pôs por escrito a Morte é uma presença constante. Ensaios, mesmo em forma de romance, para tentar ligar as coisas umas às outras e encontrar uma justificação para factos que inquietam quem procura saber como melhor “equilibrar-se” nesta bola que é o Mundo… Em Aparição, o romance funciona como uma espécie de laboratório em que o Autor experimenta a aplicação dos princípios filosóficos que organizam o seu pensamento a uma realidade que constrói pelo discurso literário e de acordo com as tendências vigentes nos finais dos anos 50 do século XX. Talvez por isso, esta obra se tenha colado tanto às “coisas reais”: a vida de um professor, à época, na província portuguesa, em particular no Alentejo e mais particular ainda em Évora; o ambiente social e político de uma Cidade pequena socialmente e enorme historicamente; a beleza da paisagem, enfim, a Cidade de Évora. E Évora torna-se assim, com a passagem do tempo sobre a escrita e a receção da obra, o seu motivo central. Aparição é Évora e, por muito que não agrade a todos os que a leiam com atenção, e se detenham em algumas passagens, Évora é também a Aparição.
Mas voltemos a assuntos maiores e às afirmações que Vergílio Ferreira foi pensando e escrevendo. Uma conta-corrente da sua Vida que altruisticamente partilhou connosco que o lemos, como um efetivo Mestre do pensar e do contar a Vida e os Homens. Remetido agora aos livros que escreveu e foram publicados, foi neles que em Vida conseguiu dizer o que tinha para deixar para a eternidade, é neles que na Morte continuamos a interrogá-lo, nós os leitores, sobre os significados que deu ao que lhe importava. Lê-lo e pensar no que diz é sempre um motivo de nos questionarmos a nós naquele lugar que ele evoca, classifica, e tenta resolver. Como quando fala connosco e diz: «Que importa o que erraste? Não haveria verdade nos outros sem o teu erro próprio. E assim colaboraste na harmonia da vida. Se no mundo houvesse só uma cor, não haveria sequer essa cor.» Ou quando nos alivia o medo da perda que a Morte nos traz, sobretudo a nós mesmos: «Não te entristeças por não poderes já ver o que verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exatamente o mesmo que tu.» A mim, estas “saídas” aforísticas consolam-me e fazem-me sentir, ainda mais, parte de um coletivo sem exceções, em que o Tempo, democraticamente, nos trata a todos por igual.
Até para a semana.

Cláudia Sousa Pereira

Sem comentários: